MATÉRIA DE CAPA
A volta dos Cassinos
Aexploração dos jogos de azar foi proibida no Brasil em 30 de abril de 1946, pelo então presidente Eurico Dutra. Com o Decreto de Lei Nº 9.215, cassinos foram fechados em nome da “tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro”. Mas, agora, dois projetos de lei tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados para trazer esta prática de volta à legalidade. E a hotelaria apoia a ideia.
De acordo com o Instituto Brasileiro Jogo Legal, os jogos legalizados no Brasil (loterias e jóqueis) movimentam anualmente cerca de R$14 bilhões. Já os ilegais (jogo do bicho, caça-níqueis, bingos e apostas na internet) geram ainda mais: R$20 bilhões. Por conta disto, um dos argumentos a favor de legalizá-los é o montante que o país irá arrecadar com a prática. “A cada R$3 apostados no Brasil, R$2 vão para o jogo clandestino. Costumo dizer que não é proibido jogar no Brasil. É proibido o Estado arrecadar com isso”, diz Magnho José, presidente do instituto.
Além da arrecadação para a União, a legalização dos jogos pode incrementar a geração de empregos. De acordo com José, um hotel cinco estrelas emprega, em média, entre 0,6 e um funcionário por apartamento. Já em um hotel-cassino, esta média sobe para 3,2 colaboradores por quarto. “Neste tipo de empreendimento temos funções diferentes do que em um hotel normal”, afirma ele.
Segundo o instituto, dos 156 países que compõem a Organização Mundial do Turismo, 71,16% têm o jogo legalizado. Dentre os que não legalizaram, 75% são islâmicos. No caso dos países que formam o G20, em 93% o jogo é legal. Somente no Brasil, Arábia Saudita e Indonésia ele é proibido.
“O cassino é um equipamento turístico e mantém o viajante mais tempo no destino. Ele pode aproveitar e ver um show no cassino e prolongar a sua estada na cidade”– Magnho José
Em geral, os argumentos contra a legalização são o risco em aumentar o número de viciados em jogo, facilitar a lavagem de dinheiro através dos cassinos, envolvimento de máfias internacionais e dificultar o combate ao crime organizado.
Projetos
Atualmente, há dois projetos a favor da legalização dos jogos em discussão. O Projeto de Lei do Senado nº 186/2014, do senador Ciro Nogueira (PP/PI), foi aprovado em novembro deste ano pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional. Até o fechamento desta edição da revista, ele aguarda ser votado em plenário.
O PL 186 estabelece que poderão ser explorados no Brasil os seguintes jogos de azar: loterias estaduais e federal , sweepstake (loteria vinculada à corrida de cavalos), cassinos, bingos, apostas de quotas fixas e apostas eletrônicas. O mesmo é previsto no projeto da Câmara.
Em agosto desse ano, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 442/1991, apresentado na década de 1990 pelo então deputado Renato Vianna (PMDB/SC), e agora também aguarda ser votado em plenário. Atualmente, o relator é o deputado Guilherme Mussi (PP/SP). Desde 2015, a comissão trabalha em cima do texto, incluindo pontos que não haviam sido abordados inicialmente, como a cobrança de 15% sobre o valor real do prêmio recebido pelo apostador.
“Eu acredito que o projeto da Câmara seja mais detalhado e contemple mais o turismo. Ele prevê a destinação de um percentual para o Fundo Geral do Turismo e incentiva o desenvolvimento turístico local”, declara o deputado Herculano Passos (PSD/SP), presidente da Comissão de Turismo da Câmara.
Para o deputado, o momento é propício para a aprovação de um projeto deste tipo, pois o país passa por uma crise econômica. “A arrecadação com os jogos legalizados ajudaria muito o Brasil”, diz. Segundo Passos, também há vontade política, e tanto o presidente da República, Michel Temer, quanto o ministro do Turismo, Marx Beltrão, mostram-se favoráveis à legalização.
O projeto que for votado e aprovado primeiro prevalece em relação ao outro. Mas a outra casa tem o poder de modificar alguns pontos após discussão em plenário.
