“PEC da impunidade” votada hoje
Projeto dificulta prisão de parlamentares, como ocorreu com Daniel Silveira.
Apesar da tentativa da maioria, uma falta de acordo levou a Câmara Federal a adiar para hoje a votação da PEC da Imunidade Parlamentar, que pode dificultar a possibilidade de prisão de parlamentares, como aconteceu com o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso em flagrante por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Às 23h de ontem, os líderes partidários não conseguiam chegar a um consenso sobre o texto.
O principal ponto de discordância agora é o trecho que dava ao Conselho de Ética da Casa a exclusividade para discutir a punição de deputados por condutas relacionadas a opiniões, palavras e votos. A relatora Margarete Coelho (PP-PI) queria retirar o trecho para tentar chegar a um acordo com o PT, maior bancada da Casa, que permitisse a votação da proposta. Mas o PSL resistiu a alteração.
Na noite de ontem, a Câmara conseguiu avançar no texto, derrotando as emendas individuais dos parlamentares, o que deixava o texto principal pronto para ser votado. Mas como apenas cerca de 460 participavam da votação, havia o risco adicional que o plenário não conseguisse o quórum suficiente para aprovar a matéria. A previsão agora é que a Câmara vote a PEC ainda hoje, em primeira e segunda discussão.
A medida, que blinda parlamentares ao limitar situações em que podem ser presos e proibir o afastamento do mandato por ordem judicial, é uma reação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Antes do início da votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrou respeito à decisão do Legislativo e rejeitou o carimbo de “impunidade” com o qual a PEC foi rotulada.
Lira avisou, ainda, que não aceitará críticas de magistrados ao texto. Nos bastidores, integrantes do Supremo entraram em campo para articular mudanças no texto, mas a versão final ainda enfrenta forte resistência da Corte. “Não vejo onde o Legislativo esteja ofendendo outro Poder. Espero que o STF tenha um posicionamento constitucional firme”, disse ele.
Pela segunda vez consecutiva, Lira se ausentou da votação, o que provocou ataques nas redes sociais, sob o argumento de que precisava viajar para São Paulo, e deixou a condução do plenário nas mãos do vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
A proposta discutida na Câmara foi uma resposta corporativista ao que deputados consideraram uma intervenção do STF, que, por 11 votos a 0, referendou a prisão de Silveira, determinada no dia 16 pelo ministro da Corte Alexandre de Moraes. O deputado bolsonarista foi preso por divulgar um vídeo no qual ofendeu ministros da Corte, incitou a violência e fez a apologia da ditadura militar. A Câmara não afrontou a decisão unânime do STF e confirmou a prisão, mas logo em seguida Lira articulou forte reação.
Em conversas na residência oficial da presidência da Câmara e no seu gabinete, Lira e o grupo que o ajudou a se eleger para o comando da Casa decidiram que a PEC era uma forma de dar um “basta” no Supremo sob o risco de outros deputados acabarem presos por ordem de Alexandre de Moraes.
O combinado era que o revide seria a aprovação da PEC, mas, caso o Supremo interfira numa decisão do Congresso, o contra-ataque será turbinado com a aprovação de medidas que atinjam a Corte e também privilégios do Judiciário. Nos encontros que marcaram as últimas 24 horas em Brasília, deputados diziam que a Câmara não será um “puxadinho do Planalto, nem do Supremo”.
DESIDRATAÇÃO Resistências no Congresso e recados de reprovação vindos do Supremo levaram a mudanças na PEC, que acabou tendo alguns trechos desidratados após acordo entre líderes de partidos. “É uma reação do Congresso para tentar dar alguma coerência ao sistema. Não estou dizendo que a PEC é boa, mas o debate tem de ser feito”, disse o ministro do STF Gilmar Mendes.
A PEC perdeu, por exemplo, dispositivos que estabeleciam o duplo grau de jurisdição em Cortes Superiores e na Justiça Eleitoral. Os trechos atingiam a aplicação da Lei da Ficha Limpa e previam mais possibilidades de recursos em processos julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo. Também ficou de fora da PEC a ideia de unificar as imunidades parlamentares, estendendo as prerrogativas federais aos deputados estaduais e distritais.
A principal mudança, no entanto, foi relativa aos crimes inafiançáveis. O texto substitutivo diz que deputados e senadores só poderão ser presos por crimes definidos assim “por sua natureza, na forma da lei”. “Não pode haver interpretação elástica do que é crime inafiançável”, disse a deputada Margarete Coelho, aliada de Lira.
Na prática, a intenção é restringir as chances de prisão aos crimes que estão previstos na Constituição e no Código de Processo Penal, como por exemplo racismo, tortura, terrorismo, crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes e ação de grupos armados contra a ordem constitucional. O texto original impediria, no entanto, a prisão de Silveira por divulgar vídeo com ameaças aos ministros do STF.
Durante uma transmissão ao vivo pelas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro procurou se desvencilhar da polêmica. “O pessoal não gostou de alguns artigos dessa PEC, começa a atirar e fala que minha família vai ter proveito próprio em cima disso”, protestou o chefe do Executivo. “Não tenho conhecimento dessa PEC. São uns 30 mil projetos tramitando no Congresso. Não tem como eu saber tudo o que acontece lá”, afirmou.
Aqui, no Senado, ou em qualquer esfera, os representantes do Poder Legislativo precisam exercer a delegação que o povo lhes confiou com independência e com autonomia. A vida mostra que a subtração dos poderes e das prerrogativas do Legislativo ocorrem com frequência no Brasil”, afirmou ontem o deputado federal Renildo Calheiros, líder do PCdoB
Não tem como se arrepender do voto da semana passada. A Câmara decidiu que a inviolabilidade da fala do deputado não é plena, não é total, com relação principalmente aos princípios democráticos. Não será plena quando for contra a democracia”, afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criticado por se ausentar da votação pela segunda vez