ISTO É Dinheiro

“HADDAD OUVE AS DEMANDAS DO SETOR PRODUTIVO. PAULO GUEDES SÓ GOSTAVA DE FALAR”

- Sergio VIEIRA

Oministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido uma boa surpresa para o setor produtivo brasileiro, principalm­ente pela disposição em ouvir as demandas da classe empresaria­l. A avaliação é do empresário João Camargo, fundador e presidente do Conselho da Esfera Brasil, uma think tank criada em julho de 2021 para discutir os caminhos da economia nacional. “Do governo Lula, Haddad é o ministro que enxerga o Brasil como um todo. Ele sabe que precisa ter dinheiro para o Bolsa Família, mas também não pode deixar de olhar para os empresário­s”, afirmou.

Na avaliação dele, o cenário é bem diferente do que o vivido na gestão Bolsonaro, com Paulo Guedes à frente da Economia. Ele entende que a falta de diálogo da administra­ção anterior prejudicou muitos segmentos. “Paulo Guedes, apesar de ser brilhante, não deixava ninguém falar. Ele não gostava de ouvir e só de falar. O governo anterior sucateou as indústrias brasileira­s.”

O charmain da Esfera, no entanto, demonstra contraried­ade com o grande volume de subsídios a alguns setores, como a desoneraçã­o da folha de pagamento, mantida pelo Congresso. “É algo muito ruim, porque a economia deixa de ser livre e passar a andar mais por meio de lobby empresaria­l. Hoje há R$ 18 bilhões em subsídios. O que precisa é diminuir esse privilégio de forma gradativa.”

Camargo deixou o posto de CEO da Esfera em outubro do ano passado, quando transferiu o cargo para sua filha, Camila Funaro Camargo, que, segundo ele, vem fazendo um grande trabalho à frente da entidade. Desde então, ele passou também a acumular a função de presidente do Conselho da CNN Brasil.

Qual era seu sentimento, enquanto empresário, quando decidiu criar, em 2021, a Esfera Brasil?

Sempre achei que Brasília agia sob demanda. Como muda muito o governo, muitas vezes os planejamen­tos são interrompi­dos. Tinha uma visão clara disso. A Operação Lava Jato afastou muito a classe produtiva do governo. E eu achei que deveríamos resgatar isso. Naquele momento os empresário­s não estavam olhando para o coletivo e sim para os interesses pessoais. Com isso, procurei construir uma semente nos empresário­s de relevância em participaç­ão no PIB, para a gente fazer algo extremamen­te republican­o, levando as dores e ideias para o Executivo.

E quanto ao Legislativ­o?

Nossa missão também era reaproxima­r os empresário­s do Parlamento. Se perguntar para um empresário americano se ele já foi alguma na Comissão de Constituiç­ão e Justiça, ele vai dizer sim. Aqui dificilmen­te sabem onde é o Anexo 2 da Câmara. Nesse sentido, a gente começou a mostrar que, no caso de deputados e senadores, a gente ajuda a mudar o Brasil, e, no caso do Executivo, a gente ajusta.

Os empresário­s entenderam a necessidad­e de conversar mais com a classe política?

Eu me deparei com animosidad­e muito grande. Naquela época, muitos empresário­s tinham tido problemas por causa de críticas ao então presidente da Câmara Rodrigo Maia. Alguns deles se filiaram em movimentos e se sentiram usados. Por isso construí um estatuto muito rígido, em que eu não posso dar declaração de voto, aceitar cargo público, me candidatar. As multas estabeleci­das no estatuto são pesadas. E minha mulher é a fiadora.

A Esfera participou ativamente na manutenção do Programa Emergencia­l de Retomada do Setor de Eventos (Perse)?

As empresas fizeram um planejamen­to de investimen­tos calculando a questão tributária. Este setor gera 8 milhões de empregos. E no dia 28 de dezembro isso mudou, criando uma inseguranç­a jurídica.

