Entrevista
Guilherme Martini
Passar por diferentes segmentos da indústria permite que um profissional esteja pronto para qualquer desafio. Se tratando de um dos setores mais dinâmicos do mercado, a hotelaria abriu as portas para Guilherme Martini em meados de 2009, quando ingressou no complexo Costa do Sauípe como Diretor de Marketing e Vendas, agregando ao executivo bagagem suficiente para chegar hoje à Atlantica Hotels, onde passa a atuar como COO – Chief Operating Officer.
Martini participou de toda a recolocação do complexo baiano no mercado, que à época, passava por um processo de transição e registrava desempenho negativo. Posteriormente, já como CEO do resort, Martini cumpriu suas metas: tirar a empresa do vermelho e torná-la independente de aportes operacionais por parte dos acionistas, e depois de reconquistar a confiança no produto, torná-lo vendável para seu contínuo crescimento.
Depois de ter contato direto com investidores em toda sua trajetória, Guilherme Martini terá como missão à frente das operações da Atlantica Hotels — além da responsabilidade de suceder Christer Holtze — preparar esta área para suportar um grande crescimento no número de hotéis da rede, que está presente hoje em 43 destinos com 95 unidades. Confira nesta entrevista exclusiva os planos do novo COO da rede, que já pretende criar novas bandeiras e se consolidar como a maior administradora de hotéis de capital privado da América do Sul.
Revista Hotéis - Após trabalhar em grandes multinacionais você entrou no segmento hoteleiro como Diretor de Marketing e Vendas do complexo Costa do Sauípe. Como foi esta transição? Quais as principais dificuldades encontradas e os desafios que teve que enfrentar?
Guilherme Martini - Apesar de não possuir experiência prévia no segmento hoteleiro, minha carreira toda foi construída na indústria de serviços. Fui, primeiro, consultor pela A.T.Kearney, depois coordenador e gerente de marketing na Claro, onde posteriormente tive a oportunidade de atuar como Gerente de Vendas para todo o Estado de São Paulo e, por fim, Diretor de Marketing na Time For Fun, empresa do segmento de entretenimento ao vivo (é a maior promotora de shows do País). Essa bagagem me permitiu entrar na indústria hoteleira com relativa tranquilidade. É claro que estamos falando de uma indústria com suas complexidades e especificidades, mas certamente, várias experiências vividas nas demais indústrias me ajudaram a ser bem sucedido no desafio de Sauípe.
Após um rigoroso processo seletivo, cheguei a Sauípe em agosto de 2009. Lá encontrei uma empresa completamente fragmentada, com uma má performance comercial (os hotéis fecharam o ano de 2009 com 33% de ocupação e diárias médias baixíssimas), uma crise de imagem de grandes proporções (apesar do alto recall que a marca ainda carregava, os atributos de luxo e sofisticação dos primeiros anos haviam sido substituídos por uma forte percepção de um produto “cansado”, mal mantido e decadente) e uma equipe bastante desentrosada, machucada pelo processo de venda pelo qual a empresa havia passado (e não concluído, por causa do estouro da crise de 2008).
O desafio inicial foi o de retomar a credibilidade do trade turístico, que por algum tempo, ficou sem referências sobre o que esperar do produto. Para
isso, precisávamos redefinir a proposição de valor de Sauípe, seu posicionamento e público-alvo. No início de 2010, ousamos realizar um grande Fam Tour com vários parceiros do trade para apresentar essa nova proposição e mostrar que o produto continuava muito relevante e atraente para o novo target definido. Os resultados foram excelentes! Fechamos 2010 com 40% de ocupação média e 48% em 2011, voltando a nos aproximar da ocupação média do segmento de resorts.
R.H. - Em 2012 você foi promovido à posição de CEO do complexo Costa do Sauípe. Este foi o grande teste que teve que enfrentar, tendo em vista a dimensão do complexo, o número de apartamentos e a pressão por resultados?
G.M. - Sem dúvida nenhuma o nível de responsabilidade aumentou muito. Naquela altura, o projeto de Sauípe já havia engrenado, mas a pressão por resultados era crescente. Nosso acionista (Previ), que nos apoiou em todo o projeto de reversão de resultados do empreendimento, nos cobrava pela autossuficiência de caixa na operação, o que era uma missão bastante difícil. Com o apoio do Conselho de Administração e do antigo CEO (Eduardo Giestas, atual CEO da Atlantica), conseguimos consolidar o projeto de Sauípe, com muito foco na geração de receitas e com uma forte atuação na redução de custos e despesas, que em um empreendimento único como esse, tende a se proliferar. Obviamente, esse tipo de medida não é indolor; entre outras ações, tivemos que decidir, por exemplo, pelo fechamento do campo de golf do complexo, que apesar de ser considerado um dos melhores do país, apresentava um déficit milionário anualmente. O resultado desse grande esforço veio em 2013, quando fechamos o ano com equilíbrio em geração de caixa operacional. A primeira etapa do projeto de Sauípe estava cumprida: tirar a empresa do vermelho e torna-la independente de aportes operacionais por parte dos acionistas. A segunda parte da missão era encontrar uma destinação definitiva para o ativo, dado que a Previ, pela natureza de seus investimentos, sempre deixou clara sua intenção de vender o ativo, no momento certo.
R.H. - O que o fez aceitar a proposta para trabalhar na Atlantica Hotels? Qual o legado que trouxe de Costa de Sauípe e o legado que seu antecessor Christer Holtze deixou?
G.M. - Após algumas tentativas frustradas de negociação de Sauípe com grupos interessados, no final de 2016, a Previ decidiu oficialmente organizar um novo processo de venda da empresa. Estive envolvido diretamente nesse processo, liderando os trabalhos junto ao advisor contratado para prospectar potenciais interessados. No início de 2017, quando o Giestas assumiu a função de CEO da Atlantica, começamos a conversar sobre a possibilidade de eu compor essa nova equipe da empresa, o que acabou se concretizando em agosto de 2017, quando o processo de venda de Sauípe já estava bastante encaminhado.
Além de ser uma das grandes referências na indústria hoteleira do País, a Atlantica é uma das empresas mais admiradas nessa indústria. A maior parte dos grandes profissionais que pude conhecer nesse segmento são ex-Atlantica, que é uma grande escola da Hotelaria. Isto, aliado ao momento pelo qual a empresa passa e ao projeto futuro, motivaram-me a aceitar a oportunidade de me juntar a esse novo e desafiador projeto.
Acredito que minha experiência em Sauípe tenha me credenciado para assumir esse grande desafio, não só pelo resultado alcançado (Sauípe foi vendida para o Grupo Rio Quente no final de 2017), mas especialmente por toda a vivência e aprendizado. Tive a chance de trabalhar ao longo dos 8 anos na empresa com excelentes profissionais hoteleiros, que me ensinaram muito da indústria. Mas, talvez, o maior ativo que trago para a Atlantica seja minha habilidade de lidar com os investidores. A relação com um enorme fundo de pensão por tanto tempo ensinou-me muito nessa disciplina, algo que em pouco tempo, já tive que colocar à prova na minha nova função.
A responsabilidade de liderar a área de Operações da Atlantica é ainda maior pelo fato de suceder o Christer. Além de ser um dos mais experientes hoteleiros que o País já teve, é um grande ser humano. O Christer deixou sua marca na forma como a Atlantica opera seus empreendimentos, com rígidos padrões de qualidade e processos muito bem construídos. A reputação que a administradora possui hoje no mercado é, sem dúvida, um dos grandes legados deixados por ele. Além desse, acho que a equipe formada por ele e hoje liderada por mim é um dos grandes ativos da empresa. São profissionais
de primeiríssima linha. Só posso agradecer pela generosidade do Christer na sua transição comigo na Vice-Presidência de Operações da Atlantica. Sua aposentadoria, mais do que merecida, só não será completa pois fizemos questão de tê-lo como nosso Consultor Sênior ao longo de 2018. Ele continuará contribuindo com aquilo que mais conhece e gosta, nos ajudando a entender como um hotel pode receber melhor seus hóspedes.
