Regulamentada a implantação da acessibilidade nos meios de hospedagem no Brasil
O Decreto nº 9.296, que entrou em vigor em março de 2018, divide em três fases como deverá ser a implantação dos meios de hospedagem
A LBI - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - que prevê acessibilidade em hotéis e pousadas foi regulamentada através do decreto 9.296 em março do ano passado. Com isso, passou a reger o artigo 45 da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. O Decreto trata de princípios que deverão ser seguidos na construção desses locais, atualizando a legislação que era praticada desde 2004. Dentre as demais normas, no texto existe a menção que os dormitórios acessíveis “não poderão estar isolados dos demais e deverão estar distribuídos por todos os níveis de serviços e localizados em rota acessível”.
A acessibilidade também se aplica às áreas de lazer, salas de ginástica, salas de convenções, spas, piscinas, saunas, salões de cabeleireiro, lojas e a qualquer espaço destinado à locação do complexo hoteleiro. A medida visa garantir que os empreendimentos estejam aptos a hospedar o maior número de pessoas possível, assegurando que todos os clientes possam desfrutar das comodidades e serviços oferecidos, independentemente de suas condições física, sensorial, intelectual ou mental. Em todos os casos, o hóspede que necessitar de ajuda ou recurso extra, deverá solicitá-lo no momento da reserva.
Os meios de hospedagem terão até março de 2020 para atender ao pedido. Caso a solicitação não seja feita durante a reserva, o prazo para o atendimento começará a valer a partir do momento da formalização do pedido no local. Es-
tão inclusos nos recursos de acessibilidade itens como cadeira de rodas; cadeiras adaptadas para o banho; materiais de higiene identificados em braile, e com embalagens em formatos diferentes; cardápios em braile; relógios despertadores com alarme vibratório, entre outros itens.
Fases da implantação
O texto divide os estabelecimentos em três propostas: No grupo 1, os já existentes, construídos até 29 de junho de 2004, antes da publicação das normas da ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas. No grupo 2, os já existentes, construídos entre 30 de junho de 2004 e 2 de janeiro de 2018. No grupo 3 os novos estabelecimentos, construídos a partir de 2018.
Para o primeiro grupo, o decreto prevê que os estabelecimentos devem atender, em no máximo quatro anos, o percentual mínimo de 10% de dormitórios acessíveis, sendo 5% com as características construtivas, com obras estruturantes para atender as normas técnicas de acessibilidade da ABNT. Os outros 5% com ajudas técnicas e os recursos de acessibilidade, como a instalação de barras de apoio no box do chuveiro e campainhas sonoras e ajuste da altura da ducha do chuveiro. Para o segundo grupo, a regra estabelecida é a mesma.
De acordo com o texto, os novos empreendimentos, construídos ou com projetos protocolados a partir de 3 de janeiro de 2018, deverão dispor de 5% dos dormitórios construídos seguindo todas as regras da ABNT e os demais 95% devem dispor de recursos de acessibilidade. “A acessibilidade tem sido uma preocupação constante do Ministério do Turismo. A regulamentação da Lei Brasileira de Inclusão é um avanço para o País. Com o novo texto, conquistamos a garantia de que as pessoas com deficiência poderão ter uma experiência totalmente positiva em suas viagens pelo Brasil. O turismo deve ser acessível, inclusivo e para todos”, afirmou o então Ministro do Turismo, Marx Beltrão.
Já o Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Marco Pellegrini, destacou que a exigência do hóspede solicitar a ajuda ou recursos especiais com antecedência permitirá que os hotéis de uma determinada região possam compartilhar dos recursos. “Não necessariamente o estabelecimento tem que ter todos estes equipamentos exigidos, mas estamos estudando formas de garantir a divulgação dos direitos dos hóspedes”, disse Pellegrini.
Segurança jurídica ao setor
Para Jairo Klepacz, representante da ABRAINC — Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias —, representante do setor nos debates a respeito do tema junto ao Ministério do Turismo e a Casa Civil, a regulamentação é um avanço para o turismo, uma vez que dá segurança jurídica ao setor. “O setor privado assume agora de forma definitiva as regras e conceitos da LBI, atraindo uma parcela significativa da população para o mercado de turismo. Além disso, o regulamento destrava uma série de investimentos previstos pela rede hoteleira, que aguardava apenas a definição das novas regras para iniciar construções”, afirmou Klepacz.
O decreto nº 9.296 detalha os recursos necessários para os estabelecimentos suprirem totalmente as necessidades das pessoas com deficiência. De acordo com o texto, “o atendimento aos princípios do desenho universal nos projetos arquitetônicos de hotéis, pousadas e estruturas similares pressupõe que o estabelecimento, como um todo, possa receber, na maior medida possível, o maior número de hóspedes, independentemente de sua condição física, sensorial, intelectual ou mental, e garantir que essas pessoas possam desfrutar de todas as comodidades oferecidas”.
Posição das entidades do setor
Alexandre Sampaio, Presidente da FBHA — Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação - revela que o texto publicado atendeu o que foi requerido pelo setor e sustentado pela entidade na audiência pública sobre o tema, realizada pela Casa Civil da Presidência da República em fevereiro de 2018. Contudo, Sampaio ainda tem dúvidas quanto à eficácia do decreto para evitar autuações por parte do ministério Público, PROCONs Estaduais e municipais e outros órgãos de defesa do consumidor. “A alegação seria que um decreto regulamentador não poderia alterar o texto da lei, e sim parametrizá-lo. Caberia a governos estaduais e principalmente municipais fazerem a adequação”, alertou Sampaio.
O Presidente da FBHA afirma ainda que o setor lamenta por não ter atuado de maneira
mais incisiva durante o processo parlamentar do projeto de lei. “O clima para mitigar aquela iniciativa era muito ruim, sendo matéria sensível à opinião pública. Tanto os deputados quanto os senadores tinham muito receio de abordar o tema. Coube a alguns políticos, inclusive cadeirantes, da oposição e da base (das gestões Lula e Dilma), tomar a frente deste e daquele assunto e promover um texto de maneira relativamente rápida”, explicou.
A entidade acredita que, para empreendimentos novos, nos grandes centros urbanos, o decreto poderá ser implementado, mas prevê que ações judiciais principalmente de entidades representativas de classe poderão ser ajuizadas, explorando as brechas jurídicas da matéria. “O impacto esperado é um custo adicional nos novos meios de hospedagem que serão construídos, além das dificuldades de prédios antigos se adaptarem e investimentos que não terão utilidade, pois este público alvo não é tão grande assim. Há, ainda, as restrições culturais das pessoas sem deficiências de utilizarem estes aposentos”, opinou Alexandre Sampaio.
Barreiras existentes
O novo decreto presidencial é uma atualização do regulamento existente desde 2004, mas que a maioria dos meios de hospedagens não cumpria. Porém, ainda que fosse adotado por absolutamente todos eles, o segmento hoteleiro ainda enxerga empecilhos de grande escala que devem afastar, ao invés de incluir, as pessoas com dificuldades de mobilidade – sejam elas cadeirantes, idosos, gestantes e outros.
De acordo com o Gerente Jurídico da FBHA, Ricardo Rielo, a Lei Brasileira de Inclusão amplia a legislação anterior, impondo novos deveres e obrigações à iniciativa privada, regulando minúcias, cujo tratamento pelo Congresso Nacional não foi autorizado pela Lei maior em vigor no Brasil — a Constituição da República de 1988. Rielo lembra que a Constituição Federal apenas previu a adaptação de logradouros públicos, transporte público e edificações de uso público, nada mencionando a respeito de edificações de uso coletivo e privado.
Ele explica que o objetivo do legislador constituinte foi garantir um núcleo mínimo de inserção social do deficiente. “Com o panorama atual de leis ampliativas dos parâmetros fixados em sede constitucional, vivemos um paradoxo: de um lado, as pessoas com deficiência poderão se hospedar em Unidades Habitacionais adaptadas em hotéis, mas, de outro, não terão como se locomover até esses meios de hospedagem, pois os logradouros e o transporte público ainda representarão barreiras insuperáveis”, apontou Rielo.
