Eliminação para além do reality
Rejeição a Karol Conká levanta discussões Em um mês, artista passou de ícone de empoderamento ao posto de inimiga número um do Brasil
Aideia do Big Brother Brasil como um termômetro da sociedade brasileira não é absoluta, mas tem fundamento. Na casa mais vigiada do País, indivíduos lutam pela aprovação do público em busca de um prêmio milionário e fama — no caso de alguns, ainda mais fama. A cada edição, novas polêmicas e pautas sociais são levantadas a partir do entrosamento (ou não) dos participantes e das dinâmicas do reality show. Neste ano, talvez a grande pauta seja, de fato, o cancelamento, como mostraram as mobilizações para as saídas de Nego Di e Karol Conká, que deixaram a competição com recordes de rejeição (98,76% e 99,17%, respectivamente).
No caso da rapper curitibana, a participação no BBB21, que poderia potencializar o alcance de uma carreira aclamada, transformou-se em uma crise de imagem como poucas vezes pudemos acompanhar. Com comportamentos considerados abusivos e preconceituosos, a artista minou uma imagem solidamente construída ao longo da última década. Antes vista como um ícone do empoderamento e uma voz ativa na luta feminista e antirracista, ela se tornou, em um mês, a inimiga número um do Brasil.
Durante o programa, a artista perdeu mais de 600 mil seguidores no Instagram, teve sua participação cancelada em festivais, como o Rec-Beat e o Rock The Mountain, e foi alvo de ataques constantes na internet, acusada de xenofobia, de promover tortura psicológica e de criar um ambiente tóxico no reality show.
Ainda que o BBB seja um programa que, anualmente, transforma pessoas em arquétipos, como mocinhos e vilões (e as “plantas”, isentos, entre eles), não houve em outras edições mobilização contra outro participante vilanesco como a que ocorreu a Karol Conká. Extremamente equivocada dentro do jogo, a artista precisa ser cobrada por suas atitudes e, inclusive, ser responsabilizada por elas, mas as reações à sua persona pública revelam, também, muito do público.
A cultura do cancelamento, ao mesmo tempo em que aparenta buscar algum tipo de justiça diante de ações dignas de repúdio, parece promover também um efeito de gozo coletivo na queda do outro. Acaba, não raro, dispersando a motivação: ao invés de uma cobrança pelos atos e por melhorias, faz-se um linchamento — ainda que virtualmente. Não foram poucos os comentários racistas e misóginos direcionados a Karol. De supostos justiceiros, muitos se tornam carrascos, repetindo os erros que supostamente tentam condenar.
Como parte do jogo, a eliminação com rejeição recorde é um mecanismo plausível, uma resposta à sua postura reprovável. Mas, o que se testemunhou nos dias anteriores à sua saída preocupou até os seus maiores críticos. Famosos como Neymar, Marília Mendonça e Anitta (eles mesmos já cancelados muitas vezes) pediram que os ataques à rapper cessassem após sua eliminação.
Fora da casa desde a última terça-feira (23), Karol Conká tem feito uma peregrinação por programas, como o Mais Você, confessando pecados, reiterando pedidos de desculpas e reconhecendo que precisa cuidar da saúde mental. Afirmou que o programa acionou gatilhos emocionais que nem sabia existir, e que se arrepende de ter aceitado participar da atração.
É um discurso que a revista piauí, numa reportagem sobre os bastidores da eliminação, trata como “Operação descancelamento”, uma estratégia de gerenciamento de crise montada pela equipe dela junto com especialistas e a Globo para que consiga retomar a vida e a carreira, que são maiores do que o BBB. Não se perca de vista que se trata de um programa de entretenimento que desloca pessoas dos seus eixos sociais para uma situação de confinamento com desconhecidos; com a finalidade de promover disputas, conflitos e ansiedades, mexendo, sobretudo, com as emoções.
Ainda é cedo para que Karol Conká mostre mudanças consolidadas, mas o ideal não seria torcer por sua evolução? Submetê-la ao ostracismo não soluciona o problema — e seu processo de redenção pode servir de exemplo para muita gente.