Falta de detalhes é desafio
Oprograma Crédito Popular do Recife, que poderá conceder empréstimos de até 3 mil reais, beneficiando 10 mil empreendedores por ano, é visto como uma iniciativa positiva diante do grave cenário econômico causado pela pandemia. No entanto, especialistas ouvidos pelo fazem ponderações sobre a falta de clareza do Projeto Lei Nº 002/2021 em relação aos critérios e operacionalização do programa, a exemplo da taxa de juros, prazos para pagamento e acesso aos créditos.
“O Projeto de Lei é bem preliminar sobre como o programa vai funcionar. Esses dados de taxa de juros, valor máximo do financiamento, número de pessoas atendidas, como será feito o processo de seleção, ainda vão ser regulamentados”, destaca o gerente da Unidade de Ambiente de Negócios e Alianças Estratégicas do Sebrae-PE, Fernando Clímaco.
Conforme anunciado pela prefeitura, o programa não tem restrição para pessoas que não possuem o registro de Microempreendedor Individual (MEI) e nem para as que estão negativadas. Além disso, o projeto elenca grupos prioritários para a concessão do recurso: mulheres e jovens (de 18 a 29 anos). “O interessante neste caso é casar a iniciativa do microcrédito com preparo de qualificação e estímulo para que eles compreendam o valor da formalização”, explica Clímaco.
O presidente da Federação das Associações de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte de Pernambuco (Femicro-PE), José Tarcísio da Silva, também pontua a necessidade de ter regras claras que sejam direcionadas para o público que atua dentro da economia formal ou informal”. “Essas pessoas precisam ter condições de ingressar nesse mercado, estar legal, poder emitir nota fiscal. Porque a pessoa física não pode emitir, ela tem limitações. Se existe a instituição do MEI, nada melhor do que ingressar e ter a proteção do Estado”, afirma Tarcísio.
Outro ponto elencado foi sobre a taxa de juros a 0,99%, que não consta no PL porque deverá ser regulamentada por decreto. Especialistas alertam que mesmo sendo uma taxa subsidiada ou baixa, o programa se trata de um empréstimo. “Muitas empresas estão endividadas, outras prestes a fechar, mas estamos falando de crédito, tem que ser pago. Esse é mais um instrumento de apoio aos pequenos negócios em uma cidade que tem forte desigualdade e um número grande de microempreendedores”, avalia o economista Jorge Jatobá.
A definição da taxa de juros também leva em consideração as normas de mercado. Por isso, ao ser fixada por decreto, existem implicações técnicas sobre como os parceiros do mercado financeiro vão atuar para viabilizar essa taxa menor e os prazos para pagamento. “Nós temos que esperar para enxergar no decreto quais serão os detalhamentos porque existem regras e normas de mercado a serem observados”, afirma Fernando Clímaco.
FUNDO
A proposta determina a reativação do Fundo Municipal de Fomento ao Empreendedorismo, o Recife Acredita, que já tinha sido instituído por lei em 2014. Esse fundo tem por finalidade a captação centralizada e aplicação de reais é o valor que a prefeitura promete ofertar de crédito para quem participar do programa. Mulheres e jovens têm prioridade empreendedores por ano devem ser atendidos anualmente pelo Crédito Popular, segundo o município recursos orçamentários e financeiros relacionados a implantação e o desenvolvimento do Crédito Popular.
Para o presidente da Femicro, José Tarcísio, a reativação desse fundo é importante, porque ele criou uma expectativa no primeiro ano de gestão do ex-prefeito Geraldo Julio (PSB), mas não chegou a ser operacionalizado. “Esse era um dos anseios do segmento, então é louvável que esse fundo seja tirado do papel. O recurso é necessário, não tenho a menor dúvida, porque o número de empreendedores individuais é muito grande no Estado e são eles que estão mantendo a economia”, declara Tarcísio.
