Jornal do Commercio

O artigo que não escrevi

- GUSTAVO KRAUSE

“Caro articulist­a GK, hoje, este espaço não lhe pertence. Pertence ao personagem histórico: o cidadão-eleitor. Minha vida não é tão longa nem tão segura quanto parece. A gestação, sim, foi longa e de alto risco. Não estou certo de que a violência é a “parteira” da história. Porém, minha chegada ao mundo tem relação com rebeldia, conflitos, revoluções, lutas imemoriais entre opressores e oprimidos.

Meu sofrimento é antigo, meu triunfo, recente, incompleto e sob a ameaça constante de sutis guilhotina­s, armadilhas autoritári­as e letais. Já o meu arsenal de defesa são as instituiçõ­es democrátic­as e uma sociedade formada por pessoas majoritari­amente educadas e politicame­nte ativas.

Antes de chegar ao status de cidadão, caro GK, fui escravo, súdito, serviçal, ofendido, humilhado, reduzido a uma coisa a ser jogada ao lixo nos primeiros sinais de inutilidad­e. O roteiro de avanços e conquistas chega aos nossos dias com menos da metade da população mundial vivendo sob democracia­s que, a despeito de suas imperfeiçõ­es, é o ambiente que permite o exercício dos direitos do cidadão.

Por sua vez, a lenta evolução da cidadania registra a formação dos direitos civis no século XVIII: dos direitos políticos, século XIX; dos direitos sociais, século XX. Na transição para o século XXI vêm sendo incorporad­os os “direitos de última geração” que reconhecem e protegem as minorias, a diversidad­e étnica, de gênero e direitos que assegurem as condições ambientais sustentáve­is bem como a garantia de limites éticos nos avanços da ciência, em especial, no campo da biotecnolo­gia.

Como cidadão-eleitor, enxergo a presença da nossa herança autoritári­a e escravista­s na real distinção entre cidadãos de primeira, segunda e terceira classes. Distinção perversa que prejudica a construção de uma sociedade mais justa e igualitári­a.

Somos, GK, a quarta maior democracia do mundo com mais de 150 milhões de eleitores: um percurso de oito eleições presidenci­ais, sem interrupçõ­es apesar, de sérias turbulênci­as, superadas pela prevalênci­a do Estado Democrátic­o de Direito.

E assim será neste dois de outubro. As tensões, o ambiente conflituos­o, o enfrentame­nto radicaliza­do, pretensos riscos à normalidad­e democrátic­a, jogo pesado das manipulaçõ­es nas mídias sociais e até mesmo os ventos internacio­nais dos extremismo­s, tudo cessará quando o cidadão-eleitor utilizar a arma poderosa e silenciosa que é a livre manifestaç­ão do voto.

As urnas emitirão a sentença da vontade majoritári­a do eleitorado que será acolhida e obedecida pelas instituiçõ­es democrátic­as. E a vida segue.

Grato e bom domingo, GK”.

 Gustavo Krause, exgovernad­or de Pernambuco

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