O advogado menciona, ainda, que as duas leis federais produzidas pelo Congresso Nacional - de 2004 e de 2015 - não trazem em seu bojo segurança jurídica que ensejasse a sua execução e, por consequência, o seu cumprimento; uma vez que, no Sistema Federativo previsto constitucionalmente, compete aos mais de 5.300 municípios brasileiros disporem sobre o uso do solo, bem como editar regras de construção das edificações e de adaptação daquelas já construídas, mesmo após a edição do Decreto Presidencial nº 9.296 de 1º de março de 2018. Assim, tudo dependerá de como os municípios produzirão suas leis específicas, adaptadas à sua realidade local e espacial.
Para Rielo, toda lei e norma devem ser pautadas pela razoabilidade. “Não há modelo no mundo que imponha a adaptação de 10% das Unidades Habitacionais. Isso refoge ao razoável;
ao proporcional. Ao ceder para 5% das UHs dos meios de hospedagem e mitigar os outros 5% sob forma de outras adaptações, que também importem na inserção social das pessoas com deficiência, o decreto regulamentador da Lei Brasileira de Inclusão tornou-a mais consentâneo com a realidade, tornando possível que se cogite o seu cumprimento”, esclareceu o Gerente Jurídico.
O tema é considerado delicado, pois, ao mesmo tempo em que existe a necessidade de atender a este nicho de mercado, as leis que regulamentam o assunto acabam trazendo mais dificuldades em se investir no turismo. “Sem dúvida, o legislador ordinário (não constituinte) exagerou na dose e impôs deveres aos meios de hospedagem brasileiros que ultrapassam qualquer parâmetro fixado internacionalmente. Ao fazer isso, criou uma assimetria regulatória, dificultando, ainda mais, a concorrência entre os meios de hospedagem nacionais e os hotéis internacionais. De fato, encareceu o destino nacional, frente aos destinos no exterior. Assim, não se vislumbra avanço nos negócios de hospedagem, mas sim um retrocesso, diminuindo a competitividade do parque hoteleiro instalado em solo brasileiro”, acredita Rielo.
Ele reitera a opinião do Presidente da FBHA, Alexandre Sampaio, e também crê que a ocupação das UHs adaptadas será próxima de zero. Segundo o advogado, isso poderia ocorrer se a vontade do legislador constituinte fosse respeitada, garantindo-se uma integração básica da pessoa com deficiência à sociedade, através de um transporte público acessível; logradouros e edificações de uso público igualmente acessíveis, para depois se pensar em debater a necessidade de adaptação em hotéis, hospitais, comércio em geral, cinemas, teatros, boates, casas de show etc., diante de uma premissa constitucional em vigor desde 1988. “O resultado natural será um aumento no custo do serviço hoteleiro; diminuição na atração de novos investimentos; uma competitividade menor e uma retração dos postos de trabalho”, admite Ricardo Rielo.
Enquanto representantes de 68 sindicatos de hotéis espalhados pelo país, a FBHA se dispôs a levantar um amplo debate acerca do tema, tendo como princípio basilar a vontade do legislador constituinte de 1988. A entidade insiste que a discussão deve ser travada em âmbito local, pois acredita que não se pode pretender padronizar a adaptação de meios de hospedagem localizados em municípios díspares, de todas as regiões brasileiras. “A obviedade da impossibilidade disso passa a se traduzir em medida absolutamente desproporcional e que, por si, não incluirá a pessoa com deficiência no seio social. Na prática, as obrigações impostas pelas legislações produzidas pelo Congresso Nacional se afiguram muito mais “para
inglês ver”, do que para garantir uma sociedade mais justa e inclusiva”, finalizou o Gerente Jurídico da FBHA.
Poder regulatório
Para o Presidente da ABIH Nacional — Associação Brasileira da Indústria de Hotéis —, Manoel Cardoso Linhares, o Decreto regulamenta o Estatuto da Pessoa com Deficiência já prescreve, mas ele não prescinde dos poderes regulatórios dos estados e municípios. “Na prática, são eles que têm o poder regulatório e muitos têm regras específicas de acessibilidade. Partindo daí, temos condições de aperfeiçoar a questão da adaptabilidade, já que a média mundial é de 2% de quartos adaptados totalmente”, disse Linhares.
O FOHB — Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil se posiciona a favor desse Decreto que, segundo Orlando de Souza, Diretor Executivo da entidade, veio esclarecer a aplicação de vários pontos em que a lei era pouco precisa e em alguns casos dúbia. Mesmo sendo favorável a essa regulamentação, ele faz algumas ressalvas: “Com o decreto de regulamentação, temos agora maior clareza quanto a sua aplicação, mas acreditamos que não haverá demanda para ocupação de 10% dos apartamentos acessíveis. Hoje a ocupação não atinge 1% da disponibilidade dos quartos acessíveis e esse índice de 10% não é um índice mundial, pois está bem acima de países com a hotelaria mais amadurecida. Cada país tem uma legislação específica, com critérios diferentes. Países como EUA, França e Espanha, por exemplo, possuem tabela progressiva de acordo com número de apartamentos. Certamente haverá impactos importantes nas finanças dos hotéis. Trata-se de investimento que terá que ser feito para a adaptação proposta. Esse ônus será tanto para a hotelaria instalada quanto para os novos empreendimentos a serem construídos. Os apartamentos deverão atender as necessidades de vários tipos deficiência e com menor impacto negativo possível aos não deficientes. O histórico mostra que as pessoas que não têm deficiência não gostam e não querem se hospedar nesses apartamentos”, assegurou Souza.
Contradições na lei
Quando um novo decreto sobre um assunto já pautado pelas autoridades legislativas é sancionado, espera-se que se trate de uma medida que evolua e acrescente a pauta. Para Edison Passafaro, Consultor de Mobilidade Urbana, Professor e Auditor das normas de acessibilidade da ABNT e Coordenador de Acessibilidade da ABIH SP - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo -, esta lei não traz nenhum avanço para o segmento. “O decreto é contraditório em vários sentidos, principalmente quanto às definições e obrigações estabelecidas na própria LBI. Sem contarmos que existe legislação anterior em vigência que foi totalmente desconsiderada”, disparou.
Ele explica que a LBI define desenho universal, no inciso II do artigo 3º, como sendo “concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva”. Logo, usuários de cadeira de rodas, entre outros, estão
incluídos nesta lista. Já o decreto, no parágrafo 1º do artigo 1º define: “O atendimento aos princípios do desenho universal nos projetos arquitetônicos de hotéis, pousadas e estruturas similares pressupõe que o estabelecimento, como um todo, possa receber, na maior medida possível, o maior número de hóspedes, independentemente de sua condição física, sensorial, intelectual ou mental, além de garantir que essas pessoas possam desfrutar de todas as comodidades oferecidas”.
Outro ponto de contradição no decreto apontado por Passafaro são os itens definidos no Anexo II, referido no inciso II do artigo 2º do decreto, que não deixam claro que os 95% dos dormitórios garantam de fato a utilização, com segurança e autonomia por todas as pessoas, incluindo usuários de cadeira de rodas, conforme definido na LBI e no artigo 1º do próprio decreto.
O especialista também não acredita que a nova legislação será cumprida, bem como a regulamentação anterior. Segundo Edison, os meios de hospedagem não cumpriram o estabelecido no decreto federal 5.296 de 2004 e, salvo exceções, a maioria também não cumprirá esta ou qualquer outra demanda legal sem a fiscalização efetiva dos poderes públicos municipais. “Além disso, temos que continuar a nos deparar com as costumeiras aberrações arquitetônicas oferecidas como soluções de acessibilidade por profissionais contratados pelos empresários, em total desacordo com as normas técnicas de acessibilidade referendadas pela legislação”, completou.
Potencial do mercado
Ainda existem muitos empresários que contestam o limite de reserva de 10% de UH´s as pessoas com deficiência, dizendo ser um número alto, que não haverá ocupação e que essas UH’s não terão como serem reservadas para quem não seja deficiente. Essa postura, de acordo com Edison Passafaro, retrata uma ignorância sobre o potencial mercadológico oferecido pelo segmento das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida no Brasil e no mundo.
Segundo dados do IBGE, cerca de 23% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. O segmento da terceira idade cresce todos os anos devido ao aumento da expectativa de vida, que também se beneficia com as soluções de acessibilidade na hotelaria e no turismo. São pessoas que representam um significativo nicho de mercado e tendem a apresentar mobilidade reduzida com a idade avançada. “Além disso, existem pessoas obesas, gestantes e outras com características físicas e sensoriais que demandam espaços e produtos acessíveis. Na prática, o empresário que entende a promoção de acessibilidade como custo, e não como investimento, mostra pouca visão empreendedora e deixa de ganhar dinheiro”, reitera o consultor.
