O artigo que não escrevi
“Caro articulista GK, hoje, este espaço não lhe pertence. Pertence ao personagem histórico: o cidadão-eleitor. Minha vida não é tão longa nem tão segura quanto parece. A gestação, sim, foi longa e de alto risco. Não estou certo de que a violência é a “parteira” da história. Porém, minha chegada ao mundo tem relação com rebeldia, conflitos, revoluções, lutas imemoriais entre opressores e oprimidos.
Meu sofrimento é antigo, meu triunfo, recente, incompleto e sob a ameaça constante de sutis guilhotinas, armadilhas autoritárias e letais. Já o meu arsenal de defesa são as instituições democráticas e uma sociedade formada por pessoas majoritariamente educadas e politicamente ativas.
Antes de chegar ao status de cidadão, caro GK, fui escravo, súdito, serviçal, ofendido, humilhado, reduzido a uma coisa a ser jogada ao lixo nos primeiros sinais de inutilidade. O roteiro de avanços e conquistas chega aos nossos dias com menos da metade da população mundial vivendo sob democracias que, a despeito de suas imperfeições, é o ambiente que permite o exercício dos direitos do cidadão.
Por sua vez, a lenta evolução da cidadania registra a formação dos direitos civis no século XVIII: dos direitos políticos, século XIX; dos direitos sociais, século XX. Na transição para o século XXI vêm sendo incorporados os “direitos de última geração” que reconhecem e protegem as minorias, a diversidade étnica, de gênero e direitos que assegurem as condições ambientais sustentáveis bem como a garantia de limites éticos nos avanços da ciência, em especial, no campo da biotecnologia.
Como cidadão-eleitor, enxergo a presença da nossa herança autoritária e escravistas na real distinção entre cidadãos de primeira, segunda e terceira classes. Distinção perversa que prejudica a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Somos, GK, a quarta maior democracia do mundo com mais de 150 milhões de eleitores: um percurso de oito eleições presidenciais, sem interrupções apesar, de sérias turbulências, superadas pela prevalência do Estado Democrático de Direito.
E assim será neste dois de outubro. As tensões, o ambiente conflituoso, o enfrentamento radicalizado, pretensos riscos à normalidade democrática, jogo pesado das manipulações nas mídias sociais e até mesmo os ventos internacionais dos extremismos, tudo cessará quando o cidadão-eleitor utilizar a arma poderosa e silenciosa que é a livre manifestação do voto.
As urnas emitirão a sentença da vontade majoritária do eleitorado que será acolhida e obedecida pelas instituições democráticas. E a vida segue.
Grato e bom domingo, GK”.
Gustavo Krause, exgovernador de Pernambuco