R.H. - Quais são suas metas e os principais desafios que acredita que terá a frente do cargo de COO — Chief Operating Officer na Atlantica Hotels?
G.M. - Talvez a grande missão que eu tenha nesse primeiro momento seja preparar a área de Operações da empresa para suportar um grande crescimento no número de hotéis da rede, que esperamos que venha já a partir de 2018. Para que possamos crescer de forma consistente, precisamos ser capazes de fazer mais e melhor com os recursos que dispomos. Para isso, estamos desenhando um novo modelo de gestão, muito mais analítico e que nos possibilitará ter visibilidade da performance de nossos hotéis com muito mais precisão. Nosso foco será expandir a rede com muito foco na performance de nossos hotéis e na relação com nossos investidores. Só assim esse crescimento será sustentável.
R.H. - Como a Atlantica está posicionada hoje no mercado e o que a difere em relação as demais administradoras hoteleiras que operam no Brasil?
G.M. - A Atlantica Hotels posiciona-se no mercado como a maior administradora de hotéis de capital privado da América do Sul. Estamos presentes em 43 destinos diferentes no Brasil onde operamos 95 unidades.
Temos alguns diferenciais em relação às demais administradoras. Primeiramente, mantemos alianças exclusivas com grupos internacionais, entre eles, com a Choice Hotels (proprietária das marcas Sleep Inn, Comfort, Comfort Suites, Quality e Clarion), com a Carlson Rezidor (proprietária das bandeiras Radisson BLU, Radisson RED, Radisson e Park Inn by Radisson), com Hilton Worldwide (bandeira Hilton Garden Inn) e temos parceria estratégica com a Starwood para administração da marca Four Points by Sheraton, além de contar com a marca própria Go Inn e oferecer a assinatura “by Atlantica” para hotéis independentes.
A companhia também se difere por oferecer aos seus investidores uma gestão moderna e ampla por meio da maior equipe de vendas da América Latina. É a única rede hoteleira no País a manter 180 executivos em todo o Brasil, aptos a oferecer o portfólio de hotéis do grupo por meio do modelo de vendas cruzadas. Conta, ainda, com a inteligência de mercado de outros 40 executivos alocados no Corporativo que dão todo o suporte para a operação dos profissionais de vendas que estão na rua.
Vale lembrar ainda que em 2014, a companhia recebeu aporte de acionistas internacionais, tanto do fundo de investimento Quantum Partners, administrado pelo Soros Fund Management, quanto do Tao Invest, ligado ao Tao Capital Partners, que nos dão total apoio na gestão da companhia.
Talvez o grande diferencial da Atlantica seja sua flexibilidade e proximidade com os empreendimentos. Atuamos de forma ética e transparente, visando sempre estabelecer relações comerciais de longo prazo.
R.H. - Vocês pretendem trazer outras marcas para dentro do portfólio ou vão priorizar as marcas próprias, como a Go Inn?
G.M. - Sim, temos expectativas de adicionar novas bandeiras ao portfólio da rede, sem deixar de focarmos na expansão das nossas marcas já em operação. Em 2017, chegamos a 10 hotéis da bandeira Go Inn e a 7 empreendimentos da marca Sleep Inn, sem contar com a ampla penetração das marcas Quality e Comfort em todo o País. Tivemos também a abertura do primeiro Radisson RED da América Latina, em Campinas, o que demonstra que nossa extensa abrangência de marcas, indo do segmento econômico ao luxo, nos permite termos diferentes categorias de hotéis em um mesmo destino, de forma a atingirmos perfis diferentes de hóspedes.
Não descartamos também a criação de novas bandeiras próprias para atuarmos em outros nichos de mercado, além daquele ocupado pela Go Inn.
R.H. - Nos últimos dois anos a Atlantica deixou de administrar vários empreendimentos. Na sua opinião, por que isto aconteceu? Foi decisão es-
“Tentamos, ao máximo, trazer o investidor para o dia-a-dia do negócio”
tratégica, pressão de investidores por resultados ou opção mercadológica?
