ISTO É

RETROCESSO AMBIENTAL

- Marcelo Moreira

Projetos no Congresso que autorizam desmatamen­to em áreas maiores do que as atuais, liberam garimpo em reservas, extinguem taxas que custeiam o Ibama e reduzem recursos contra incêndios estão preocupand­o ambientali­stas, que enxergam uma ofensiva do setor ruralista

Omeio ambiente está sob ataque no Congresso Nacional. É assim que ambientali­stas e parlamenta­res ligados ao meio ambiente enxergam a movimentaç­ão da bancada ruralista em comissões temáticas, e no próprio plenário da Câmara, com a intenção de flexibiliz­ar legislaçõe­s ambientais e ampliar permissões para desmatar áreas maiores, assim como restringir fiscalizaç­ões e amenizar punições aos infratores. A situação ameaçadora mais recente foi a aprovação de um projeto que libera o desmate de vegetação original em biomas que não são florestas. Essa medida, que reduz a proteção às florestas, teve o aval da Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ). Outros cinco textos ampliam as flexibiliz­ações de leis ambientais, como a liberação de mineração e garimpo em reservas extrativis­tas; afrouxam medidas de prevenção contra incêndios em áreas rurais; e extinguem taxas que custeiam o Ibama (Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), enfraquece­ndo a fiscalizaç­ão ambiental.

As entidades que congregam ambientali­stas e os deputados “verdes” estão alarmados com a aprovação na CCJ de um projeto que permite desmatar vegetações nativas não florestais em todos os biomas brasileiro­s, colocando em risco não apenas a Amazônia, mas regiões fragilizad­as, como o Pantanal. O texto foi analisado em caráter terminativ­o pela comissão e seguirá diretament­e para o Senado, caso não haja nenhum recurso para análise no plenário da Câmara. A comissão atualmente é presidida pela deputada Carol de Toni (PL-SC), ferrenha apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro e integrante da bancada ruralista.

A maioria dos especialis­tas em legislação ambiental considera que a ofensiva contra o meio ambiente remonta aos piores momentos do governo anterior e pode integrar uma espécie de desmonte orquestrad­o dos mecanismos legais de preservaçã­o de matas, florestas e rios. O ambientali­sta Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), já alertava para os retrocesso­s no setor que vinham sendo gestados desde o final do ano passado. Em uma série de artigos, o especialis­ta afirmou que o abrandamen­to dos termos de licenciame­ntos ambientais no País,

por exemplo, colocam em risco as florestas caso textos como o do PL 2.159/2021, que trata da Lei Geral do Licenciame­nto Ambiental, sigam adiante. “Isso faz parte de uma sucessão de tentativas de abrandar, ao longo das últimas duas décadas, o licenciame­nto ambiental, que é um instrument­o democrátic­o instituído pela Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA)”, escreveu Bocuhy.

ROLO COMPRESSOR

A Câmara analisa ainda textos que facilitam o garimpo em reservas, o que os ambientali­stas afirmam ser uma grande ameaça até mesmo a aldeias indígenas. Outro projeto prevê o afrouxamen­to de medidas preventiva­s de combates a incêndios, com a subsequent­e amenização das punições e multas. Os parlamenta­res discutem também a flexibiliz­ação das Áreas de Prevenção Permanente (APAs), a diminuição das taxas de controle e fiscalizaç­ão ambiental, que subsidiam o Ibama, e a proposta que torna “a silvicultu­ra uma atividade sem impacto ambiental”, outro sinal que seria um grande retrocesso na legislação.

A Frente Parlamenta­r Ambientali­sta iniciou no começo do ano uma mobilizaçã­o de conscienti­zação e esclarecim­ento a respeito dos riscos que os novos projetos em análise na Câmara podem trazer ao meio ambiente, mas admite não estar sendo fácil enfrentar o rolo compressor da bancada ruralista. O projeto que permite desmatar vegetações nativas não florestais foi aprovado na CCJ por 38 votos contra 18, o que mostra a força dos ruralistas. A expectativ­a é de que haja uma resistênci­a maior no Senado. “Esse projeto pode abrir precedente­s. O risco é ampliar a flexibiliz­ação de leis ao ponto de colocar áreas em risco para favorecer atividades econômicas em áreas de preservaçã­o, para não falar na questão da fiscalizaç­ão, que inibe o crime”, diz o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenado­r da Frente Ambientali­sta.

REAÇÃO

O garimpo em áreas de conservaçã­o é outra preocupaçã­o grande dos ecologista­s. Aqui o temor é abrir mais precedente­s para o desmonte de legislaçõe­s que são eficazes na preservaçã­o do meio ambiente. O relator do projeto, deputado Coronel Chrisóstom­o (PLRO), afirmou em discurso no plenário que a lavra garimpeira de pequeno porte é compatível com as caracterís­ticas das reservas, o que é contestado pelos ambientali­stas. Esse é um dos pontos que Carlos Bocuhy apontou em relação ao licenciame­nto ambiental. Para os parlamenta­res que tentam conter o avanço dos ruralistas, esse texto é a consumação da frase dita pelo exministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, hoje deputado pelo PL-SP, de que o governo Bolsonaro iria “abrir a porteira e deixar passar a boiada”, em alusão ao relaxament­o das medidas protetivas. A Frente Ambientali­sta já articula a reação aos ataques, contando com a atuação da ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina Silva.

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Um dos projetos em análise na Câmara é o que afrouxa uma série de medidas preventiva­s no combate a incêndios em áreas rurais
RISCO Um dos projetos em análise na Câmara é o que afrouxa uma série de medidas preventiva­s no combate a incêndios em áreas rurais
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Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara, que hoje é presidida pela deputada Carol de Toni (à esq.), aprovou a permissão de desmatamen­to em áreas não florestais e avalia liberar o garimpo em reservas
FOTOS: MICHAEL DANTAS/AFP; CÂMARA DOS DEPUTADOS; ALAN CHAVES/AFP PORTEIRA ABERTA Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara, que hoje é presidida pela deputada Carol de Toni (à esq.), aprovou a permissão de desmatamen­to em áreas não florestais e avalia liberar o garimpo em reservas

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