Enquanto vários meios de hospedagem fecham as portas, principalmente em tempos de crise, os empresários do setor que investiram em acessibilidade se tornaram verdadeiros casos de sucesso, com taxas médias de ocupação anual superiores a 90%.
Passafaro acredita que grande parte do desconhecimento sobre a questão da acessibilidade vem dos próprios profissionais da arquitetura e engenharia, pois foram mal formados sobre o tema no setor acadêmico e, por sua vez, não procuram se atualizar em relação a novas demandas legais, técnicas e mercadológicas. “Infelizmente, acessibilidade ainda é vista pela sociedade como uma necessidade de “quebra galho”, para atender pessoas com deficiência que precisam de cuidados médicos e só frequentam centros de saúde. É por isso que os dormitórios ditos “adaptados” nos meios de
hospedagem, na maioria das vezes, parecem mais como UTIs de hospitais, o que os tornam nem um pouco atraentes para as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e, muito menos, para os hóspedes convencionais. Por consequência, esses espaços se tornam subutilizados e os empresários ficam com a sensação de que jogaram dinheiro fora. O conceito de Desenho Universal veio para tentar solucionar esse problema, mas pelo jeito está difícil das pessoas entenderem isso”, lamenta Edison.
Em 2015, Passafaro desenvolveu juntamente com a arquiteta Silvana Cambiaghi o “Espaço de acessibilidade da Equipotel”, em uma área de cerca de 250 metros, onde foram apresentadas duas UHs de 20 m² cada, acessíveis e compatíveis com o design de qualquer hotel conceito. A própria abertura da feira aconteceu neste espaço com a presença de diversas autoridades e referências do setor. À época, vários representantes de redes hoteleiras aplaudiram as soluções e ficaram surpresos com a compatibilidade de beleza com acessibilidade.
Contudo, na prática, nenhum dos projetos foi executado para o cliente final. No ano seguinte, o grupo promoveu o projeto “Motel Acessível”, também na Equipotel. “Fica claro que a maioria dos empresários e dos profissionais da construção somente cumprirá suas obrigações legais nesse sentido se forem pressionados. Digo isso com a experiência de quem usa cadeira de rodas há quase 38 anos, conhece mais de 50 países e todo o território nacional, foi um dos fundadores e gestor da Comissão Permanente de Acessibilidade do município de São Paulo, é coordenador de acessibilidade da ABIH do Estado de São Paulo e dedica mais de doze anos de parte da vida profissional como instrutor e auditor das normas técnicas de acessibilidade da ABNT”, pontuou Passafaro.
Case hoteleiro
E antes mesmo de essa nova legislação entrar em vigor, alguns hotéis já apresentavam verdadeiros cases no segmento, como o Sheraton São Paulo World Trade Center, situado na capital paulista. O empreendimento conta com 298 apartamentos e adequou 15 deles para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Os apartamentos foram adaptados de maneira que possam ser utilizados tanto por hóspedes com deficiência quanto sem. “Todos os andares possuem piso tátil nas saídas dos elevadores, assim como na frente do hotel. Há elevador de acessibilidade no lobby, assim como elevador para acessibilidade à piscina. Adequamos os aparadores dos nossos lounges e as mesas de trabalho. Além disto, contamos com cadeiras de rodas para empréstimo, cadeiras de banho e adaptador para vaso sanitário. Os hóspedes, de um modo geral, ficam muito satisfeitos em saber que nos preocupamos em atender às necessidades de todos os públicos e, inclusive, nos preocupamos também em superar suas expectativas. Muitos acabam nos dando feedback
sobre a funcionalidade das instalações e apreciam a decoração dos apartamentos, especialmente renovados para eles”, revela Marcelo Nogueira, Coordenador de Marketing do hotel. Segundo ele, a taxa de ocupação dos apartamentos para pessoas com deficiência ainda é relativamente baixa. “No entanto, com facilidade alocamos hóspedes que não possuem deficiência nestes apartamentos e não temos relatos de rejeição”, concluiu.