G.M. - É natural na Hotelaria haver rotatividade de administração, especialmente em momentos de crise econômica. Os proprietários dos empreendimentos, que muitas vezes obtinham ganhos com seus hotéis muito superiores aos conseguidos no mercado financeiro, sentem na pele a queda das margens do negócio no atual contexto. É impossível não haver desgaste na relação com parte desses investidores, que atribuem a culpa pela queda dos resultados à administradora. Nesse sentido, a proximidade com os investidores e a transparência com a qual lidamos com as situações difíceis evitaram uma perda muito maior de hotéis.
Se por um lado perdemos alguns empreendimentos, por outro lado foi um período que conquistamos muitos hotéis, convertidos de outras administradoras. Três hotéis que tiveram conversões firmadas ao longo do ano passado, já entraram em operação na rede. Em maio, o Mercure Rio de Janeiro Botafogo Hotel, localizado em Botafogo, na zona Sul da capital fluminense, passou a ser administrado pela Atlantica Hotels com o nome Quality Suites Botafogo. Em agosto, a Atlantica começou a operar empreendimento em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, sob o nome Quality Hotel Niterói, fruto da conversão do Mercure Niterói Orizzonte Hotel. Em setembro, a companhia iniciou a administração de Sleep Inn Dubai Macaé, no Norte do estado do Rio de Janeiro, empreendimento anteriormente denominado Matiz Dubai Macaé. E já no início deste ano, a Atlantica passou a administrar o Premium Goiânia que é provindo da rede Blue Tree. Na capital paulista, a companhia assume em maio deste ano um grande hotel provindo da BHG.
A companhia é líder em conversão de hotéis no Brasil. Nenhuma outra rede tem tantos hotéis convertidos para suas próprias marcas.
RH - Existem críticas no mercado em razão de algumas redes hoteleiras não saberem identificar qual é o seu verdadeiro cliente, se são os investidores que pressionam por resultados e querem cortar custos para maximizar receitas ou os hóspedes que exigem muito e querem pagar cada vez menos. Como conviver com esta situação?
GM - Este é um dos grandes desafios do cotidiano de qualquer administradora hoteleira, especialmente no Brasil, onde há uma recorrência de crises econômicas que afetam tanto a operação dos hotéis como o bolso do viajante. Por isto, temos que superar as expectativas em todas as pontas do negócio todos os dias.
Obviamente, os dois públicos são essenciais para o sucesso do negócio. Um hotel não existe sem seus hóspedes, nem sem seus proprietários. O segredo está em buscar o equilíbrio entre a satisfação dos dois públicos, sempre respeitando os padrões das bandeiras que operamos. Um investidor hoteleiro sabe os riscos do negócio e raramente, temos que lidar com uma grande pressão para flexibilizarmos tais padrões. Ainda assim, nestes casos, buscamos sempre formas de viabilizar reduções de custos sem a perda de percepção de qualidade pelos hóspedes. Um exemplo está no padrão dos amenities dos apartamentos, que para algumas bandeiras internacionais são padrão no mundo todo. Já tivemos sucesso em homologar marcas nacionais, com custos até 70% mais baixos que os similares importados.
Contamos com uma área interna que cuida exatamente da adequação dos padrões dos hotéis aos parâmetros das bandeiras. Essa área realiza auditorias nos empreendimentos, visando garantir a unicidade da entrega entre todos os hotéis de uma mesma marca.
Ainda dentro da área de Operações, contamos com uma diretoria exclusiva para o relacionamento com investidores, que dá todo o suporte nas demandas desse elo da cadeia, desde nas renegociações contratuais como na prestação mensal de contas aos empreendimentos. Tentamos, ao máximo, trazer o investidor para o dia-a-dia do negócio para que ele compreenda a operação de um hotel, não apenas a gestão do patrimônio em si, mas também no tocante a vendas, marketing, RH, fornecedores, A&B, etc. Nosso foco é dar o melhor retorno aos proprietários dos apartamentos administrados pela rede, com valores sólidos agregados a uma completa infraestrutura operacional.
