Luto conduz DNA ,em cartaz no Festival Varilux
Dirigido e protagonizado por Maïwenn, o drama selecionado para a suspensa edição de Cannes está na programação do Varilux
Se o tradicional Festival de Cannes fosse realizado em 2020, uma das pratas da casa francesa certamente seria DNA, longa dirigido e protagonizado por Maïwenn. O filme, selecionado para a suspensa edição deste ano do festival, se encontra agora em outro bem mais perto daqui, o Varilux de Cinema Francês, com sessões em diversos cinemas da Região Metropolitana do Recife. Trata-se de um melodrama que se aproveita da confusão sentimental proporcionada pela experiência do luto como um terreno fértil para reconciliações, se não com os outros, consigo mesmo.
O ponto de partida é um idoso patriarca que acaba de ganhar um livro de memória para ser distribuído entre amigos e familiares. Com muitos anos de vida nas costas, o argelino que foi morar na França teve uma história abundante em vivências políticas e afetivas, em especial com sua volumosa família. Mas sua morte chega e filhos, netos e outros familiares se reúnem, alguns mais próximos entre si, outros com rusgas e assuntos mal resolvidos. Mas agora a reunião é necessária para ajustar os detalhes da despedida daquele que era o elo mais forte entre todos e a dor da perda se mistura com o reencontro de personalidades que não conseguem evitar choques e tensões.
É desse território de tensão que Maïwenn extrai seu principal combustível dramático. Entendendo o momento do luto como um dos mais estranhos da vida humana, ela encontra um tom muito específico de melodrama, construindo uma delicada balança entre raiva e carinho, mágoa e empatia.
A diretora usa esse momento de confusão interna para que seus personagens entrem em um jogo de negociações emocionais muito bem desenhado, colocando em constante tensionamento aquela ideia de “isso não é um momento apropriado para isso”. Ela capta muito bem a energia idiossincrática desse momento para convertê-la em uma narrativa que vai de conflitos familiares a uma jornada em busca de identidade própria, aqui encabeçada pela própria personagem interpretada pela diretora.
Nesse tabuleiro, é possível articular tanto as vivências e contradições da vida privada de cada um, como também há brechas em que o mundo, a sociedade e a política se entremeiam por esses conflitos. A questão muçulmana e imigratória em Paris entra na discussão com a mesma organicidade. E assim segue esse jogo, em que todos começam a entender quais cicatrizes poderão ser totalmente fechadas em quais é melhor não tocar.
E tudo sob um verniz naturalista de uma câmera mais solta, de leves instabilidades e toques documentais. Mas também uma imagem que não tenta negar o que há de mais caricato no melodrama, nas luzes e construções dos espaços, como se estivesse ali para pontuar a sutileza do desconforto e dar pitadas de realismo ao mundo. Maïwenn se permite povoar esse mundo com alguns tipos bem demarcados, como o calmo e conciliador parente interpretado por Louis Garrel, uma irmã mais indiferente ou sua própria personagem, que parece ser muito consciente de seu caráter explosivo e segue em luta para controlá-lo.
Contradições da vida privada são atravessadas pelo mundo externo Já sua parte final busca um outro caminho, focado em um auto entendimento possibilitado pelo confronto com as pendências pessoais que aconteceram durante o processo de despedida do patriarca. Então todas aquelas potentes tensões são bem dissipadas e também a energia dramática do filme e das imagens.
Surge uma preocupação mais genérica com algo perto de uma solução, uma conclusão, que deixa de lado o que havia de mais poderoso no filme, mas também sem força para sabotar o que há de mais interessante na experiência proposta.