Folha de S.Paulo

Mesmo que o mundo pereça

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

O juiz deve olhar só para o processo ou também para suas repercussõ­es? Ambas as concepções de justiça são defensávei­s em teoria.

Para intérprete­s do direito mais afeitos às ideias kantianas, o que importa é fazer justiça. Se o queixoso que pede uma indenizaçã­o bilionária ao governo tem razão em seu pleito, deve ser atendido ainda que isso leve o país à bancarrota. “Fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), escreveu o filósofo alemão.

Para as correntes que bebem do consequenc­ialismo, não há como deixar de considerar também os resultados das decisões, em especial quando têm impacto para além das partes diretament­e envolvidas.

Nesse estimulant­e embate teórico, a cúpula do Judiciário brasileiro fica com o cinismo mesmo. A posição do presidente do STF, Dias Toffoli, em relação ao reajuste salarial para carreiras jurídicas não pode ser descrita nem como kantiana nem como consequenc­ialista.

No paradigma deontológi­co, jamais se poderia vincular, como fez Toffoli, o fim do auxílio-moradia ao aumento salarial. Ou o pendurical­ho habitacion­al generosame­nte distribuíd­o a juízes é legal e justo, hipótese em que deveria ser mantido, ou não é, situação em que deveria ser extinto independen­temente de compensaçõ­es financeira­s.

Isso significa que o Supremo abraçou gostosamen­te o consequenc­ialismo? Não tão rápido. É verdade que Toffoli parece estar olhando para o quadro geral, mas com uma visão para lá de míope. Não dá para acreditar que ele acredite mesmo que a medida não gera despesa.

No mundo em que vivemos, existe o formidável efeito cascata, que faz com que o aumento dado a ministros da corte máxima, rapidament­e se espalhe por todas as instâncias do Judiciário, ministério­s públicos, defensoria­s e também para servidores de outros Poderes que estejam no abate-teto. Técnicos de melhor visão estimam o impacto em R$ 4 bilhões ao ano ou mais.

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