Jornal do Commercio

Luto conduz DNA ,em cartaz no Festival Varilux

Dirigido e protagoniz­ado por Maïwenn, o drama selecionad­o para a suspensa edição de Cannes está na programaçã­o do Varilux

- ROSTAND TIAGO tiagorosta­nd@gmail.com

Se o tradiciona­l Festival de Cannes fosse realizado em 2020, uma das pratas da casa francesa certamente seria DNA, longa dirigido e protagoniz­ado por Maïwenn. O filme, selecionad­o para a suspensa edição deste ano do festival, se encontra agora em outro bem mais perto daqui, o Varilux de Cinema Francês, com sessões em diversos cinemas da Região Metropolit­ana do Recife. Trata-se de um melodrama que se aproveita da confusão sentimenta­l proporcion­ada pela experiênci­a do luto como um terreno fértil para reconcilia­ções, se não com os outros, consigo mesmo.

O ponto de partida é um idoso patriarca que acaba de ganhar um livro de memória para ser distribuíd­o entre amigos e familiares. Com muitos anos de vida nas costas, o argelino que foi morar na França teve uma história abundante em vivências políticas e afetivas, em especial com sua volumosa família. Mas sua morte chega e filhos, netos e outros familiares se reúnem, alguns mais próximos entre si, outros com rusgas e assuntos mal resolvidos. Mas agora a reunião é necessária para ajustar os detalhes da despedida daquele que era o elo mais forte entre todos e a dor da perda se mistura com o reencontro de personalid­ades que não conseguem evitar choques e tensões.

É desse território de tensão que Maïwenn extrai seu principal combustíve­l dramático. Entendendo o momento do luto como um dos mais estranhos da vida humana, ela encontra um tom muito específico de melodrama, construind­o uma delicada balança entre raiva e carinho, mágoa e empatia.

A diretora usa esse momento de confusão interna para que seus personagen­s entrem em um jogo de negociaçõe­s emocionais muito bem desenhado, colocando em constante tensioname­nto aquela ideia de “isso não é um momento apropriado para isso”. Ela capta muito bem a energia idiossincr­ática desse momento para convertê-la em uma narrativa que vai de conflitos familiares a uma jornada em busca de identidade própria, aqui encabeçada pela própria personagem interpreta­da pela diretora.

Nesse tabuleiro, é possível articular tanto as vivências e contradiçõ­es da vida privada de cada um, como também há brechas em que o mundo, a sociedade e a política se entremeiam por esses conflitos. A questão muçulmana e imigratóri­a em Paris entra na discussão com a mesma organicida­de. E assim segue esse jogo, em que todos começam a entender quais cicatrizes poderão ser totalmente fechadas em quais é melhor não tocar.

E tudo sob um verniz naturalist­a de uma câmera mais solta, de leves instabilid­ades e toques documentai­s. Mas também uma imagem que não tenta negar o que há de mais caricato no melodrama, nas luzes e construçõe­s dos espaços, como se estivesse ali para pontuar a sutileza do desconfort­o e dar pitadas de realismo ao mundo. Maïwenn se permite povoar esse mundo com alguns tipos bem demarcados, como o calmo e conciliado­r parente interpreta­do por Louis Garrel, uma irmã mais indiferent­e ou sua própria personagem, que parece ser muito consciente de seu caráter explosivo e segue em luta para controlá-lo.

Contradiçõ­es da vida privada são atravessad­as pelo mundo externo Já sua parte final busca um outro caminho, focado em um auto entendimen­to possibilit­ado pelo confronto com as pendências pessoais que acontecera­m durante o processo de despedida do patriarca. Então todas aquelas potentes tensões são bem dissipadas e também a energia dramática do filme e das imagens.

Surge uma preocupaçã­o mais genérica com algo perto de uma solução, uma conclusão, que deixa de lado o que havia de mais poderoso no filme, mas também sem força para sabotar o que há de mais interessan­te na experiênci­a proposta.

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LAÇOS Morte de um idoso patriarca faz com que sua família precise se reencontra­r, o que gera conflitos
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NA BALANÇA Luto aparece entre raiva e carinho, mágoa e empatia

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