O mistério do eu
Nada estou pensando. As palavras surgem à toa, como se o papel em branco me instigasse a preenchê-lo, longe de qualquer premeditação. O texto vai saindo lá de dentro, da interioridade que me preenche por completo. No corredor, o vento ressoa ao embalo de respingos interiores. Gosto de acompanhar o ritmo, na certeza de que o dia emerge do horizonte.
Quantas vezes retraio o corpo para meditar? Gesto que me acompanha desde a adolescência. O ato de pensar me persegue. Sei que sou aérea, esqueço os detalhes visando a mergulhar no íntimo, como se dele brotasse a ansiedade do instante. E será que não brota?
O céu azul me instiga a pintar cores em uma sequência que eu própria reverencio. Há tantas mutações na modelagem do que sou, que a pulsão de retratar aflora a cada instante: hoje, de um jeito; amanhã, de outro. Quantos sonhos me afagam em plena liberdade? Profunda ânsia de raciocinar. Nunca sei o que quero. As transmutações se acumulam, um verdadeiro rodizio na ação de aflorar-me. Jamais consigo o retrato de mim. Serei diferente? Creio que não.
Todos acolhemos o enigma do Ser. O relógio chama a atenção, os segundos se dilatam na impaciência do Eu. Vou e volto em um redemoinho diferente. Quantas exclamações! E todas repentinas! Rebenta um vulcão interior que me afaga permanentemente. Não é fácil traduzir os sigilos do íntimo. Jamais saberei interpretar-me. Estarei sempre e sempre em uma vulcânica erupção. Se falo, digo o que não quero, somente o silêncio traduz o meu Ser. Acalento a renúncia como instrumento de qualidade.
O meditar reclama o máximo de introspecção. Certezas inexistem. Dúvidas prevalecem em intensas dimensões. Há um mundo que extrapola os limites. Sou tão pequena diante de tudo! Impossível traduzir-me. Melhor exaltar o retraimento. As ilusões acalmam a intensidade da interpenetração. Por mais que tente fotografar o âmago de mim mesma, estarei sempre à procura de outras confabulações.
Somos iguais na inquietude interior. Quantas vezes a aparência denuncia o inverso! Uma forma de escamotear segredos ontológicos. E assim caminha a humanidade. Explodem tantos moinhos de vento que me deixo fluir sob a cadência das horas. E as emoções se acumulam sempre e sempre. Rebentam múltiplas intenções com o objetivo de favorecer o que não consigo traduzir.
Importa acatar o silêncio da alma, pois, nos recantos mais reservados, moram os segredos do imo. Que permaneçam em nossos aveludados corações.
Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras