Furo no teto – e no bolso
Oestabelecimento de um teto para os gastos públicos, desde 2016, quando o governo vinha gastando sistematicamente quantias superiores à inflação do ano anterior, não é uma regra arbitrária sem fundamento. Trata-se de um pressuposto do equilíbrio fiscal, sem o qual as contas públicas passam a ameaçar não só os programas de governo, mas também o funcionamento de toda a economia. Daí a importância de se manter o teto, sobretudo em momento de crise, quando não faltam motivos para se achar que o teto pode ser furado.
As dificuldades existem, a crise é tamanha que chega a ser humanitária, com milhões de brasileiros passando fome, e outros milhões com a renda minguada e sem emprego. No entanto, o teto não deve ser furado pois as consequências reverberam no bolso de todos, e não apenas nos cofres públicos.
A perspectiva de quebrar o limite da prudência derrubou o mercado financeiro, além da turbulência política com a saída de funcionários graduados do Ministério da Economia, que discordam do cabimento dessa medida, que tem o objetivo de financiar parte dos custos do novo Bolsa Família, chamado de Auxílio Brasil. O auxílio pode custar mais caro do que imagina o Palácio do Planalto, e do que reconhece o ministro Paulo Guedes. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, o teto furado pode significar, em pouco tempo, juros mais altos, inflação descontrolada, além de um efeito que restringe o alcance do benefício social – a redução dos investimentos, à espera de melhores condições estruturais, levando a ampliar o desemprego e a vulnerabilidade social, apesar do furo.
A tendência de retração econômica deve se refletir na diminuição do Produto Interno Bruto (PIB), mantendo a panela de pressão do desemprego e da insatisfação popular. Sem que a economia deslanche, os programas sociais têm vida curta e não atendem ao propósito de servir como obstáculo ao aumento da miséria, num cenário que denota falta de planejamento, flexibilização fiscal e queda brusca na credibilidade do governo federal junto ao mercado e ao setor produtivo.
Em entrevista para a Rádio Jornal, anteontem, o ex-senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque comentou que é preciso que os limites sejam respeitados no Brasil – seja para os gastos públicos, seja para as queimadas na Amazônia. Por outro lado, a percepção da importância do teto para as despesas não retira a percepção, que vem junto, do crescimento da pobreza no País. E se é preciso atender aos limites fiscais, também se faz necessário amparar a população carente. De onde tirar recursos para financiar o suporte social – eis o debate que deve ser travado, com transparência, sem populismos nem a repetição de erros de um passado recente, quando o aumento desmedido dos gastos puxou a economia e, também, a qualidade de vida da população, para baixo. O teto fiscal não precisa ser furado, se houver visão coletiva e responsabilidade.