Naufrágio do Eu
Ocoração tem o peso das excitantes emoções, como se os sentimentos reunidos alertassem para a vida. Em cada minuto, um jeito diferente de ver o mundo. Há uma intensa multiplicidade exterior, eu própria não sou capaz de definir. Antes assim. Melhor deixar que os segundos tragam infindáveis sensações. Sou e não sou ao mesmo tempo. Não faço questão. Por incrível que pareça, deixo-me invadir pelos sigilos que rondam a oculta paisagem. Percebo os mínimos detalhes que se escondem por trás do muro. Nem todos, entretanto, consigo internalizar com leveza. Há um ir e vir em constante periodicidade. Que o tempo se alongue na perspectiva da infinitude. Quantas perscrutações assaltam o entorno! Não há respostas. Tão somente a intenção de apreendê-las. Entrego-me a um coração que nada sabe. Serei tão complexa nos circundantes vagares?
Sim, muito mais do que penso.
Olho para o relógio e percebo o avançar da vida. As horas se acumulam, independentes do querer. Retiro a blusa, jogo-a em cima da cama, preciso respirar melhor. Ledo engano. Estou encharcada de dúvidas e, por incrível que pareça, as inquietações estimulam. Nada sei; talvez por isso pense tanto. Que os segredos se dilatem; amo agasalhá-los ao âmago. Então, jamais compreendo a exterioridade. Guardo-me tanto quanto me exponho. O silêncio aquece porque nele habitam infinitas incertezas. Serei somente um conjunto de hesitações? Hora de um jeito; hora de outro. Desprezarei sempre o sólido diálogo? Quantas vezes recuo na tentativa de um involuntário desnudamento? As indagações sufocam; mesmo assim, abraço-as sem limites. A criança que acalenta o instante, fala pouco ou quase nada; prefere escutar tudo que não sei.
Algum dia conhecer-me-ei? Creio que nunca. Jamais desejo descobrir qualquer completude. Importa uma lenta caminhada, passos que seguem sem a menor pressa, quase uma vaguidão incompreendida. Como é difícil entender os valores ocultos, expostos para os outros, nunca para o ego! Um dia conseguirei desfolhá-los; ou estarei enganada? Será que a alma não se preserva frente ao espelho? Como seria monótono um intenso mergulho para além do perceptível! Opto pelos mistérios em essência. Não digam nada. A cada descoberta tornar-me-ei renovada. E a magnitude do ser transforma-se em montanhas intransponíveis. Convivo com reservados enigmas. E mais do que ninguém tenho a certeza da impossibilidade de alcançá-los. Importa aceitar a própria hesitação diante do exíguo. Acato os sigilos ao longo de uma enigmática jornada. Nada pronuncio. Conheço melhor do que ninguém os naufrágios da interioridade. É hora de silenciar.
Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras