O RISCO DA “MEXICANIZAÇÃO”
Apesar da ação bem-sucedida da Polícia Federal, a ameaça de o País viver uma situação parecida com a de outros países da América Latina é real
O desfecho do caso Marielle evidencia o espantoso grau de infiltração do crime organizado nas instituições de Estado. Três influentes autoridades estaduais foram presas por mandarem assassinar uma política em ascensão que “atrapalhava” suas milionárias atividades ilícitas. O crime foi executado por um ex-PM, com a participação direta do chefe da Polícia Civil – o quarto titular da corporação preso desde 2008 – no estado que também teve cinco governadores ou ex-governadores presos entre 2016 e 2019. E este mesmo chefe de polícia foi nomeado por um general quatro estrelas do Exército, no período em que uma operação militar de garantia da ordem foi convocada para reverter a perda de controle das forças de segurança sobre a criminalidade. É o retrato da falência.
O México é um exemplo de como órgãos de Segurança Pública, setores da Justiça e parte da classe política são vulneráveis ao poder de cartéis poderosos. Nesse caso, são grupos ligados ao narcotráfico, mas rapidamente as atividades criminosas se expandiram. Lá, até o preço de frutas e legumes é impactado pela criminalidade. Estudos mostram que o crime é quinto maior empregador do país. A Colômbia exportou o modelo dos cartéis para o México e até hoje é ameaçada por narcoguerrilhas. Em janeiro, o Equador foi palco de um derretimento institucional ao vivo: gangues invadiram um estúdio de TV e sequestraram jornalistas no ar, em plena campanha eleitoral, após um candidato presidencial ser executado.
No caso brasileiro, há uma particularidade: o fato de as milícias terem sido criadas à luz do dia por policiais e serem saudadas e condecoradas por políticos, inclusive de uma ex-família presidencial. Esses grupos já rivalizam com outra criação brasileira, as megafacções criminosas, que expandem seus negócios internacionais depois de fincar raízes na região amazônica. No Brasil, espetáculos tétricos que viraram cotidianos no México, como a exposição de corpos esquartejados, atentados com explosivos e chacinas coletivas ainda não viraram rotina — mas o País está perto disso. Já entrou na era das execuções políticas de grande repercussão (sem tanta comoção, mais de 20 políticos foram mortos no Rio nos últimos 20 anos). O caso Marielle, por outro lado, também traz um alento. Mostra que a força política garantida pela democracia ainda vale. A ação da Polícia Federal foi decisiva para driblar a pressão do Estado paralelo. Porém, a escandalosa decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara que adiou a decisão sobre a autorização para a prisão do mandante parlamentar, sob o argumento de a ação foi “apressada”, lembra que o trabalho de limpeza institucional mal arranhou a superfície do problema.