Cassinos
De acordo com os dois projetos, os cassinos não poderão existir sozinhos. Eles deverão ser instalados em complexos de entretenimento, com hotéis, opções de lazer, restaurantes, centro de convenções. Este modelo é utilizado em outros países, como nos Estados Unidos. “Os cassinos nos Estados Unidos representam 30% do faturamento desses complexos. O restante é gerado pelo entretenimento, restaurantes e eventos”, diz Magnho José. As concessões terão validade de 30 anos e serão feitas por meio de licitação, pela modalidade de concorrência pública por técnica e preço.
Mas as propostas divergem em alguns pontos. O projeto do Senado não limita o número de cassinos por Estado, mas indica que dois quintos destes estabelecimentos devam estar localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Segundo o texto, o objetivo é que “os jogos de azar possam ser instrumento de política regional”. Além disso, deverá ser considerado o potencial para desenvolvimento econômico e social da região.
Segundo a Câmara dos Deputados, os cassinos deverão ser distribuídos pelos Estados brasileiros de acordo com o tamanho da população de cada um. Os que tiverem menos de 15 milhões de habitantes poderão ter um. Os que tiverem entre 15 e 25 milhões, que é o caso de Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro, poderão ter dois. Os Estados com mais de 25 milhões de pessoas poderão ter
três, mas apenas São Paulo se enquadra nesse caso. Eles deverão ser instalados em cidades onde houver recursos e atrações turísticas a serem fomentadas ou exploradas.
“Conforme os projetos, todos os Estados poderão ter cassinos, mas quem definirá se todos terão realmente serão os investidores. Muitas companhias donas de redes de cassinos no mundo estão interessadas no Brasil, mas elas só farão isso nos locais onde acharem que haverá bom retorno financeiro. Então, é possível que tenhamos muito interesse em alguns Estados e pouco ou nenhum em outros”, acredita o deputado Herculano Passos.
Magnho José concorda com o deputado. Para o presidente do Instituto Jogo Legal, aqui no Brasil não será possível replicar o case de Las Vegas, localizada no meio do deserto e que anualmente recebe mais de 40 milhões de turistas. “Os grandes empresários farão investimentos muito altos. Por conta disso, irão procurar locais com uma população grande, que receba muitos turistas e que já tenha infraestrutura. É preciso ter um aeroporto internacional próximo, boas estradas e outras atrações que não sejam cassinos”, diz.
O número mínimo de quartos em hotéis-cassino também será condicionado à população do Estado, variando entre 100 (para aqueles com menos de 5 milhões de habitantes) até no mínimo mil (nos com mais de 25 milhões).
Para o presidente da Associação Brasileira de Resorts (ABR), Luigi Rotunno, este número não deveria ser pré-estabelecido. “O projeto da Câmara prevê cassinos em Estados como São Paulo em empreendimentos hoteleiros de, no mínimo, mil quartos para exploração da atividade. Isso me parece fora da realidade hoteleira do Brasil, que praticamente não possui estruturas deste porte. Entendemos que a soma de várias estruturas hoteleiras é mais benéfica para o destino que vai receber um equipamento de cassino”, declara.
Quando um cassino é instalado em uma cidade, os hotéis da região também são beneficiados. Em geral, mesmo os empreendimentos que oferecem um grande número de quartos, nem sempre conseguem atender toda a demanda. Desta forma, outros meios de hospedagens acabam recebendo hóspedes. Em Macau, por exemplo, a taxa de ocupação em 2014 foi de 86%. Todo mundo sai ganhando.
O presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), Alexandre Sampaio, vê com simpatia a volta dos cassinos ao Brasil. “Achamos que dentro de parâmetros bem equacionados, os cassinos podem gerar empregos, além de potencializar o entorno da cadeira produtiva de turismo, como os restaurantes. Ele é um polarizador que consegue, através das pessoas que gostam do jogo, ser um difusor do turismo”, declara.