E, por outro lado, trabalhamos fortemente para
que nossos hotéis sejam reconhecidos como os melhores do Brasil. Temos, sim, alcançado posição de destaque no cenário nacional, atingindo níveis excepcionais de avaliação dos hóspedes de nossos hotéis, que resultam na conquista de diversos prêmios nacionais e internacionais pela qualidade de serviço e infraestrutura dos empreendimentos administrados pela companhia. Estamos sempre analisando e dando o direcionamento correto em diversos requisitos como atendimento por meio de uma equipe atenciosa e proativa e também primando pelas condições dos apartamentos e áreas comuns. Seguimos padrões rigorosos de governança, tendo como premissa a qualidade no atendimento aos hóspedes, tanto que atingimos índices consistentes de reputação por meio de depoimentos publicados em sites de avaliação de viajantes.
Promovemos também constantes treinamentos às equipes dos hotéis para capacitá-los a compreender a filosofia da companhia e do hotel onde estão alocados, o tipo de comportamento exigido no atendimento aos hóspedes, os processos que regem a operação hoteleira e ainda fornecemos cursos práticos para cada tipo de função.
R.H. - E por falar em investimentos, muitos foram feitos de maneira maciça num mesmo destino e algumas praças como Belo Horizonte e a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que sofrem com a queda na taxa de ocupação em razão da superoferta. Como ser competitivo nestes dois locais onde a Atlantica possui empreendimentos administrados?
G.M. - Sem dúvida, o Brasil possui diversas regiões e cidades com super oferta de quartos, onde a maioria dos empreendimentos foi aberta em função especialmente dos grandes eventos que o Brasil sediou, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo, e não pela real demanda. O mercado não sobrevive sem transparência, credibilidade e retorno financeiro. Acreditamos, no entanto, que essa superoferta será absorvida por esses mercados com o passar do tempo. Nosso desafio maior é conseguir gerar um retorno minimamente interessante para os investidores, mesmo nesse momento difícil.
Nesse sentido, a capilaridade e a força de vendas da companhia são dois dos principais diferenciais da Atlantica. A robustez comercial e a abrangência das marcas fazem com que nossos hotéis nestes dois mercados específicos tenham um maior equilíbrio entre diária média e ocupação.
Vale lembrar, ainda, que a Hotelaria é um tipo de negócio que historicamente se mostra rentável a médio e longo prazo. Acreditamos que a oferta e a demanda devam se ajustar nos próximos anos, tanto na Barra da Tijuca, que é um destino turístico que tem enorme potencial para atrair demanda interna e externa por meio da captação de eventos para o Rio Centro, por exemplo, como em Belo Horizonte, uma das mais importantes capitais do país.
Temos tido sucesso nessa missão. Para citar um exemplo, em BH, apesar do ciclo de lançamentos que saturaram o parque hoteleiro local, registramos, em 2017, um crescimento consistente de RevPar em comparação a 2016.
R.H. - Quais os gargalos que você enxerga na hotelaria brasileira, que uma vez sanados, poderemos ser ainda mais competitivos?
G.M. - A primeira delas concerne à própria economia do País, cuja retração afeta diretamente o desempenho do setor. Nosso ramo é um dos que sofre mais rapidamente com a crise em comparação com outras atividades. A desaceleração da economia trouxe a estagnação dos negócios, criando o desafio para o setor hoteleiro de atingir o equilíbrio entre ocupação e diária média. Vivemos hoje uma realidade de diárias médias reais comparáveis com as de 2010, com custos e despesas de 2018. Naturalmente, as margens do negócio acabam sofrendo.
O custo das reservas é outro problema que a hotelaria vem enfrentando. Obviamente, sabemos da importância de operadoras e agências online, com todo seu poder de divulgação e capilaridade. A grande questão é a quantidade de intermediários pelos quais uma reserva pode passar antes de chegar ao hotel. Cada elo dessa cadeia cobra um valor pelo seu serviço prestado, o que acaba por muitas vezes nos fazendo entregar uma diária por um valor próximo ao custo
“O mercado não sobrevive sem transparência, credibilidade e retorno financeiro”
“A Atlantica vem repensando seu modelo comercial para estar alinhada às tendências globais”
de servir. Nosso desafio é de fidelizar os clientes recorrentes para que possamos eliminar alguns desses elos da cadeia. Nesse cenário, tanto o hotel, quanto o cliente ganham, pois conhecendo melhor nossos hóspedes temos chance de oferecer serviços cada vez mais customizados.
