Hotelaria e a economia compartilhada
TRANSFORMAçõES NO MERCADO DE HOSPEDAGEM MOVIMENTAM PLAYERS DO TURISMO
Mudanças no cenário econômico, rápido desenvolvimento da tecnologia e uma nova maneira de se pensar o consumo são apenas três dos muitos fatores que impulsionaram transformações em diferentes mercados de serviços e produtos. A hotelaria foi impactada principalmente pelo crescimento das vendas online, dos sites de reviews como o TripAdvisor e, mais recentemente, por iniciativas como o Airbnb. Alguns chamam de economia compartilhada, outros de hospedagem doméstica. Mas o fato é que os novos players vêm movimentando discussões, mudando conceitos e buscando agradar este o viajante, que está cada vez mais exigente – seja por qualidade, preço, praticidade ou autenticidade.
Tal qual o Uber e o Netflix, o Airbnb foi uma novidade neste cenário que rapidamente conquistou uma parcela considerável do público. Hoje, ele posiciona-se como “a maior comunidade de hospedagem alternativa do mundo e oferece experiências seguras e positivas para mais de 140 milhões de hóspedes em 191 países”, tendo como proposta “ajudar pessoas que buscam vivenciar uma experiência local, complementar à oferecida pela hospedagem tradicional”, conforme informa a companhia em comunicado. Na plataforma, os valores de locações e experiências são estabelecidos pelos próprios anfitriões. O Airbnb também esclarece que “as taxas cobradas ficam disponíveis ao usuário no momento da reserva e o valor cobrado do hóspede é variável, calculado de acordo com o preço do anúncio e da duração da estadia – normalmente, gira em torno de 6% a 12,5%. Para o anfitrião, este valor é de 3% do total”.
Durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a empresa foi a fornecedora oficial de hospedagens e movimentou cerca de R$ 325 milhões, gerando cerca de R$ 100 milhões de renda para os anfitriões
cariocas que abriram seus lares para mais de 85 mil hóspedes do Brasil e do mundo inteiro. Para garantir qualidade e segurança, o Airbnb exige um perfil detalhado de quem oferece a hospedagem, com características do espaço, regras da casa, rotina dos moradores. Em comunicado, o Airbnb destaca que “é importante que o anúncio apresente a maior quantidade possível de detalhes para ajudar o hóspede a sentir-se confortável, evitando surpresas. Incentivamos que o hóspede forneça um perfil completo, com a verificação de um documento e inclusão de links com Facebook e e-mail para obter mais selos de segurança”. Outras ferramentas incluem suporte 24h por e-mail ou telefone; a Garantia ao Anfitrião, que cobre danos ao imóvel em até aproximadamente R$ 3,5 milhões (US$ 1 milhão); e o sistema de proteção aos hóspedes, que só libera o pagamento ao anfitrião 24 horas após o check-in, para que o viajante possa checar o imóvel e contatar a companhia se necessário.
Ao gosto do cliente
A Booking.com é um player do turismo que trabalha com hotelaria tradicional, aluguéis de temporada e o que chama de homestay. “Nosso objetivo é conectar viajantes de todo o mundo com sua estadia ideal da maneira mais perfeita e agradável possível”, descreve Nelson Benavides, diretor da companhia no Brasil. E para integrar este portfólio, os proprietários devem adequar-se às exigências locais. “Todas as acomodações - grandes ou pequenas, em qualquer categoria - podem listar os seus quartos. Quando os provedores de hospedagem inscrevem-se e concordam com nossos termos e condições, solicitamos que verifiquem se estão operando em total conformidade com as leis locais. Removemos imediatamente qualquer propriedade que não esteja em conformidade”, diz ele.
O objetivo, claro, é ir ao encontro das demandas dos clientes. “Mais e mais viajantes brasileiros estão buscando experiências locais e autênticas, a um custo menor e com
“A plataforma ajuda pessoas que buscam vivenciar uma experiência local, complementar à oferecida pela hospedagem tradicional” – Airbnb
maior privacidade e autonomia. Aluguéis de temporada atendem este nicho perfeitamente”, aponta Benavides. Dados do Disque9/Mapie reiteram o que diz o executivo: entre os grandes motivos dos viajantes optarem por meios alternativos de hospedagem estão mais liberdade, melhor relação custo/benefício, mais informalidade, privacidade e facilidade.
