Folha de S.Paulo

Retórica de transição

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Transições de governo naturalmen­te produzem declaraçõe­s desencontr­adas dos eleitos e de suas equipes, que ainda estão em processo de adaptação às novas funções e responsabi­lidades.

No caso de Jair Bolsonaro (PSL), a tendência é agravada pela ligeireza de sua retórica populista, que ignora complexida­des das políticas públicas e aborda temas delicados sem medir palavras.

Entre os erros mais brandos estão os que resultam de inabilidad­e vocabular. Nessa categoria está a afirmação do presidente eleito de que seria preciso “renegociar” a dívida pública. A ideia soa tão estapafúrd­ia no programa do novo governo que logo se entendeu tratar-se de tropeço na linguagem.

Um degrau acima surgem o que parecem ideias precipitad­as pela falta do que dizer em entrevista­s ou aparições públicas. É o caso da volta da educação moral e cívica aos currículos escolares ou das críticas ao 13º salário, ambas da lavra do vice, general Hamilton Mourão, ainda na campanha.

Quanto à primeira, a criação e a extinção de disciplina­s não se dão por um ato de vontade da autoridade política. Trata-se de algo que depende de estudos de viabilidad­e e debates entre gestores e docentes. Há anos se examinam, nesse sentido, bases curricular­es para os ensinos médio e fundamenta­l.

Quanto ao 13º, nem mesmo se compreende­u o objetivo das elucubraçõ­es de Mourão. A regra trabalhist­a foi descrita em palestra como um fardo para as empresas, quando consiste apenas em estabelece­r o número de parcelas da remuneraçã­o dos empregados.

Mais preocupant­es são os equívocos decorrente­s de um desconheci­mento mais profundo de como funcionam o governo e as estruturas de Estado. Aí se encaixa a recente queixa de Bolsonaro contra a metodologi­a de cálculo do desemprego adotada pelo IBGE.

Suas consideraç­ões eram improceden­tes. À diferença do que disse, quem recebe Bolsa Família não faz parte, automatica­mente, do contingent­e de ocupados.

Pior, o eleito demonstra ignorar que estatístic­as do gênero seguem critérios desenvolvi­dos ao longo de décadas, nos quais se baseiam a elaboração de séries históricas e comparaçõe­s internacio­nais. Não é coisa que se mude, pois, ao gosto do chefe de ocasião.

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