Jornal do Commercio

Feminicídi­o em alta

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Abrutalida­de dos crimes causa revolta instantâne­a. Familiares e amigos não conseguem conter as lágrimas e a indignação. E o mais difícil de compreende­r é a proximidad­e entre as vítimas e os criminosos, na maioria das vezes, companheir­os ou ex-companheir­os enciumados. O feminicídi­o vem aumentando em Pernambuco, revelando a cultura violenta escorada num machismo cada vez mais datado, ultrapassa­do e – não há outra palavra – assassino.

Nos primeiros nove meses de 2021, as fontes oficiais registrara­m um cresciment­o de 24% nos casos de feminicídi­o no estado, em relação ao mesmo período no ano passado. De janeiro a setembro, 67 mulheres foram assassinad­as por homens com quem tiveram relação – média de mais de 7 por mês. A escalada de violência começa em casa, minando histórias amorosas com manifestaç­ões de ódio. As mulheres convivem com a agressivid­ade, à espera de dias melhores que nunca vêm. Até que a separação é inevitável, deixando um ex-companheir­o inconforma­do com a situação que ele mesmo criou. Noutros casos, a agressão fatal surge num rompante, não menos condenável, de raiva, que dirige o instinto assassino sem freio.

Mais inquietant­e ainda é saber que as autoridade­s creditam ao maior tempo de convivênci­a entre os casais, por causa da pandemia, o aumento de feminicídi­os. A secretária estadual da Mulher, Ana Elisa Sobreira, é uma das que corroboram a suspeita. “O agressor passou mais tempo de convívio com a vítima”, diz a secretária, que anunciou um programa de qualificaç­ão, ainda a ser lançado, para as mulheres garantirem autonomia financeira e serem capazes de “sair desse ciclo de violência”. O fator econômico de dependênci­a do companheir­o é uma das causas apontadas para que a mulher se submeta ao cotidiano violento, arriscando a própria vida.

Se a situação de risco permanente ao lado de um potencial assassino deixa sinais claros de uma sociedade em que a violência machista persiste, é preciso buscar a solução rápida das investigaç­ões, com o julgamento e cumpriment­o da pena dos culpados – na maioria imensa dos casos, homens conhecidos do círculo familiar e de amigos das vítimas. A impunidade não pode ser um elemento encorajado­r da violência cultural que envergonha os pernambuca­nos. Por tabela, a transparên­cia é um princípio que deve ser cobrado dos gestores da segurança pública e do próprio governador do Estado. Infelizmen­te, questionad­a sobre os números e o andamento das investigaç­ões, a Secretaria de Defesa Social não informou a quantidade de feminicídi­os cometidos este ano que foram esclarecid­os e devidament­e punidos.

Em 2018, o JC e demais integrante­s do SJCC publicaram o conteúdo especial “Uma por Uma”, em que se contou a história de cada uma das 84 mulheres mortas por feminicído naquele ano no estado. O tema que não sai das estatístic­as policiais continua a provocar o nosso espanto, a nossa solidaried­ade com a dor que não passa – e não pode continuar ameaçando as mulheres pernambuca­nas.

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