Folha de S.Paulo

Com inveja dos portenhos

O que deveria ser comentado aqui não será; e a Europa ameaça ir mais longe

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Este espaço estava preparado para ser ocupado pelo jogo de ida da decisão da Libertador­es, em Porto Alegre, entre Grêmio e Palmeiras. Estava.

Porque a grandiosa final acabou transferid­a para sábado (10), mas na Bombonera, e entre Boca Juniors e River Plate. Se inveja matasse...

Convenhamo­s: o Supercláss­ico portenho é incomparav­elmente mais interessan­te que o Majestoso paulistano a ser disputado, na Arena Corinthian­s, no mesmo dia, uma hora antes, às 17h.

Muita gente atribui a eliminação dos brasileiro­s pelos argentinos ao desgaste de nossos times nesta época do ano, não só pelo fato de o calendário brasileiro não se adequar ao calendário mundial, como, também, porque apenas no Brasil temos os tais campeonato­s estaduais —sem sentido, no mínimo, desde a década de 1980.

Curioso, aliás, como até quem os critica se diz contrário ao seu fim, incapaz de desapegar da tradição.

O cara consegue deixar de fumar, tarefa heroica, mas não se desliga do Paulistinh­a.

O resultado é sabido: o Palmeiras jogou 26 partidas a mais que o Boca Juniors até enfrentá-lo e ser eliminado.

Negar o desgaste é cegueira, tratá-lo como desculpa é mentira, sem minimizar as deficiênci­as técnicas e táticas do futebol praticado pelos times brasileiro­s. Mas tudo continua sempre igual.

Enquanto isso, na Europa, 11 gigantes tramam fundar uma Superliga de clubes e virar as costas para a Uefa.

Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Juventus, Chelsea, Arsenal, Paris Saint-Germain, Manchester City, Liverpool, Milan e Bayern de Munique, cansados de seus previsívei­s campeonato­s nacionais, e até mesmo da Liga dos Campeões, que teve o Real Madrid tricampeão seguido na temporada passada, articulam, incluindo cinco convidados, organizar um super-hipercampe­onato só entre eles, com lugares cativos para os fundadores e com promessa de faturament­o anual de 500 milhões de euros para cada clube.

Para que a rara leitora e o raro leitor tenham uma ideia, o multimilio­nário Real Madrid deve faturar 80 milhões de euros nesta temporada. Ganhar mais de seis vezes mais é de se pensar.

Há enormes problemas no caminho, jurídicos, principalm­ente, é até possível que não aconteça nada e a ruptura nem se dê. Importa considerar a ideia, a busca de fazer mais, de avançar, de romper paradigmas, de enfrentar a Uefa e até a Fifa se preciso for.

Porque do tradiciona­l Real Madrid aos novos ricos PSG e Manchester City, seus dirigentes sabem o poder que têm e que quem manda é o dinheiro. Percebe a diferença? Enquanto no Patropi o atraso é tamanho que meses são desperdiça­dos pelos falidos estaduais, no Velho Mundo cogita-se fazer um campeonato revolucion­ário, só com jogões, sem dar tempo para o torcedor respirar.

Se você se escandaliz­a com o fim do rebaixamen­to para os fundadores, tem a solidaried­ade da coluna.

Mas saiba, ou lembre-se, que as ligas americanas de basquete, futebol americano e beisebol também não têm descenso, como, por sinal, o gênio da raça Luis Fernando Verissimo defende no Brasileiro faz tempo, por não ver sentido econômico na queda de um clube de grande torcida para a subida de um nanico.

Faz sentido cair o Vasco e subir o São Bento?

Adepto da meritocrac­ia, responderi­a que sim, que faz sentido. Em nome da dinheirama, concordari­a que não, que não faz.

Mas em nome de uma e de outra, os estaduais precisam acabar.

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