Por isto, a questão da experiência é um dos pontos centrais para todos os meios de hospedagem – e um fator para o qual a hotelaria deve estar constantemente atenta, refletindo sempre sobre a essência de seu serviço. “É preciso recuperar seu glamour, que às vezes se perde em forma de uma hospedagem fria e focada no lucro. O consumidor, como ser humano, nunca pode sair do foco de nossa atividade que é sermos especialistas em hospitalidade”, avalia Luigi Rotunno, presidente da ABR (Associação Brasileira de Resorts).
Na Booking.com, o perfil de quem opta especificamente pelo aluguel de temporada varia bastante: a companhia aponta que atende especialmente famílias, casais de todas as idades e grupos de amigos que estão viajando ou indo de férias juntos. Já o Airbnb revela que, no Brasil, a maioria dos hóspedes vem de outras partes do país ou de outras localidades da América Latina (72%), seguidos pelos europeus (17%) e viajantes da América do Norte (9%). Eles têm uma média de 34 anos, e cerca de 60% ficam hospedados nas acomodações por menos de 30 dias, com duração média de cinco noites.
A hotelaria
Em meio a estas transformações, a hotelaria vem se posicionando para se manter competitiva, entendendo o Airbnb e outros serviços de perfil semelhante como grandes concorrentes. A regulamentação da atividade e o equilíbrio dos tributos pagos pela hotelaria e por estes players da economia compartilhada, no entanto, estão entre as grandes demandas do setor. “Além de ser uma concorrência desleal com a hotelaria, que mantém altos investimentos em ativos imobilizados, paga impostos altíssimos e gera empregos, também afeta o mercado de aluguel de imóveis, já que eleva as taxas de aluguel e despeja inquilinos para que o imóvel seja destinado a locações de curta temporada”, pontua Alfredo Lopes, presidente da ABIH-RJ (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro).
Manuel Gama, presidente do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil) e da rede Travel Inn, explica que o entendimento do setor é de que “é necessário que o poder público e suas legislações federais e municipais atuem para que haja uma regulamentação justa na Lei
do Inquilinato e na Lei Geral do Turismo, considerando os tributos e obrigações do setor: obrigações trabalhistas; normas de segurança; adaptações para acessibilidade; licenças e alvarás e as taxas cobradas para isso; obrigatoriedade de seguros de proteção; e questões legislativas que impõem critérios diferentes para imóveis comerciais, caso dos hotéis, e para os imóveis residenciais”.
A competitividade dos preços é um dos pontos levantados pela hotelaria. “A grande questão é a inclusão do imposto na tarifa. Quando não se computa essa parte do preço, cria-se uma concorrência desleal com todos os outros operadores do mercado, sejam eles online ou operadoras tradicionais. Considerando que a totalidade dos impostos de uma tarifa hoteleira varia de 30% a 40% do valor cobrado, é uma diferença que afeta diretamente a competitividade”, destaca o presidente da ABR. “Defendemos a redução da carga tributária, que hoje é excessiva, está em descompasso com o mercado internacional. Não somos contra a revolução tecnológica. Só queremos o pagamento dos impostos de maneira correta”, completa Dilson Fonseca, presidente da ABIH Nacional, destacando que hoje, a tributação para a hotelaria chega a 40% sobre seu faturamento. A isonomia tributária dentro da mesma atividade econômica é o que pede a hotelaria.
Dilson Jatahy Fonseca Neto, advogado e doutorando em Direito pela USP, explica o papel de cada participan- te do mercado e os impostos incidentes. “O agenciador - que pode ser on-line tal como o Airbnb, o Booking, o HomeAway etc, ou off-line - tem o papel de buscar negócios em prol do prestador de serviços”, define ele, apontando que as taxas cobradas são IRPJ, CSL, PIS, COFINS e ISS sobre seu lucro/receita, além das taxas de licenciamento de sua atividade. Já o meio de hospedagem, que é “o estabelecimento no qual se presta o serviço de hospedagem, recebendo o turista mediante remuneração”, também deve pagar ISS sobre a receita, assim como os outros tributos. “Se se tratar de pessoa física, então não há lucro e sim renda (IRPF). Uma vez que o imóvel é utilizado para fins comerciais, deve pagar o IPTU conforme as alíquotas específicas, quando o município diferenciar os imóveis pela sua utilização, como é o caso de Salvador”, aponta o executivo.
O setor também questiona outros pontos: o primeiro deles é o controle e a segurança física, tanto de hóspedes quanto dos anfitriões, uma vez que em um meio de hospedagem tradicional é necessário um cadastro obrigatório de todos os hóspedes, e incidem leis rígidas sobre a estada de menores de idade no empreendimento. Depois, destaca-se ainda a confiabilidade em relação à reserva, sujeita a cancelamento, e a entrada do dinheiro no país, que também deve ser tributada.