A difícil relação entre investidores e administradores hoteleiros
O relacionamento entre investidor e administrador hoteleiro foi, é e sempre será conflituoso como de maneira geral é todo vínculo que envolve dinheiro, lucratividade e necessidade de valorização
Imagine a seguinte situação: Um casal está passeando num final de semana numa cidade de médio grande porte e se depara com uma obra que destaca uma enorme placa os convidando a serem donos de um hotel. Curiosos, eles entram num estande de vendas e são abordados por um vendedor muito bem vestido, alegre e comunicativo que os recebe com taças de espumantes, aperitivos e muitas promessas de que o investimento que estão fazendo é seguro e rentável. Ainda indecisos, o casal prefere não assinar nenhum papel, mas quando ficam sabendo quem vai administrar o tal hotel é uma conhecida bandeira, eles acabam assinando por força de conheci-
mento e reputação. A logomarca da bandeira no folder com lindas perspectivas dos ambientes do futuro empreendimento, que promete retorno acima de 1% ao mês sobre o capital investido, foram fatores decisivos para fechar o contrato de compra. E na empolgação e euforia de que vão ser donos de um hotel, nem que seja numa pequena parte, e com a garantia do vendedor que é um ótimo negócio, o casal acaba assinando uma pilha de papeis contratuais sem ao menos ler. Saem do estande ciente de que fizeram um ótimo negócio e ficam ansiosos para contar aos parentes e amigos da nova aquisição.
Isso pode parecer uma ficção, mas é uma cena rotineira que acontece em grandes cidades do Brasil, assim como em cidades secundárias e terciárias de empreendimento que são comercializados no modelo de condo-hotéis. Abusos das incorporadoras e construtoras
Na opinião do Consultor hoteleiro, Mario Cezar Nogalez, os abusos realizados pelas incorporadoras e construtoras são históricos, afinal de contas eles apenas visam o mercado de construção e não o mercado hoteleiro. “Historicamente posso citar o exemplo dos flats na indústria (1990 a 2005) que elevou o número de UH’s a disposição no mercado em mais de 400% e fazendo com que o mercado paulista passasse de uma taxa de ocupação média de 70% anual para parcos 25% em poucos meses. Hoje temos uma nova sacada das incorporadoras e construtoras com o Fractional, afinal de contas uma fração pode ser vendida com muito mais rentabilidade à construtora do que uma unidade inteira. Da mesma forma que ocorreu com os flats, a promessa da construtora é um hotel funcional para uso próprio. A questão maior está no local onde estão
sendo construídos estes tipos de empreendimentos fracionais com 13 proprietários por unidades ou mais e cada um com quatro semanas de uso por ano. Eles tem pouca ou nenhuma infraestrutura para poder manter sequer o empreendimento funcionando (como água potável, energia, etc.) ainda mais com a necessidade de funcionários que tais empreendimentos exigem (a cidade não tem nem a população necessária) e seu grau de conhecimento de operacionalização. Desta maneira, as administradoras contratadas para tais empreendimento, apesar de terem a operação garantida, terão um enorme esforço para manter os serviços com a qualidade necessária e vendida”, destaca Nogalez.
Segundo ele, outro ponto é a maneira com que as unidades são vendidas quando se tratam de empreendimento hoteleiros sem participação fracionada. “Eu mesmo recebi um convite de uma incorporadora que prometia um aluguel de R$ 1.800,00 por mês com uma taxa de ocupação de 60% e uma diária média de R$ 230,00 (RevPAR 138,00) que obviamente é um aluguel impossível de ser atingido. O pulo do gato neste caso estava no valor do m2 da unidade (que era em torno de R$ 35.000,00), mais do que o dobro do m2 da região. Obviamente que desavisados não perceberam que a garantia do aluguel no primeiro ano estava atrelado a uma superinflação do m2 que com o investimento correto no mercado financeiro garantiam este aluguel de primeiro ano. Obviamente que após este ano de operação o aluguel cairia e a culpa seria do mercado hoteleiro... ou seja, o mesmo modus operandis na construção de flats”, lembra Nogalez.
Mas afinal de contas, o que é esse tal de condo-hotel?
Quem explica é Kênio de Souza Pereira, Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário de Minas Gerais. “Nesse modelo de negócio o adquirente abre mão do direito de uso, pois se obriga na convenção, no contrato de compra e venda e na escritura a disponibilizar sua quota – que se baseia numa unidade do hotel – somente no pool de locação, o qual será administrado por uma empresa do ramo hoteleiro. Em troca, o adquirente recebe uma porcentagem do lucro ou arca com o prejuízo diante da baixa ocupação. Na verdade, o que o construtor vende não é uma propriedade, mas sim uma mera participação no hotel, em forma de uma unidade como se fosse um percentual ou quota de um negócio, sobre a qual o adquirente não tem qualquer atuação ou opinião. Deste modo, mesmo que o adquirente não tenha outro lugar para morar, não poderá residir ali, o que afronta o artigo 1.228 do Código Civil que estipula: o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Se tivesse realmente adquirido uma propriedade, obviamente, poderia, nela residir. Na maioria das vezes quem está vendendo a unidade do condo-hotel nos estandes de vendas, não explica para o adquirente que ele não será proprietário, mas sim um investidor numa prestação de serviços. E que isso pode lhe trazer resultados positivos ou negativos, como se fosse, por exemplo, um fundo de investimento ou um fundo imobiliário. Ou seja, o negócio tem um risco, explica Kênio.
Segundo ele, como se trata de um contrato de investimento coletivo, ele deveria ser previamente fiscalizado pela CVM — Comissão de Valores Mobiliários, conforme a Lei nº 6.385/76, mas ela demorou anos para se posicionar e nesse período, muitas unidades hoteleiras foram vendidas com falsas promessas. “Somente em 12/12/2013, a CVM emitiu um alerta ao mercado informando que os contratos firmados sempre conferem aos investidores o direito de participação nos resultados - positivos ou negativos - do empreendimento imobiliário. Esses resultados são oriundos de atividades como hotelaria, locações comerciais ou residenciais, dentre outras, configurando-se o que a Lei nº 6.385/76 chama de CIC — Contratos de Investimento Coletivo. Estabeleceu ainda que, por se tratar de investimento coletivo, deveria ser por ela aprovada a transação antes de ser oferecida aos possíveis investidores. E esse negócio está sujeito às regras do CDC — Código de Defesa do Consumidor, esclarece Kênio. Escolha da administradora
Feita a aquisição da unidade hoteleira e a obra entregue, agora vem uma outra fase na vida do investidor. A contratação da administradora hoteleira que pode ser ou não a que estava mencionada no folder de aquisição anos atrás. Esse novo contrato deveria estar definido e determinado todos os direitos e obrigações entre as partes do pool hoteleiro. Isto inclui a administração hoteleira, com seu plano de contas e forma de distribuição dos resultados, fundos de reserva, taxa de administração, entre os outros requisitos. Através do pool hoteleiro o comprador tem a garantia de participar de todos os resultados que o hotel distribuir para os proprietários, inclusive os resultados do restaurante, da locação das salas de convenções, tarifas de telefonia, e entre outros. Mas nem sempre os contratos são formulados de forma tão clara e objetiva. Na maioria das vezes o investidor recebe um contrato engessado através do incorporador/construtor, mas quem vai gerir o negócio é a operadora hoteleira, que herda expectativas que não foram validadas por ela. Com isto, o conflito torna-se inevitável quando as expectativas não são atendidas. A maioria dos contratos que o investidor recebe são típicos contratos de adesão. Ou assina ou não fecha o negócio. Não há alternativa nem negociação.
Algo muito importante que a grande maioria dos investidores desconhecem é que para que um contrato clássico de franquia possa ser firmado a administradora em questão precisa ter registro na ABF – Associação Brasileira de Franquias cujos critérios de adoção e inclusão são extremamente rígidos exigindo inclusive lastros financeiros de relevante porte. Por essa razão, são usualmente adotados modelos contratuais alternativos que dão outra roupagem a gestão. Em mercados recessivos (caso atual de inúmeras capitais e cidades secundárias do Brasil) o modelo de auto-gestão (tanto com a adoção de bandeiras hoteleiras pertencentes a administradoras ou quando o próprio hotel cria sua marca) o resultado financeiro auferido em prol dos investidores tem se revelado vantajoso. Muitos chamados “custos das operadoras hoteleiras” são suprimidos em especial os rateios de despesas corporativas. Relação difícil
O relacionamento entre investidor e administrador hoteleiro é, foi, e sempre será conflituoso como de maneira geral é todo elo que envolve dinheiro, lucratividade e necessidade de valorização. Na hotelaria, por vezes este conflito é acentuado em função de ser um mercado bastante específico, com peculiaridades na sua operação que muitas vezes fogem do entendimento e da compreensão do investidor. Os maiores problemas evidenciados nesta zona de conflitos referem-se à apresentação de resultados, prestação de contas e atribuição das funções de cada um destes atores no decorrer do processo de gestão.
E para evitar que isso ocorra, a escolha do administrador é de fundamental importância. O primeiro filtro deve ser identificar qual administrador melhor se enquadra para o perfil do negócio, levando-se em consideração o Tipo (lazer, eventos ou negócios), Localização (Aeroporto, Urbano, Suburbano, Praia, Montanha, etc), Classificação (luxo, superior, mediano, econômico ou supereconômico). O segundo passo é, dentre essas administradoras, buscar aquelas que possuam boa reputabilidade no mercado, sendo indispensável uma boa “due diligence” sobre a bandeira prospectada de amplo escopo (corporativa), a qual consiste resumidamente em verificar/determinar: a) conformidade com os governos (federal, estadual e municipal); b) histórico financeiro: incluindo ativos, falências, processos judiciais fiscais e garantias, afiliações corporativas
e até mesmo contribuições políticas. Havendo algum ponto de atenção, recomenda-se então uma segunda etapa da “due diligence” (investigativa), realizada por meio de uma análise mais aprofundada de todos os registos da empresa em questão, seguindo por verificações de quaisquer discrepâncias ou omissões. Contratos padrões
Uma vez escolhida a administradora, se faz necessário a elaboração de um contrato. Para a advogada Márcia Rezeke, Sócia diretora do escritório Rezeke & Azzi Advogados, os contratos de administração seguem uma certa padronização, considerando que as empresas hoteleiras, que fazem a administração de muitos empreendimentos, necessitam desse formato para uma melhor gestão contratual e, por consequência, dos empreendimentos administrados. “Contratos padronizados são comuns no mundo contemporâneo, não só na operação hoteleira, como em qualquer relação jurídica que envolve uma rede fornecedora de um produto ou serviço. Penso que em um contrato de administração de um empreendimento hoteleiro, o investidor deve estar suficientemente esclarecido quanto às atividades que serão prestadas pela administradora, bem como a forma como os orçamentos serão apresentados e aprovados, e a prestação de contas será feita”, diz Márcia.
No parecer dela, não existe uma postura intencional de inserção de cláusulas abusivas nos contratos mas, por vezes, elas existem. “Penso que em um contrato de administração de um hotel, a existência de cláusulas que limitem o acesso do investidor ao organograma de cargos e salários de empregados por ele contratados, de gastos com partes relacionadas da operadora hoteleira, que o impeça de questionar determinados gastos que não estão claramente previstos em contrato. Ou, ainda, que limitem as