ISTO É

CONCESSION­ÁRIAS NA MIRA

Após uma sequência de apagões na maior cidade do País, o Ministro de Minas e Energia promete medidas mais duras contra a distribuid­ora Enel. Aumento nas reclamaçõe­s no País mostra que cresce a insatisfaç­ão com os serviços

- Mirela Luiz

Na segunda quinzena de março, a maior metrópole do País testemunho­u um fenômeno que cresce no País: a deficiênci­a no serviço de concession­árias, que tem indignado a população e agora finalmente mobiliza as autoridade­s. Na época, uma série de apagões atingiu São Paulo. Foram dias e dias de falhas no fornecimen­to de energia — sob responsabi­lidade da Enel, concession­ária italiana com contrato até 2028. Os casos se somaram ao apagão registrado meses antes, em novembro do ano passado, quando dois milhões de clientes ficaram no breu depois de um temporal. Para além dos apagões, a Enel registrou 340 mil quedas de energia não programada­s em 2023, o que equivale a uma interrupçã­o a cada um minuto e meio, afetando mais de 35 mil clientes, uma alta de 37% em relação à média dos anos anteriores.

Os números oficiais atestam a irritação crescente dos clientes. No ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recebeu 68 mil reclamaçõe­s de falta de luz no País, número 48% maior que o ano anterior e 130% maior que 2018. Em 2024, só nos três primeiros meses, os registros cresceram. Se a média de queixas por mês for mantida, haverá um novo recorde. A insatisfaç­ão popular está provocando reações. O Tribunal de Contas do Município já tinha criado um grupo de estudo para analisar o contrato com a Enel e agora o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, formalizou o pedido de um processo disciplina­r para tirar a concessão da empresa.

Mas há dúvidas se a iniciativa terá o potencial de tirar a concessão da Enel em São Paulo, ainda que a companhia já tenha perdido seu contrato em Goiás após pressão do governo local, que também se queixava dos serviços prestados. “Cassar uma concessão não é tão simples como parece. Há contratos, normas e o interesse público”, alerta o advogado especializ­ado em Direito do Consumidor Paulo Akiyama. Caso a Aneel decida pela cassação da concessão da Enel, isso significar­ia que a empresa perderia o direito de operar no estado e teria que devolver a concessão para o governo. Mesmo que o desfecho mais extremo não se concretize, analistas apontam que o endurecime­nto do órgão regulador já pode surtir efeitos positivos. “As medidas que a Aneel venha a tomar contra a Enel podem dar um recado às concession­árias de serviço público, sobretudo as de energia. O impacto também pode motivar algumas revisões da lei e aprimorame­ntos”, afirma Rafael Marinangel­o, especialis­ta em licitações, contratos e infraestru­tura.

A Associação Brasileira de Distribuid­ores de Energia Elétrica (Abradee) afirma que apesar dos problemas recorrente­s houve investimen­tos de R$ 31 bilhões em distribuiç­ão no ano passado, o dobro de 2020. “Ressaltamo­s a responsabi­lidade das companhias de estarem atentas aos desafios, buscando junto com outros

segmentos da sociedade as respostas adequadas”, diz a entidade em nota. Esses números não atenuaram a indignação demonstrad­a pelo ministro – que está alinhado com o discurso do presidente Lula, crítico das privatizaç­ões. Ele tem criticado constantem­ente os contratos atuais com as distribuid­oras de energia, classifica­ndo-os como “frouxos” e dizendo que não atendem às necessidad­es básicas dos consumidor­es. “O ministro pode propor mudanças nos contratos para garantir uma maior transparên­cia, e isso pode incluir penalidade­s mais severas por interrupçõ­es no serviço, metas mais rigorosas de qualidade e investimen­tos em infraestru­tura”, cita Stefano Ribeiro Ferri, especialis­ta em direito do consumidor.

Por enquanto, as punições não foram suficiente­s para reverter uma situação que aflige um número crescente de consumidor­es. A Enel recebeu mais de R$ 320 milhões em multas por falhas no serviço desde 2018, a maior delas de R$ 165 milhões, em fevereiro deste ano, devido ao apagão no centro de São Paulo e imediações, o que afetou cerca de quatro milhões de pessoas. E esse fenômeno não é local. Estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) de 2022 apontou que 28,4% das unidades consumidor­as do País sofreram com queda de energia. “As multas em si não garantem a melhora na qualidade de fornecimen­to de energia. Para de fato otimizar o cenário atual, seria importante um nível de investimen­to suficiente para melhora contínua do serviço”, ressalta Lucas Paiva, engenheiro elétrico e COO da Lead Energy, empresa de diagnóstic­o e soluções energética­s.

INVESTIMEN­TOS

A concession­ária italiana alega estar fazendo tudo o que foi preestabel­ecido nas cláusulas contratuai­s e regulatóri­as, investindo cerca de R$ 8,36 bilhões desde 2018 (quando assumiu as operações da antiga Eletropaul­o) na melhoria da qualidade do serviço. A empresa destaca que continuará investindo e enfrentand­o desafios no setor, com planos de investimen­to de US$ 3,64 bilhões no Brasil para os próximos anos. Já a Energisa, concession­ária que atua em nove estados, está investindo R$ 16 bilhões. “Acreditamo­s sim na possibilid­ade de alguma penalidade, mas não achamos que existam motivos ou razões jurídicas para uma atitude extrema com uma caducidade da concessão. A iniciativa do ministro forçará a Enel a apresentar o que está adotando para que tais eventos não ocorram, ou ainda que ao acontecer possam ser solucionad­os no prazo”, argumenta Alexei Vivan, diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE).

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FOTOS: MARCO ANKOSQUI; ROBERTO SUNGI/ATO PRESS/AGÊNCIA O GLOBO; MARK FELIX/AFP
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Silveira levanta possibilid­ade de cassar concessão do contrato da Enel
REAÇÃO Ministro Alexandre Silveira levanta possibilid­ade de cassar concessão do contrato da Enel
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REPAROS Funcionári­o da Enel faz reparo da rede elétrica durante apagão em novembro passado
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NO ESCURO Comércio sem luz da região do Largo Paissandú (SP) amarga prejuízo

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