Soluções completas
E quem realizou as obras com o hotel em plena operação e com cerca de 85% de taxa de ocupação foi a Padrão Argil. Isto demonstra a capacidade da empresa em criar soluções para hotéis com alta ocupação. Nos quartos adaptados, que contam com 43 m², um hóspede cadeirante, por exemplo, consegue ter todas as funcionalidades de um quarto de hotel comum, onde é possível que ele tome um banho nas cadeiras de banho do hotel ou simplesmente consiga alcançar o cabide do armário para acomodar suas roupas. “Em apenas dois dias nossa equipe quebrou todos os 15 apartamentos e, em 60 dias, as novas suítes foram entregues. Isso exigiu um grande planejamento, incluindo a logística para descarga do material a ser utilizado, assim como da retirada dos entulhos com o hotel em plena ocupação, de modo que o conforto dos hóspedes não fosse afetado. Nosso projeto de interiores é moderno, possibilitando que os apartamentos sejam ocupados por qualquer tipo de hóspede sem aquela rejeição típica, que acontece em outros empreendimentos”, garantiu o Sócio-Diretor da Padrão Argil, Francisco Santos.
Segundo ele a empresa tem desenvolvido projetos interiores de forma que os apartamentos fiquem não somente dentro das normas impostas pela legislação, como também com um design cujo hóspede com deficiência física ou necessidades especiais sinta-se num verdadeiro hotel e não dentro de um quarto de hospital. Além de desenvolver projetos que atendam às necessidades do público cadeirante, a empresa também conta com soluções para quem tem deficiência auditiva ou visual, assim como para indivíduos com mobilidade reduzida.
Dentre algumas das soluções implantadas pela empresa estão alarmes de incêndio luminosos e vibratórios, aparelho de telefone especial, no qual um deficiente auditivo pode atender uma chamada através de um sinal luminoso e vibratório, assim como a conversão de texto em áudio, para que possa ocorrer a interação entre o hóspede com deficiência auditiva e o hotel. Caso o hóspede tenha deficiência visual, o empreendimento pode implantar a comunicação em Braile, nas quais todas as placas do hotel possuam sua numeração em alto relevo. Soluções como o cardápio do restaurante em Braile, treinamento básico aos funcionários para saberem como acompanhar uma pessoa com deficiência física são também essenciais em um hotel. Elevadores com painel de leitura em Braile e que anuncie em áudio o andar em que o usuário se encontra; rampas; barras e torneiras especiais também não devem ser esquecidas. “Para desenvolver nossos projetos utilizamos a seguinte fórmula: acessibilidade + design = sucesso. Os hotéis devem ser pensados e projetados para receber o maior número de hóspedes, independentes de sua condição física, sensorial, intelectual e mental, e todos deverão ter acesso às áreas comuns do hotel bem como ter a sua disposição os aptos que tenham a melhor vista e as melhores localizações dentro do empreendimento, e não ficarem com os ambientes mais isolados ou menos privilegiados das atratividades do local”, concluiu Santos.
Outro case de sucesso hoteleiro no Brasil é o hotel Ca`d`Oro, na capital paulista, reinaugurado em setembro de 2016, que já nasceu inteiramente adaptado para receber Portadores de Necessidades Especiais, inclusive em 100% de suas áreas de lazer e
balcão da recepção. “A procura por apartamentos adaptados não é grande, inferior a 1% de nossas reservas solicitadas. A maioria dos hóspedes que solicita esse tipo de reserva não são portadores de necessidades especiais, mas sim recém-operados que escolhem ficar aqui pela nossa proximidade do hospital. É muito importante estarmos prontos para receber hóspedes com necessidades especiais, não só em relação à infraestrutura mas também no tratamento e atendimento. “Existe a rejeição de alguns clientes sem necessidades quando hospedados nos apartamentos adaptados. Embora estes apartamentos sejam idênticos aos demais em relação à decoração e as amenidades, são muitas vezes mais amplos. As únicas diferenças visíveis estão presentes no banheiro (barras de apoio, cortina de banho, assento adaptado etc) e na altura da cama (mais baixa do que as demais). “Mesmo assim, alguns hóspedes pedem para não ficar neles”, afirma Fabrizio Guzzoni, Gerente Geral do hotel Ca`d`Oro.
