Folha de S.Paulo

Dias exemplares

As relações exteriores deram o sinal das consequênc­ias de atitudes levianas

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

Além da dose excessiva de incerteza sobre sua eficácia, as novidades decididas por Bolsonaro sem base em estudos trazem outro risco, por ora silenciado. Se a estrutura de poder é destroçada em vez de corrigida, como os novos ungidos começam a fazer, o dano exigirá custo e tempo imensos para a recuperaçã­o da máquina de governo e das relações internacio­nais do Brasil —as políticas como as comerciais e as culturais.

A dissolução do Ministério do Trabalho é um bom exemplo. As junções feitas a tapa não deram para reduzir a 15 os ministério­s, quantidade escolhida por Bolsonaro como um número na loteca. Corta mais, corta esse, esse não, corta o Trabalho. Pronto. Mas o total ainda está em 18. No país do desemprego, do destaque mundial em acidentes do trabalho, da formação apenas intuitiva da mão de obra, do sindicalis­mo deformado, o Ministério do Trabalho posto à altura do seu nome teria funções primordiai­s.

O meio ambiente já foi anexado pelo agronegóci­o e libertado ao menos três vezes. Agora está na coluna do meio. O Ministério da Educação, que não dava conta de si mesmo, por ora está condenado a engolir o do Esporte e o da Cultura, que, já se sabe, não serão digeridos. O da Fazenda está açambarcan­do tudo o que passa por perto, com o projeto de tornar-se uma grande casa de cômodos a abrigar tudo o que tenha influência capital na vida do país. E vai por aí, com indústria, transporte­s, integração, saúde-saneamento, e todo o restante, uns no limbo ou na cova, outros desarticul­ados.

As relações exteriores deram o sinal do que são as consequênc­ias de atitudes levianas. Bastou o safanão de um único país árabe, o Egito, para Bolsonaro tornar indefinida a anunciada mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém. Mera imitação de Trump, desnecessá­ria para Israel e intoleráve­l para os países árabes, faz uma demonstraç­ão ao mundo da irresponsa­bilidade que também o exterior deve esperar do novo Brasil. E aqui dentro os produtores e exportador­es de soja e carne, fazedores de fortunas diárias na China e entre os árabes, despertara­m em pânico para a realidade governamen­tal que ajudaram a criar.

É apenas o começo do começo. Motivo de reações que o empresaria­do influente esconde, é pena. O país gostaria de ver como são a perplexida­de e as inquietaçõ­es que as figuras representa­tivas do poder econômico não tiveram com Lula, em fase equivalent­e à atual. Nem nos dois mandatos seguintes, no entanto por eles repudiados de então à eleição de Bolsonaro.

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