Quem faz da cultura um ofício
LIVRO Pesquisadora pernambucana investiga composições, estruturas e tensões do trabalho cultural no Brasil em entrevistas com 22 artistas
Ao iniciar as pesquisas que resultariam em sua tese de doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, a professora pernambucana Amanda Coutinho vinha de um mestrado no qual discutia os caminhos do financiamento à cultura no Brasil. No passo seguinte, propôs entender as configurações e especificidades que permeiam e permitem o trabalho cultural por aqui. O resultado do estudo chega agora compilado no livro Trabalhadores da Cultura (ed. Brazil Publishing, 262 pgs.), que reúne, junto às análises de Amanda, entrevistas com 22 artistas, ouvidos no Recife e em São Paulo capital.
Amanda conta que ao mergulhar na linha histórica das políticas públicas brasileiras, se deparou com o presente submerso em uma realidade neoliberal, em que leis de incentivo, como a Rouanet, têm uma articulação de fomento limitada, focada apenas em mecenato, por exemplo. “Isso precariza esse tipo de trabalho e desemboca, muitas vezes, em um empreendedorismo forçado”, aponta em entrevista ao JC.
Para entender melhor como isso se dá na prática cotidiana, ouviu artistas que se encaixam na realidade da independência, o que fez com que precisasse estabelecer esta definição, tão remodulada nas últimas décadas. “Se pegarmos o primeiro critério mais óbvio, considerando os artistas da música, temos os que não possuem contrato com manager, mas aí entramos em grandes capitais nacionais, não faria sentido, é um conceito muito anos 1990. Passamos a entender o artista independente, então, como aquele que é autônomo, que consegue circular sem contrato com gravadora ou distribuidora, a não ser aquele que tem a sua própria. Costumo dizer que o independente depende de muitas coisas, parcerias, editais. Como eu pretendia entender o empreendedorismo cultural, como ele se comporta, essa categoria acabou sendo muito elucidativa”, explica Amanda.
Nesse sentido, compreendeu que em São Paulo a linguagem do mecenato, do empreendedorismo e da lida com editais, por exemplo, é mais sedimentada e facilitada pelo acesso a cursos de gestão e produção. Outro ponto de vantagem em relação ao Recife e outras regiões é a quantidade considerável de casas noturnas e ambientes de apresentação, o que faz com que, do ponto de vista mercadológico, os artistas consigam alimentar sua cadeia de atividades quase que paralelamente ao estado.
“Aqui a gente não tem tantos editais, sobretudo federais, há mais financiamentos diretos, que são bons até certo ponto. Também são poucas as casas de shows, não fazemos bilheteria, então caímos em gargalos que ficaram bem evidenciados nas falas dos artistas, a necessidade de descentralizar esse financiamento”, conta.
Entre as críticas citadas por Amanda, as mais recorrentes são sobre a diferença de tratamento em relação aos artistas, principalmente os do interior de Pernambuco. O valor dos cachês - menor para quem está longe da capital - foi queixa frequente. Outro tópico relacionado à dinâmica das políticas públicas que, segundo os entrevistados, precisa ser revisto é a grande ausência de continuidade e desdobramentos. Um músico que teve a produção do CD custeada por um edital nem sempre consegue apoio para divulgação e circulação da obra.
“Vínhamos avançando na perspectiva de cultura como aspecto não meramente recreativo, mas como de constituição da nossa sociedade. Isso muda a partir de quando Michel Temer anuncia o encerramento do Ministério da Cultura”, observa. A pesquisadora ressalta como caminhos a reivindicação de representatividade no estado, o diálogo sobre transversalidades e a prática de se pensar cultura a partir dos municípios, assuntos destrinchados por ela no texto Cultura e o capitalismo de crise permanente, para o Le Monde diplomatique Brasil.
Trabalhadores da Cultura está à venda em formato físico (R$ 34) e e-book (R$ 17) em aeditora. com.br/produto/trabalhadores-da-cultura/. Em dezembro, será disponibilizado para download gratuito também no site da editora.