Paul McCartney
McCartney III foi produzido durante o isolamento, com o ex-beatle tocando todos os instrumentos e fazendo todos os vocais
No isolamento, ex-beatle grava disco tocando todos os instrumentos e fazendo todos os vocais.
Do álbum McCartney para o McCartney II passaram-se dez anos. Do II para o McCartney III, 40 anos. Paul McCartney foi pioneiro no primeiro escalão da música pop, a gravar um álbum tocando todos os instrumentos e colocando todas as vozes. Curiosamente, a trinca foi feita enquanto ele vivia circunstâncias especiais. No primeiro, os Beatles rumavam ao final, e o álbum McCartney foi a gota d’água que faltava para a debandada. No segundo, tinha sido preso por posse de maconha no Japão, e dissolvera os Wings. Por fim, este terceiro foi realizado durante os meses iniciais da pandemia. Nenhum começou como um projeto de disco, comentou Paul McCartney em recente entrevista para a revista inglesa Uncut: “Em todos os três a intenção foi a de fazer música em casa, mas nunca com a intenção de um álbum. O McCartney III começou com um instrumental que criei para trilha de uma animação de meu amigo Geoff Dunbar, teria que ser feito logo, então entrei em estúdio, e comecei a terminar outras canções e a coisa foi indo”. O estúdio a que se refere fica na pequena propriedade rural, em Sussex, onde passando a pandemia com a mulher, e parte dos filhos.
É o seu passatempo preferido ir ao estúdio e mexer nos instrumentos, compor linhas de baixo, trechos de músicas, tocar coisas aleatórias: “Quando é um álbum de carreira, comercial, ou lá que nome chamem, aí é menos divertido. Mas gravando por curtição dá prazer, e não tem pressão, fico tirando onda, como aconteceu com McCartney e McCartney II. Eu sou o professor Pardal fazendo experiências em seu laboratório”.
Ele costumava gravar ideias que lhe surgem num iPhone. Mas lhe chegam tantas, todas gravadas, que não tinha tempo de ouvir tudo, o que finalmente conseguiu fazer durante o lockdown. Selecionou um lote de canções incompletas e passou a trabalhar nelas. Veio basicamente daí o repertório de McCartney III. Uma exceção é When Winter Comes, uma das faixas do álbum que mais se aproximam do que poderia ser uma música para os Beatles. É de 1992, e foi produzida por George Martin.
McCartney revela que até hoje consulta John Lennon quando está compondo. Toca um trecho da música como se estivesse amostrando a John, e pensando no que ele diria. Na citada entrevista, concedida em outubro, conta que no dia anterior, estava trabalhando numa música. “Consultou” Lennon. Os vocais não estavam bons. Ele os refez, e a música tomou outro rumo.
Cinquenta anos atrás, quando lançou McCartney, Paul foi impiedosamente malhado pela crítica. Foi seu trabalho mais polêmico, porque ele se recusou a lançá-lo depois de Let it Be, que seria o derradeiro álbum dos Beatles. Os integrantes da banda, executivos da EMI não conseguiram demovê-lo a postergar o lançamento, para não atrapalhar as vendas do álbum dos Beatles. Ele irritou também a crítica. Maybe I’m Amazed foi a única faixa elogiada. As resenhas baseavam-se mais na expectativa de quem escreveu sobre o álbum. Para os críticos a medida era os Beatles. E McCartney é um trabalho sem pretensões, com algumas faixas curtinhas, quase vinhetas, sem os arranjos complexos, nem com o trabalho dos engenheiros de som de Abbey Road.
Quarenta anos atrás, o McCartney II teve melhor acolhida, inclusive de Lennon, que começava a trabalhar no que seria seu último álbum. Lennon elogiou particularmente Coming Up ,o hit do disco de Paul, que emplacou também Temporary Secretary, uma incursão pelo pop eletrônico, que se tornou uma das preferidas das pistas. McCartney III fica a meio caminho da despretensão de McCartney e do burilamento de McCartney II.