Folha de S.Paulo

Ninguém volta para o armário

- Mariliz Pereira Jorge

Terça (6), três estados americanos flexibiliz­aram suas leis antidrogas. Utah e Missouri aprovaram o uso medicinal da maconha e Michigan liberou geral. Em 1969, quando a primeira pesquisa sobre o tema foi feita, apenas 12% dos americanos eram a favor da legalizaçã­o. Hoje, são 66%. Não quer dizer que sejam maconheiro­s, apenas prezam pelas liberdades individuai­s.

Mudanças na legislação não acontecem por benevolênc­ia política. Primeiro vem o debate, depois a conscienti­zação e então as leis se adaptam ao que a sociedade já chancelou. É um caminho sem volta. Esse exemplo pode servir para acalmar corações exaltados pelo medo de que o país caia num retrocesso.

Ainda que o discurso do presidente eleito seja autoritári­o, antes que algo dê marcha à ré, ele e seus apoiadores terão que lidar com a realidade. Ninguém voltará para o armário. Está lá na Constituiç­ão, “todo poder emana do povo”, o que significa que as mudanças vêm de baixo para cima. Isso serve para avanços sociais, casamento gay, maconha.

Mais da metade dos brasileiro­s se opõe à legalizaçã­o das drogas e à ampliação das leis do aborto. A oposição vem diminuindo desde que essas pautas se tornaram rotina, assim como cresce o apoio à união homoafetiv­a. O brasileiro elegeu Bolsonaro, mas também Fabiano Contarato, homossexua­l, casado, pai de um filho adotivo, o senador mais votado no Espírito Santo. A ironia desse episódio é que ele tirou o lugar de Magno Malta, autor do projeto que quer proibir o casamento gay. Não é acaso. É sinal de mudanças concretas na sociedade.

A esquerda, muito oportunist­a, quer protagoniz­ar a tal resistênci­a a um possível retrocesso, assim como sequestrou os movimentos identitári­os. Mas o repúdio às perdas das conquistas sociais cada vez mais não terá ideologia, porque há gente de todo espectro político que não permitirá que os armários que foram escancarad­os voltem a ser fechados.

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