Já o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional), Dilson Fonseca, vê a legalização com reservas. “Minha preocupação é que os cassinos fiquem concentrados em poucos destinos, principalmente nos que já estão consolidados, criando um abismo ainda maior em relação a outras destinações turísticas. É preciso que eles estejam realmente em todos os Estados do Brasil”, afirma. “Mas poderá ser uma grande alavanca para o turismo se forem atendidos esses critérios”, completa.
Estâncias hidrotermais
As estâncias hidrotermais são um capítulo à parte no projeto da Câmara dos Deputados. Apesar de a proposta limitar o número de cassinos por Estado, estes municípios que já tiveram estabelecimentos deste tipo no passado poderão tê-los novamente.
Pensado, projetado e construído para ser um hotelcassino, o atual Tauá Grande Hotel Termas de Araxá, localizado em Minas Gerais, foi inaugurado em 1944, mas funcionou com este modelo de negócio apenas por dois anos. Por possuir uma estrutura adequada para retomar suas atividades do passado, o empreendimento já foi procurado por investidores interessados em instalar um cassino no hotel.
“No geral, fomos procurados por empresas com sede nos Estados Unidos ou na Europa, locais onde a operação com os cassinos já está consolidada há muitos anos”, explica Lizete Ribeiro, diretora Comercial de Marketing da Rede Tauá de Resorts.
A Rede Tauá quer levar adiante este projeto, caso os jogos realmente sejam legalizados no Brasil. Porém, irá continuar administrando o hotel e a operação do cassino ficará nas mãos de uma empresa terceirizada.
“As operações não se misturam. Gerir um cassino e prezar pela segurança de sua operação e de todos que o frequentam é algo que precisa ser feito por uma empresa especializada, com know how específico”, diz Lizete. “Adaptações serão necessárias, mas, se realmente for regulamentado, faremos tudo com calma e sempre de forma segura para nossos hóspedes”, completa.
Por se tratar de uma operação até então inédita para a Rede Tauá, a empresa ainda não consegue medir o aumento real que poderá haver no faturamento e ocupação do hotel. “Mas temos certeza que iremos atender um novo perfil de hóspede e, consequentemente, teremos aumento na ocupação e no faturamento”, afirma a executiva.
Incremento no turismo
De acordo com o Instituto Jogo Legal, cerca de 200 mil brasileiros viajam, todos os anos, para jogar em países onde a atividade é legalizada. “Se os cassinos fossem permitidos por aqui, grande parte desse público poderia permanecer no Brasil, movimentando a cadeia produtiva do nosso turismo. Eles gastariam em nossos hotéis, restaurantes, no comércio dos destinos turísticos”, acredita o deputado Herculano Passos.
Segundo o parlamentar, a legalização dos cassinos pode incrementar em 200% o potencial turístico das cidades, além de atrair mais estrangeiros. “Espera-se que a liberação atraia ainda um número maior de turistas estrangeiros, que vêm para jogar, mas que costumam aproveitar as atrações locais e até outros destinos do país”, diz.
A Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo) é favorável à reabertura dos cassinos no Brasil. “A posição de apoio à medida se deve, principalmente, por conta das consequências positivas que essa abertura pode trazer à cadeia produtiva do turismo, incluindo a geração de milhares de empregos”, diz Vinícius Lummertz, presidente da entidade.
O pesquisador José Roberto Oliveira é defensor da instalação de cassinos em Patrimônios Históricos e Culturais da Humanidade do Brasil. Desta forma, a região onde mora e tem o seu negócio, conhecida como Missões, no Rio Grande do Sul, poderia ser uma das localidades beneficiadas. “Nas Missões, na parte da Argentina, as províncias de Corrientes e Missiones têm cassinos. Não há o menor problema em ter esses estabelecimentos em cidades turísticas”, afirma.
Apesar do potencial em incrementar o turismo, para Magnho José os cassinos não atraem viajantes. “O cassino é um equipamento turístico e mantém o viajante mais tempo no destino. Ele pode aproveitar e ver um show no cassino, por exemplo, e prolongar a sua estada na cidade”, afirma.