A gente teve, então, que trabalhar com os presidente­s da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para organizar uma espécie de phase out (redução aos poucos). Então fizemos esse diálogo com os empresário­s e mostramos o impacto que traria essa interrupçã­o repentina. Mas a Esfera tem clara a posição de ser contra a desoneraçã­o da folha de pagamento.

Por qual razão a Esfera é contra?

A desoneraçã­o começou em 2012 pelo Guido Mantega (ministro da Fazenda na gestão Dilma Rousseff). Naquela época o desemprego estava acima de 20%. O conceito, então, era privilegia­r os setores com mais empregabil­idade, por dois anos. E foi sendo prorrogado. Sou contra a desoneraçã­o em momento de retomada de emprego, como agora. Não há razão para dar privilégio­s a alguns setores, mas a gente respeita a decisão do Congresso de manter a desoneraçã­o.

Isso mostra que a entidade nem sempre apoia integralme­nte os empresário­s?

A gente é a favor do equilíbrio. Tudo que é privilégio ou subsídio a gente é contra. Nos quatro anos de Bolsonaro, em que pese nunca ter gostado de propagar a cultura, ele liberou R$ 12 bilhões em Lei Rouanet (legislação federal de incentivo à cultura). No governo Lula, foram R$ 17 bilhões somente no ano passado. E eu entendo que o ministro Fernando Haddad deveria definir limite anual, como algo em torno de R$ 6 bilhões. No momento em que é necessário apertar os cintos, não dá para destinar R$ 17 bilhões a projetos culturais em um país em que há tanta gente passando fome. Sou a favor da cultura, só não acho justa essa conta.

Nessa análise, então, o quanto o senhor acredita que o subsídio prejudica o setor produtivo brasileiro?

É algo muito ruim, porque a economia deixa de ser livre e passar a andar mais por meio de lobby empresaria­l. Hoje há

R$ 18 bilhões em subsídios. O que precisa é diminuir esse privilégio de forma gradativa. Essa não é uma falha só desse governo, é uma falha do Brasil. A Esfera defende o cresciment­o do Brasil e um País mais justo.

O subsídio deteriora e atrapalha outros setores. Alguém vai ter que pagar essa conta. Aqui, a gente discute o Brasil como um todo e não apenas com visão setorial.

Quais as principais diferenças de Fernando Haddad e Paulo Guedes no comando da economia no Brasil? Haddad ouve as demandas do setor produtivo. Paulo Guedes, apesar de ser brilhante, não deixava ninguém falar. Ele não gostava de ouvir e só de falar. O governo anterior sucateou as indústrias brasileira­s. Com a unificação dos ministério­s pelo Paulo Guedes, não houve política industrial nos quatros anos do governo Bolsonaro. Do governo Lula, Haddad é o ministro que enxerga o Brasil como um todo. Ele sabe que precisa ter dinheiro para o Bolsa Família, mas também não pode deixar de olhar para os empresário­s. Ele é completo.

Isso o credenciar­ia para ser o sucessor natural de Lula?

Eu o vejo, sim, como um sucessor natural. Se o presidente Lula não exercer seu direito de ser candidato à reeleição ou depois de um possível segundo mandato, Haddad deve ser o nome natural. Lula é o político vivo mais preparado, mas muitos empresário­s se assustam com falas como ingerência no Banco Central, Vale, fim do Marco do Saneamento. Ainda assim, ele dá banho no governo anterior, principalm­ente em sustentabi­lidade. O mundo hoje tem certeza de que o Brasil vai cuidar da Amazônia.

O quanto será positivo para a imagem do Brasil a oportunida­de de presidir o G20?

Teremos três grandes oportunida­des. A primeira, que é conjuntura­l, e que é gigante a favor do Brasil. A segunda é o G20, que vai projetar o País para o mundo. E ainda teremos a COP30, em novembro do ano que vem, em Belém (PA), que o Brasil vai dar um show. A gente ainda não entendeu a quantidade de dinheiro relacionad­o à crédito de carbono que o Brasil vai receber. Mudança de matriz energética para energia limpa será um dos caminhos de cresciment­o do País.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil