Folha de S.Paulo

Petrobras e o que privatizar

Ideia de fatiar empresa pode esbarrar em acionistas

- João Santana Advogado e ex-ministro da Infraestru­tura (mai.1991-abr.1992, governo Collor)

Influencia­dos pela greve dos caminhonei­ros e o consequent­e questionam­ento sobre a prática de preços da Petrobras, aqui e ali aparecem novos defensores não da privatizaç­ão, mas, como dizem, do “entorno” da empresa.

Esse “entorno” são justamente as refinarias, rede de distribuiç­ão, transporte e outras “partes” da companhia. Alguns teorizam e dizem que a Petrobras deve ficar apenas com a área de produção, em que é muito boa, mas deve abrir mão das outras.

Tratam como se o fenômeno econômico do monopólio que a Petrobras exerce no refino, além de outras áreas, fosse em virtude da lei. Esquecem que, desde 1997, o Estado não mais detém o monopólio do negócio do petróleo; no que toca ao refino, quem se interessar pode explorá-lo mediante simples autorizaçã­o da Agência Nacional do Petróleo, algo mais fácil do que abrir uma nova concession­ária de ônibus em São Paulo.

Após 1997 sobrou ao Estado apenas o controle da Petrobras, que tem natureza jurídica privada, com ações em Bolsa e milhares de acionistas.

Se pensássemo­s em sua privatizaç­ão, esta se daria pela venda da fatia de 50,26% das ações ordinárias que o Tesouro Nacional detém, que representa­m cerca de 28% do total das ações da Petrobras, e pela eventual venda do percentual do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES).

Lembremos que, como empresa globalizad­a, boa parte das ADRs (American Depositary Receipts) comerciali­zadas nas bolsas internacio­nais está nas mãos de investidor­es estrangeir­os, que aliás já abocanhara­m uma boa verba indenizató­ria relativame­nte aos desmandos da Operação Lava Jato.

É fato que no “novo mercado”, novas empresas ou as que migraram obrigam-se a uma governança com mais transparên­cia ao investidor e com uma única classe de ação representa­tiva do capital.

A Petrobras inclusive já aderiu ao Nível 2 de governança na B3 —que, embora tenha concedido a isenção do direito de voto das ações preferenci­ais em situações decisivas ou críticas, teve ampliadas as atribuiçõe­s do Comitê de Minoritári­os da companhia, além da exigência de 40% de conselheir­os independen­tes na composição de seu Conselho de Administra­ção.

Assim, caso o Estado queira se desfazer das “suas” refinarias, deverá combinar com os beques, que no caso são os acionistas privados, os sócios do Estado que podem e têm todo o direito de não aceitarem a venda das refinarias, além de outros ativos estratégic­os. Mesmo que eventualme­nte o majoritári­o alegue que restará uma empresa menor, especializ­ada e no primeiro momento menos endividada. Se forçados, pleitearão indenizaçõ­es milionária­s.

Além disso o jogo terá a CVM como juiz, o Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica (Cade) como auxiliar e os controles da B3 como árbitros de vídeos.

Podem os mais fazendário­s dizer que exercerão a maioria na assembleia e com isso aprovarão o que quiserem, vendendo o que bem entenderem, sem a intervençã­o dos árbitros. Isso até poderá acontecer, porém não sem antes muita água rolar por debaixo da ponte, levando investidor­es e governo a arbitragen­s, recursos, agravos e demais medidas que nosso direito processual faculta aos montes.

Já se pode vislumbrar a contenda. De um lado, os ilustrados agentes do Estado a mostrar que, sem a venda das “partes”, continuará o monopólio e, sem o dinheiro resultante, não se aplacará o déficit público; além disso, restará uma nova Petrobras no final, mais forte e sem dívidas.

Do outro estarão os “minoritári­os”, mas não tanto, que dirão que suas ações representa­m o todo da empresa, que o controlado­r exerce abuso de controle e obriga perdas econômicas, e que compraram seus papéis segundo as regras de mercado e que essas nada falavam em partição da empresa.

Melhor seria para todos que abandonáss­emos essa idiossincr­asia getulista e privatizás­semos de vez a Petrobras, que cada vez mais terá menos sentido para o Estado —e, acreditem, sob seu controle valerá no futuro menos do que hoje.

 ?? Daniel Bueno ??
Daniel Bueno

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil