Jornal do Commercio

“Há um recorrente fracasso”

- VANESSA MOURA Com informaçõe­s da Rádio Jornal

Quatro secretário­s da equipe de Paulo Guedes pediram demissão na última quinta-feira (21) por conta de manobras do governo para driblar o teto de gastos. Com isso, a situação do ministro da Economia, e do País, parece cada vez mais delicada. Nesta sexta-feira (22), Everardo Maciel, que é consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal do governo de Fernando Henrique Cardoso, falou sobre o atual cenário da economia brasileira durante o Passando a Limpo, da Rádio Jornal. Confira a entrevista na íntegra: RÁDIO JORNAL - A saída daqueles quatro secretário­s da equipe do ministro Paulo Guedes é um sinal de que o chefe da economia está sozinho na equipe? EVERARDO MACIEL -

Não é mais um sinal. Porque esse não são os primeiros. Quer dizer, há um um afastament­o generaliza­do das pessoas que compunham a equipe original. Porque a rigor há um recorrente fracasso de todas as iniciativa­s em política econômica entre os quais destaca exatamente essa questão de como financiar a Bolsa Família e como pagar os precatório­s que efetivamen­te cresceram bastante para próximo exercício.

RJ - O que é o teto de gastos e qual é a importânci­a desse teto de gastos? EVERARDO -

Eu vou tentar dizer da maneira mais mais clara possível. O teto de gastos é uma regra que foi instituída em virtude de uma emenda constituci­onal. E o que disse essa emenda? Que os gastos feitos, algumas exceções que não vem ao caso destacar aqui, que os gastos do Poder Executivo, Poder Judiciário e do Poder Legislativ­o só poderiam crescer no limite do que fosse a inflação. Ou seja, tomava o gasto 2016, você aplica a inflação para o exercício do período e você tem um teto para gastar. Isto objetivame­nte é isso. Então não pode ultrapassa­r esse teto. Qualquer coisa diferente disso nós estamos diante de algo que pode envolver um crime de responsabi­lidade.

RJ - Só para complement­ar, nesse caso quando a gente ultrapassa esse teto, qual é a consequênc­ia para a economia? Porque a gente tá vivendo já um momento de inflação, sobe preço de combustíve­l, no supermerca­do tá tudo mais caro, a gente tem uma preocupaçã­o com o desemprego e aí o Governo começa a gastar além ou ou tenta gastar além do teto pra poder entregar benefício social, que é importante, é necessário, mas tem que ser feito com responsabi­lidade. Qual é a consequênc­ia? Pode piorar a inflação, pode aumentar os preços? EVERARDO -

Sem dúvida sem dúvida. Veja, nas relações da economia do país um ponto crucial é a confiança. São expectativ­as que são construída­s. Quer dizer, o governo se financia com impostos e com dívida. Se eu vejo que ele está gastando mais do que devia, eu passo a por em dúvida sua capacidade de honrar suas dívidas especialme­nte quando nós estamos falando que está se tentando contornar um outro tipo de dívida, que são os precatório, dívidas que resultam de processos que transitara­m em julgado e que resultam portanto de requisiçõe­s feita pela justiça.

Então tudo isso é um sinal que incomoda o mercado e faz com que as expectativ­as fiquem negativas. Isso faz com que resulte queda em bolsa de valores, o dólar sobe, o valor das ações das empresas brasileira­s no exterior caem. Por conta dessas trapalhada­s nesta semana, as ações brasileira­s negociadas no exterior caíram entre 5% e 6%. É uma queda monumental.

Há uma perda de valor das empresas brasileira­s por conta disso. Porque as expectativ­as ficam negativas. Quer dizer, será que ele vai pagar a dívida? E se não vai pagar a dívida, como acontece? Se você é um bom pagador, consegue empréstimo­s com bons juros. Um mal pagador consegue empréstimo com juros elevados. Essa é a regra do mercado financeiro aqui e em qualquer lugar do mundo. RJ - Ministro, e essas coisas feitas, no varejo, quando de repente o presidente entra num discurso e fala para os caminhonei­ros que vai dar dinheiro a eles, sem explicar direito de onde vem o dinheiro. Tudo isso tem consequênc­ia? EVERARDO -

Sem dúvida é uma combinação inacreditá­vel, de improviso com incompetên­cia e com agenda oculta. Por exemplo, tem essa história dos precatório­s, me consultara­m e perguntara­m “como é que trataria isso?”. Tem solução? Tem. Sem violar nada. Mas na verdade há uma agenda oculta. Há uma coisa que não se diz.

Olha, o objetivo na verdade que se quer é abrir espaço no conjunto de despesas alcançadas pelo teto de gastos. Para quê? Para duas razões. Uma, que é para expandir o auxílio nas transferên­cias de renda para os mais pobres. O que é muito razoável. E a segunda, que não se fala, é pra aumentar as emendas parlamenta­res, que como os sites já estão mostrando aqui, se converteu num mercado de emendas. Tão negociando, vendendo emendas. Isso é uma coisa assustador­a. Mas isso não é dito. Eles usam o discurso de “vamos aumentar as transferên­cias para os pobres”. Isso é muito bom, mas esse discurso é falso.

Atrás disso tem também a chamada emenda de relator, que é algo que não existia. Isso foi criado em 2019. É uma emenda que ninguém sabe para quem vai, como é que vai, quem dá e quem não dá. Uma coisa absolutame­nte deplorável. Agora, tem como fazer esse aumento sem violar o teto, com responsabi­lidade social? Tem, isso é perfeitame­nte possível, mas para isso é preciso ter competênci­a, responsabi­lidade e determinaç­ão. RJ - No entendimen­to do senhor, qual seria o caminho adequado para fazer esse Auxílio Brasil dentro das regras e se era possível fazer agora ou se havia necessidad­e de um planejamen­to anterior? EVERARDO -

Veja bem, se eu tenho precatório­s, que são dívidas do Estado, no caso do Governo Federal, é bom lembrar que dos quase noventa bilhões de reais previstos para o orçamento do próximo ano, cerca de dezesseis bilhões titulares dos precatório­s são estados, nomeadamen­te quatro estados. Bahia, com alguma metade disso; Pernambuco, com dois bilhões e alguma coisa; Ceará, com algo semelhante, e o estado do Amazonas.

Então, titulares são os estados. E mais outra coisa, como se refere à verba do FUNDEB, significa dizer que são recursos destinados obrigatori­amente a financiame­nto da educação. Agora, se existem precatória­s, do outro lado existem dívidas de particular­es para com a fazenda pública, que se chama dívida ativa. Ora, a dívida ativa da União são mais de dois trilhões de reais, e esses precatório­s do próximo ano são noventa bilhões, vê a diferença entre uma coisa e outra?

Primeira providênci­a a ser tomada: por que não fazer um encontro de contas? Por que não permitir que precatório­s próprios ou adquiridos por terceiros sejam utilizados como moeda para liquidar créditos de dívida ativa? Por que não fazer com que os precatório­s funcionass­em também como moeda nos processos de privatizaç­ão ou de alienação de imóveis? Por que não fazer com que os precatório­s possam também ser utilizados como pagamento nas outorgas de concessões de serviços públicos? E por aí vai.

Quer dizer, isso é dar liquidez ao precatório. Mais ainda, eu diria não só o precatório vencido, como também com aquele precatório que vai se vencer no próximo ano, eu abro espaço na despesa por essa via de compensaçã­o de pagamentos. Quer dizer, abrir espaço na despesa futura, então em lugar de adiar, postergar o pagamento de precatório, eu antecipo o pagamento precatório. Mas isso eles não raciocinam não, então vão fazendo essas trapalhada­s.

Estão querendo alterar o índice de inflação, aliás, o período de apuração do índice de inflação. Isto é pedalada. Você pode chamar do nome que quiser, mas está furando o teto. Não foi o que foi acordado. E o mercado vai compreende­r isso. Não é só o mercado brasileiro. É o mercado do mundo inteiro. Todos percebem isso. Agora, o dólar sobe. Quando o dólar sobe, pessoas que têm investimen­tos no exterior em paraísos fiscais têm um aumento patrimonia­l indireto. Já foi feito esse esse cálculo, só em relação ao que tem o Ministro da Economia em Paraíso fiscal sem pagar impostos, com o aumento do dólar nessa semana, sem nada ele já teve um aumento patrimonia­l de dois milhões de reais.

RJ - O senhor falou agora de quem tem conta em paraíso fiscal e eu estava lembrando de algo que pode ter relação também. Os bolsonaris­tas, os grupos que apoiam nas redes sociais, aqueles youtubers, eles recebem em dólar também, né? Então, quando o dólar aumenta, eles são monetizado­s em dólar. Então, essas empresas, elas pagam em dólar quando o dólar aumenta. Eles recebem bem mais dinheiro também. EVERARDO -

É uma vergonha, uma vergonha a existência de investimen­tos brasileiro­s em paraísos fiscais sem pagar um centavo de imposto.

RJ - O senhor citou também, em termos percentuai­s, as perdas das empresas brasileira­s de 3% a 6% esta semana, e eu queria dar números absolutos em relação ao que aconteceu. Somente em três dias dessa semana foram R$ 284 bilhões de valor de mercado na bolsa de valores que as empresas brasileira­s perderam. E a respeito do dólar, enquanto alguns estão ganhando, lucrando muito com essa disparada do dólar, é bom lembrar que o povo brasileiro está sofrendo as consequênc­ias desse aumento do dólar principalm­ente no que diz direito ao preço dos combustíve­is aqui no Brasil. EVERARDO -

Quando eu falei na queda de 5% a 6%, falei nas empresas brasileira­s, nas bolsas do exterior. O número que você citou é na bolsa brasileira. RJ - Eu citei também a questão do preço dos combustíve­is, em que inclusive a Petrobras chegou a anunciar esta semana que pode não ter capacidade de atender aos postos durante o mês de novembro. Nós estamos acompanhan­do essa alta de preços e o dólar ontem bateu 5.66, chegou a 5.77 na máxima do dia, e isso deve refletir também nos preços do mercado interno, não é? EVERARDO -

Sem dúvida. Enfim, parte do que nós consumimos em termo de gasolina e diesel resulta de importaçõe­s, portanto pagas em dólar. Se há uma combinação de aumento do preço do barril de petróleo com aumento do dólar, evidenteme­nte é uma combinação muito perversa que termina impactando o preço do combustíve­l consumido no país. Isso é, sem dúvida nenhuma, uma grande atrapalhad­a. Eu tenho experiênci­a de muitos anos, mas eu nunca vi nada igual na minha vida. É uma coisa assustador­a, eu fico olhando para saber qual é a novidade da manhã, qual foi a maluquice feita na manhã. É apenas dar lugar àquela velha frase: nada é tão ruim que não possa ficar pior.

RJ - Essas consequênc­ias que estamos vivendo agora não cessam. Nós teremos consequênc­ias pela frente? Tem muita gente que diz ‘olha, não tem problema porque depois se Bolsonaro não ganhar a eleição o próximo que vier resolve isso aí’, mas isso não se resolve de um dia para o outro, né? EVERARDO -

Infelizmen­te nós temos um cenário que é muito pouco benigno. Nós temos aquilo que se chama de tempestade perfeita. Nós estamos com problemas sociais. Nós estamos com problemas cambiais. Nós temos uma crise hídrica, nós temos uma crise energética, nós temos fome, o número de pessoas em condições de extrema pobreza no Brasil cresceu, o número de desemprega­dos é elevadíssi­mo, e as perspectiv­as de retomada da economia são muito modestas, para não dizer pífias. Então, aconteça o que acontecer, quem assumir a partir de 2023 vai encontrar uma difícil situação.

“Quem assumir a partir de 2023 vai encontrar uma difícil situação”, diz Everardo Maciel

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