Jornal do Commercio

Democracia tutelada

- JULIANO DOMINGUES

Ogeneral Vilas Boas errou a conta. O ministro Edson Fachin não está três anos atrasado, mas três décadas – e isso não é uma ironia. Esse episódio civil-militar e o tom de chacota com que ele foi interpreta­do reforça o quanto é frágil a tese da democracia consolidad­a no Brasil.

A história desse caso começou em 2018, às vésperas do julgamento de um habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal (STF). Foi quando o general Villas Boas publicou no Twitter uma pergunta que ganhou status de pressão sobre os ministros.

Em fevereiro deste ano, o assunto voltou à tona por ocasião do lançamento de um livro da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em que o militar admitiu ter concebido aquele texto com integrante­s do Alto Comando. O ministro Fachin disse ser inaceitáve­l esse comportame­nto, declaração que Villas Boas comentou com ironia: “3 anos depois”.

Fachin, porém, não está atrasado sozinho, ao contrário. Durante anos, parcela majoritári­a das ciências sociais, da mídia e de líderes políticos fomentou a tese segundo a qual as instituiçõ­es democrátic­as do país caminhavam em direção à estabilida­de política típica de democracia­s robustas. Não haveria qualquer ameaça verde-oliva, pois os militares estavam disciplina­rmente nos quartéis ou envoltos em seus pijamas, e a frase “as instituiçõ­es estão funcionand­o” se tornou carta na manga para interditar o debate.

A realidade encarregou-se de demonstrar o quanto havia de wishful thinking nessa argumentaç­ão. Isso porque as evidências em contrário sempre estiveram lá, tanto que foram coletadas, sistematiz­adas e interpreta­das pelo professor Jorge

Zaverucha, cuja investigaç­ão constata a incapacida­de histórica do sistema político controlar democratic­amente os militares no Brasil.

Os surpresos diante do episódio Fachin-Villas Boas devem desconhece­r os livros “Rumor de Sabres”, “Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares” e “FHC, forças armadas e polícia: entre o autoritari­smo e a democracia”. Vale correr atrás dessa leitura e tirar o atraso.

O episódio Fachin-Villas Boas não é, portanto, um caso isolado nem essa história começou em 2018. Ela é uma espécie de síntese da Nova República, marcada pela fragilidad­e, entre tantas outras, de um pré-requisito básico ao funcioname­nto de regimes democrátic­os estáveis: o controle civil sobre militares.

Isso se chama democracia tutelada.

Juliano Domingues, cientista político, é professor da Unicap.

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