Portfólio variado
A Astra, fundada em 1957 na cidade de Jundiaí (SP), é uma empresa multiespecializada, que cria e comercializa produtos e soluções para o dia a dia, oferecendo amplo portfólio de itens voltados ao setor hoteleiro, como objetos para manutenção e reparos (linha de hidráulica); produtos para acabamentos (assentos sanitários e acessórios para banheiro); de conforto (banheiras); além de itens de segurança, como a linha de acessibilidade. Compondo o setor, a Astra oferece ao mercado mais de 80 itens que trazem autonomia, segurança e bem-estar para pessoas com mobilidade reduzida (permanente ou temporária), em pós-operatório, com nanismo, crianças, idosos, gestantes e obesos. “Para o mercado de acessibilidade hoteleira, trabalhamos com barras de apoio, assentos retráteis, botões elevados para acionamento de descarga de caixa acoplada e outros acessórios como espelhos e lixeiras”, comenta Joaquim Coelho, Diretor Comercial da Astra.
A linha de acessibilidade da empresa combina com a decoração dos mais diversos ambientes, pois é desenvolvida com produtos diferenciados permitindo a composição de espaços que deixem de lado a aparência hospitalar. O grande destaque da linha são as barras de apoio em PVC, com opções de cores, tamanhos e modelos, além de ser um item com resistência e sensação térmica confortável. Todos os materiais necessários para a
de ambiente da Astra estão dentro das exigências estabelecidas. No caso das barras de apoio, tanto os modelos de PVC quanto os de Aço Inox foram ensaiados por um laboratório credenciado pelo Inmetro, confirmando a adequação do produto na norma.
Segurança e conforto
A DNI, presente no mercado de produtos eletrônicos automotivos e condutores elétricos desde 1990, é uma consolidada indústria brasileira certificada em qualidade ISO 9001:08. Em 2006, incorporou a marca Key West em seu portfólio, passando a atuar também no segmento de elétrica, iluminação residencial e segurança patrimonial.
Para o mercado de hotelaria, oferece produtos que trazem conforto e segurança aos hóspedes com necessidades especiais, idosos, pessoas com mobilidade reduzida, deficientes visuais e auditivos.
Um dos exemplos é o Alarme Audiovisual DNI 4240 PNE/PCD, um alarme sem fio, com disparos sonoro e visual simultâneos. Bivolt, ele pode ser instalado em sanitários acessíveis e outros ambientes frequentados por pessoas com necessidades especiais, com mobilidade reduzida e idosos. Quando acionado, emite ondas de radiofrequência e luz de LED em alto brilho na cor azul (efeito estroboscópico), com alcance máximo entre alarme e acionador de até 30m em áreas livres.
Já para atender aos deficientes auditivos e visuais, a DNI - Key West oferece o DNI 6385 - Campainha Eletrônica de Tomada com LEDS sem Fio. Bivolt e com tecnologia Wireless Digital, o produto é de fácil instalação (basta plugar na tomada), acende luzes de LED quando acionado (auxiliando deficientes auditivos) e conta com diversos sons programáveis (para deficientes visuais).
Outra tecnologia da empresa é o Bloco Autônomo de Iluminação de Emergência DNI 6927, que garante a segurança de hotéis, pousadas, escolas, centros de eventos, hospitais, shoppings centers, arenas, restaurantes, dentre outros, quando houver interrupção de luz ou início de incêndio, emitindo luminosidade que abrange espaços de até 200 m². De acordo com Kelly Salfatis, integrante do Conselho da DNI - Key West, como o Brasil é um dos países com o maior índice de raios do mundo, essa prevenção é extremamente necessária. “A potente iluminação do DNI 6927 Bloco de Iluminação Autônomo facilita a evacuação garantindo a segurança de pessoas presentes em grandes áreas em casos de emergência”, relatou.
