Jornal do Commercio

Em eleição “de esquerda”, discurso de esquerda foi escondido.

- Igor Maciel

A vitória de João Campos (PSB), no Recife, é um capítulo importante da derrota da esquerda no Brasil nesta eleição. Estranho dizer isso, quando duas chapas de esquerda passam ao segundo turno e uma delas vence com quase 100 mil votos de diferença. A armadilha é, exatamente, acreditar que a esquerda venceu quando o “discurso de esquerda” foi pra debaixo do tapete. Porque o segredo da vitória na disputa estava nos números do primeiro turno.

Lembremos o resultado somado de todos os candidatos à direita na primeira fase da eleição do Recife. Juntos, eles tinham 340 mil votos. Venceria, entre João e Marília, quem alcançasse o maior número de eleitores entre os conservado­res, de centro-direita e direita. O PSB foi muito mais competente.

Tanto que, faltando poucos dias para a votação, pesquisas apontavam que, em projeções de votos válidos, Campos tinha a preferênci­a de 74% dos eleitores de primeiro turno da Delegada Patrícia (Podemos), bolsonaris­ta, e 55% dos eleitores de Mendonça Filho (DEM). Marília Arraes (PT) tinha 26% e 45%, respectiva­mente. Campos também alcançou diferença expressiva na preferênci­a de eleitores evangélico­s, conservado­res.

Para fazer isso, entretanto, ele utilizou-se do sentimento antipetist­a e anticorrup­ção que elegeu Bolsonaro em 2018 e investiu na pauta de costumes, para tirar os eleitores evangélico­s de Marília. Ao ponto de tentar fazer com que a adversária falasse sobre a pauta LGBT+ em um debate, sabendo que ela perderia votos. Quando o próprio PSB tem até página oficial sobre o movimento, o “LGBT Socialista”.

O jogo foi baixo em alguns momentos. O método é discutível do ponto de vista ético e moral. Inclusive, pelas informaçõe­s falsas que foram divulgadas em portas de igrejas e que o PSB jura não ter tido nenhuma participaç­ão.

Ao reavivar esses sentimento­s, fortaleceu-se a pauta contra a própria esquerda que, terminada a eleição, os socialista­s pernambuca­nos voltarão a defender como se nunca tivessem flertado com os conservado­res antes. Aliás, como fizeram no passado.

Foi assim quando o PSB apoiou Aécio Neves (PSDB) em 2014 e foi assim quando apoiou o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), para depois fazer o “L” de “Lula Livre” ao precisar do PT em 2018.

Mas, como disse um socialista em reserva, após o resultado de ontem, “a eleição era pra prefeito, não pra santo”.

O Recife é um capítulo interessan­te e essencial dessa derrota de toda a esquerda brasileira, porque, aqui, a esquerda foi algoz também. Mas é apenas um reflexo do que aconteceu no restante do país. O PSB no Recife agiu com espírito de “sobreviven­te”. Basta olhar para os partidos que mais cresceram e os que não cresceram nessa eleição.

O DEM foi o que mais avançou positivame­nte, conseguiu 198 municípios a mais do que em 2016 e vai comandar 464 prefeitura­s. Depois do DEM, quem mais ganhou espaço na política nacional através dos municípios foi o PP, que venceu em 190 cidades a mais do que em 2016. O PSD ganhou 114 prefeitura­s. São todos partidos de centro-direita.

Na esquerda é outra história.

O PT, que já tinha perdido 376 municípios entre 2012 e 2016, agora perdeu mais 71. Ficaram, pela primeira vez, sem comandar nenhuma capital. Agora, têm apenas 183 prefeitos eleitos. E não é um caso isolado.

O PCdoB caiu de 80 para 46 municípios. O PV caiu de 98 para 47 prefeitos. O PDT perdeu 17 prefeitura­s, foi o menos afetado.

O PSB venceu aqui porque percebeu esse movimento e virou, por duas semanas completas, um orgulhoso partido de centro-direita, conservado­r. Percebeu que já tinha os votos da esquerda e não adiantaria brigar por eles com Marília.

O mesmo não pode ser dito sobre o desempenho dos socialista­s no resto do país. O resultado foi muito, muito ruim.

Na esquerda, o PSB foi a sigla que mais perdeu prefeitura­s em todo o Brasil. A queda já começou entre 2012 e 2016, quando caiu de 434 para 403 cidades. Agora, o baque foi ainda maior, os socialista­s perderam 151 prefeitura­s em 2020 e governarão em 252 municípios.

Conquistar o Recife era caso de vida ou morte. A verdade é que, desde o acidente com Eduardo Campos, a sigla teve muitas dificuldad­es e, em muitos momentos, pareceu perdida. O drible de identidade que se deu no Recife não tem como salvar toda a esquerda em outros cantos do país. Difícil dizer até se terá como salvar o PSB pernambuca­no, que também encolheu, no futuro próximo.

O PDT, que iniciou 2019 falando em “frente de esquerda” e entrou em 2020 falando em “frente ampla”, já começou a fazer movimentos em direção ao DEM. A parceria dos dois partidos em Salvador e em Fortaleza é exitosa e Ciro Gomes (PDT) faz questão de elogiar o presidente do DEM, ACM Neto, sempre que pode, de olho em parcerias para 2022.

A esquerda está minguando, mas cada um se vira como pode. Os movimentos são curiosos. Ciro busca a sobrevivên­cia por alianças. O PSB tenta sobreviver mudando de pele. O PT é o único que não tenta sobreviver, porque acredita que não está morrendo. E isso só agrava a doença.

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