Em face a esta rápida expansão e diversificação dos canais de distribuição e dos mecanismos de metasearch e devido à modificação do comportamento de consumo e perfil dos viajantes, a Atlantica vem repensando seu modelo comercial para estar alinhada às tendências globais, com a aplicação de ferramentas de gerenciamento e análise de dados dos hóspedes.
Outra questão que o setor Hoteleiro brasileiro ainda enfrenta é a falta de qualificação da mão de obra, agravada pelos problemas educacionais do País. A Hotelaria é uma atividade considerada de mão de obra intensiva, ou seja, que depende em grande medida da participação de pessoas para realizá-la. Neste contexto, podemos entender o setor como uma atividade de pessoas prestando serviços a outras pessoas, dependendo assim desta relação. Não há dúvidas de que um dos principais desafios da Hotelaria do Brasil para os próximos anos está em conseguir selecionar, recrutar, treinar e reter pessoas em número suficiente para atender à crescente demanda do setor. A Atlantica, como pioneira do setor, implementou em 2012 a Cidade Atlantica, ferramenta online onde cada colaborador tem à disposição uma grade curricular para seu aperfeiçoamento profissional. Isto tem diversos desdobramentos, entre os quais, o papel social de promover a qualificação profissional aos trabalhadores. A estruturação desta universidade interna foi projetada para enriquecer a prestação dos nossos serviços e formar trabalhadores ativos, capazes e que ofereçam a melhor experiência possível aos nossos hóspedes.
Por fim, acreditamos que um ambiente mais estável e atrativo para se fazer negócios no Brasil beneficie nossa indústria. É muito difícil lidarmos com as variáveis que geram incertezas ao negócio, além de convivermos com uma estrutura tributária complexa e massacrante. Cito o exemplo da desoneração da folha de pagamentos, que beneficiou parte da indústria nos últimos anos do governo Dilma. Para alguns empreendimentos com grande quantidade de mão de obra, a medida era benéfica. Para outros, com perfil mais econômico, a medida foi um duro golpe nas já apertadas margens. O fato é que tal medida, que foi iniciada como algo provisório, acabou virando lei e, menos de um ano depois, sendo revogada pelo novo governo. Como fazer um planejamento de longo prazo nesse cenário?
R.H. - Como você analisa o atual momento da hotelaria no Brasil? Temos muito a crescer? E de que forma isto deverá ser feito?
G.M. - O mercado hoteleiro no País ainda encontra-se numa fase preliminar de maturidade. Do total de hotéis no Brasil, apenas 35% são “embandeirados”, enquanto os demais 65% são independentes. Dos hotéis pertencentes a redes hoteleiras, menos de 40% estão sob o controle dos três maiores players do mercado, o que indica uma grande pulverização.
Vejo o momento como decisivo para sabermos como a indústria se comportará nos próximos anos. A tendência é de que haja uma natural consolidação no mercado (como em outras indústrias, como o varejo), algo que já começamos a notar. Ainda assim, o Brasil ainda possui uma baixa penetração de quartos por habitante, inferior a países como Chile, México, Peru e Argentina. A grande oportunidade encontra-se em mercados secundários e terciários, porém o desafio está na forma de financiamento desses empreendimentos.
A Atlantica possui grande expertise em gestão de empreendimentos patrimoniais (de poucos investidores), flats (com um proprietário por unidade) e condo-hotéis (cotistas). Pelo seu modelo de operação (asset light), a Atlantica está estudando outras formas de investimento, como o modelo fracionado. Além disso, acreditamos que o modelo de franquia de hotéis possa ser interessante (hoje, apenas 10 dos hotéis da rede obedecem esse modelo).
Até que a economia volte a se equilibrar, o mercado se movimentará predominantemente por conversões de bandeiras. Estamos prontos para continuar liderando esse movimento nos próximos anos.