Desafio global
Preocupada com o conforto e a comodidade os hóspedes com ou sem mobilidade reduzida, a AccorHotels desenvolveu o conceito Smart Room. Ele foi desenhado pelo Departamento de Soluções de Design da AccorHotels em Paris e projetado pelo designer Didier Versavel. “O quarto visa atender as necessidades de todos: hóspedes com mobilidade reduzida, pessoas comuns, famílias e viajantes a trabalho ou lazer. Colaboradores com deficiência foram consultados na busca de soluções inteligentes. As inovações do quarto incluem: porta com assistência de abertura/fechamento; despertador olfativo; iluminação automática da luz noturna sob a cama para encontrar o caminho; tablet para controlar todas as funções da sala (cortinas, luzes, televisão, som, cama) com uma cópia de segurança mecânica para deficientes visuais”, comenta Paulo Mancio, VP de Implantação da AccorHotels América do Sul.
Segundo ele, a AccorHotels se preocupa em melhorar continuamente a acessibilidade em suas unidades e lança até mesmo desafios globais para ouvir a opinião dos hóspedes. “Lançamos, em novembro de 2017, o maior desafio global com o intuito de autoavaliar nossos hotéis e outros espaços públicos. Tivemos mais de 500 participantes e 50 mil contribuições, que já estão melhorando a acessibicomposição
lidade global de nossas unidades. Tudo isso com a contribuição inovadora dos aplicativos J’accede e J’accede Challenge”, conclui Mancio.
Mercado potencial
Como cerca de 23% da população brasileira possui algum tipo de deficiência, segundo dados do IBGE, isso sem contar o aumento da expectativa de vida da terceira idade, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência abre um importante nicho de mercado. “Esse Decreto é mais um passo rumo à inclusão, uma vez que, dessa forma, os hotéis e pousadas receberão de forma digna todas as pessoas, independente de sua condição física, mental e sensorial, que ainda poderão usufruir tudo que os hotéis ofertam. Com essa aprovação, as possibilidades nas reformas e modernizações serão cada vez mais crescentes, o mercado hoteleiro terá que se adaptar em um curto espaço de tempo. Com certeza a demanda aumentará e estamos preparados para atender com uma equipe bem treinada. Nossos processos estão muito bem definidos e temos uma gestão próxima e contato constante com o cliente. Assim, garantimos que não apenas podemos atender essas novas exigências como também sermos grandes aliados nas soluções junto aos clientes”, assegura o Engenheiro Rodrigo Pique, Sócio-Diretor da RAP Engenharia, que já atua no mercado há muitos anos, com obras de retrofit em vários hotéis no Brasil. Rodrigo comenta alguns dos trabalhos que sua empresa já executou. “Poderíamos citar vários, mas vamos focar apenas em dois: realizamos retrofit no Novotel em São José dos Campos (SP), com o objetivo de criar um design mais contemporâneo e mais adaptável às necessidades do hóspede (hora a trabalho e hora a lazer). Além disso, adaptamos alguns apartamentos para o tipo “pcd” com intuito de atender aos hóspedes com necessidades especiais. Podemos considerar que foi uma implantação desafiadora em função do volume da obra (demolição completa dos quartos) e também pelo hotel estar em operação. Outro exemplo refere-se à B&B, rede hoteleira francesa que chegou há pouco tempo no Brasil, no qual participamos do projeto com a demolição total do centro de convenções, que deu lugar a 12 novos apartamentos, e também os “pcd”. Realizamos, ainda, todo retrofit das áreas sociais, restaurante e cozinha, além das áreas de back office. No banheiro do lobby fizemos as alterações para atendimento das normas de acessibilidade. Nesse projeto o cliente exigiu as obras/implantação com intuito de atender suas necessidades de operação e também aplicar sua identidade”, revela Pique.
E fazer uma obra num hotel em plena operação é um desafio para não atrapalhar a comodidade dos hóspedes. E Pique ressalta as preocupações que devem ser levadas em consideração nesse sentido. “Antes de iniciar a obra é necessário tomarmos uma série de medidas, como a escolha adequada do canteiro de obras, depósitos em local apropriado, isolamento das áreas de trabalho, sinalização das áreas, entre outros. Durante os trabalhos é necessário ter apoio de uma equipe dedicada à limpeza permanente, em horários exclusivos para transporte vertical e horizontal de materiais e equipamentos, além de horários pré-estabelecidos de trabalho”, conclui Rodrigo.