Inicialmente, serão investidos R$ 16,8 milhões no primeiro ano de execução do programa. Para Jorge Jatobá, esse recurso orçamentário seria pouco. “É o começo, acho que isso deverá ser calibrado à medida que o programa for bem sucedido”, afirma. Ele lembra, porém, que os riscos de inadimplência são altos devido a imprevisibilidade nos próximos meses com a pandemia.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Rafael Dubeux, a espectativa é que a inadimplência gire em torno de 3%. Entre os estímulos apresentados pela gestão, está o aval solidário. A prática não é incomum, mas Jatobá ressalta que existe um fator de risco considerável neste modelo. “Se trata de uma empresa assumir o risco por outra empresa, que também pode ter dificuldades de honrar seus próprios compromissos. É um experimento que nós torcemos para que dê certo”, afirma.
O projeto do Crédito Popular já foi encaminhado para a Câmara em regime de urgência e, para dar ainda mais celeridade a sua tramitação, a Casa aprovou a dispensa de prazo para apresentação de emendas. Ontem mesmo, o texto já foi aprovado pela Comissão de Finanças e Orçamento; antes de ser analisado pelo colegiado de Constituição e Justiça (CLJ). O projeto deve ser votado no plenário na próxima segunda.
O pedido de dispensa de prazo foi feito pelo líder do governo, Samuel Salazar (MDB). Para ser aprovado, ele precisava do apoio de 3/5 dos líderes partidários. Foram 10 votos favoráveis, vindos dos partidos do governo: PSB, PP, Avante, PCdoB, Solidariedade, MDB, Pros, PRTB, PSL e Republicanos. Contra a dispensa, votaram cinco líderes: Felipe Alecrim (PSC), Júnior Tércio (Podemos), Alcides Cardoso (DEM), Liana Cirne (PT) e Ivan Moraes (PSOL).
“Do jeito que está, é uma carta branca para o prefeito”, disse Ivan Moraes. “O bloco que eu represento vai se reunir esta semana, mas também estamos conversando com PT e PSOL que se mostrou muito disposto a apresentar emendas”, afirmou Renato Antunes.
A matéria seria analisada ainda ontem na CLJ, mas acabou sendo retirada de pauta após acordo com a oposição. O regime de urgência possibilita, entre outros pontos, que o projeto só receba emendas do relator de cada comissão. A relatoria na CLJ ainda não foi definida. A Comissão de Desenvolvimento Econômico escolheu o vereador Zé Neto (Pros) como relator.
Durante a reunião da Comissão de Finanças, Renato Antunes chegou a pedir o adiamento da discussão do projeto, mas não foi atendido, mas o parecer do relator Marco Aurélio Filho (PRTB) foi aprovado por unanimidade.
Muitas empresas estão endividadas, outras prestes a fechar. Mas estamos falando de crédito, tem que ser pago”, diz Jorge Jatobá, que vê risco de inadimplência por causa da pandemia
Salazar apressou o projeto, que já estava em urgência
Renato disse se comprometer a dar celeridade ao projeto, mas pediu mais alguns dias para discuti-lo. Ele apontou algumas inconsistências, segundo ele, tanto no âmbito constitucional como de mérito, este último analisado pela comissão de Finanças.
“A gente está autorizando a prefeitura a contratar operação de crédito. ou seja, a prefeitura vai pedir emprestado para empresar. É como se fosse uma terceirização”, disse Antunes. O relator Marco Aurélio Filho rebateu afirmando que a prefeitura, enquanto ente público, consegue ter acesso a um grande montante de recursos com facilidades maiores do que cada microempresários.
Liana Cirne também questionou o fato de que os agentes financeiros que operacionalizarem o dinheiro vão ser remunerados “em forma de parcerias justas, levando-se em conta os resultados de inclusão produtiva e geração de renda”. A petista considera o texto vago e “temerário” por não criar parâmetros para esta remuneração. Marco Aurélio Filho, por sua vez, explicou que essa prática de captação de recursos é comum na Europa. “Muitas vezes a gente não entende porque a gente não tem muitos casos e nem tem muita proximidade com esse tipo de operação”, afirmou.