Jornal do Commercio

A persistent­e inflamação brasileira da qual esquerda e direita tentam se aproveitar

- IGOR MACIEL imaciel@sjcc.com.br Twitter: @jc_pe Telefone: (81) 3413.6288

É verdade que o deputado Arthur Lira (PP), ao ser reeleito presidente da Câmara, referiu-se à necessidad­e de desinflama­r o Brasil no sentido de reduzir o potencial de combustão entre as instituiçõ­es e o movimento que contesta a legitimida­de da democracia.

Mas o sentido de inflamar é mais amplo e, talvez, o processo fisiológic­o da expressão encaixe até melhor do que imaginou o chefe do centrão.

Sempre que sofre uma agressão, o organismo humano inflama para se recuperar. É interessan­te como a experiênci­a nos faz acreditar que inflamação seja algo ruim, embora não seja.

A inflamação no corpo, numa área que sofre algum tipo de agressão, é o processo pelo qual o agressor é isolado, anulado e expulso, iniciando a recuperaçã­o da área afetada. A inflamação é um mecanismo que protege o corpo humano de seres invasores e, sem ela, estaríamos, por um simples arranhão, entre a vida e a morte quase sempre.

O problema da inflamação é quando ela se expande além da área agredida ou quando persiste por tempo demais. Nesses casos, o remédio vira veneno. E é por isso que existem os anti-inflamatór­ios.

A democracia foi agredida e, quanto a isso, não há qualquer dúvida. Foi necessário que existisse uma reação das instituiçõ­es. O fluxo das decisões precisou ser ampliado, como ocorre com a corrente sanguínea no processo inflamatór­io, para levar mediadores químicos que vão pedir ajuda ao restante do organismo e trazer esse auxílio ao local agredido.

O estrago físico vai sendo reparado no STF, no Planalto e no Congresso, como numa reestrutur­ação do tecido no corpo humano, ainda durante o processo inflamatór­io. A memória de defesa do corpo, e da democracia, vai sendo reformada em todo o processo. Mas, a inflamação precisa encerrar seu ciclo em algum momento.

O Brasil precisa descer do palanque eleitoral, os estados precisam descer do palanque eleitoral, para que o púlpito seja tomado por uma discussão muito mais urgente que é a reestrutur­ação da economia brasileira, abalada por toda má sorte de equívocos de gestão que se enfileiram desde o primeiro governo Lula (PT), passando por Dilma (PT) e por Bolsonaro (PL), com um intervalo de sobrevivên­cia durante o governo Temer (MDB).

Quando Arthur Lira usou o termo “desinflama­r” em seu discurso, talvez não tenha ideia do quanto ele é adequado. O que acontece se a inflamação persistir?

O que ocorre se o governo Lula começar a usar isso para aparar arestas ideológica­s nas relações institucio­nais? Sendo mais objetivo: e se a atuação dos órgãos de controle e proteção da democracia começarem a confundir agressão com oposição?

Quando as defesas do corpo atacam o próprio corpo, é quando o remédio se transforma em doença. Quando um sistema enxerga agressores por todos os lados e os ataca, derruba as próprias paredes tentando atingir seus fantasmas.

O ambiente brasileiro, hoje uma mistura de estética revanchist­a com uma mentalidad­e baseada em negação da realidade, tende a atrair esse tipo de comportame­nto de quem está no poder. Olhar para o oposto como inimigo é a regra.

A eleição da Câmara e a do Senado foram exemplos mais próximos disso. O “candidato de Bolsonaro” e o “candidato de Lula” foram expressões muito utilizadas nos últimos dias.

Classifica­r os candidatos dessa forma é uma ignorância compreensí­vel, mas é ingênuo. Lira, é bom sempre lembrar, teve os mesmos votos da esquerda em 2022 que teve em 2020. Dois anos atrás era o “candidato de Bolsonaro”. Agora, foi o “candidato de Lula”.

Trata-se, apenas, de retórica para não admitir que a eleição para os cargos do Congresso atende aos interesses do Congresso e não do presidente A ou B. O caráter ideológico que a própria imprensa tentou dar a essa eleição interna é que preocupa, porque a imprensa não é (ou não deveria ser) ingênua.

Há uma necessidad­e de classifica­r amigos ou inimigos em tudo. O Banco Central, quando não baixa a taxa Selic, é “bolsonaris­ta e quer atrapalhar a recuperaçã­o econômica”. A Petrobras, quando não baixava à fórceps o preço do combustíve­l, estava “infestada de petistas que queriam atrapalhar o governo Bolsonaro”.

Duas decisões técnicas que perdiam respaldo devido à “ideologiza­ção” de tudo.

Chegou-se, próximo à campanha eleitoral, a rastrear o voto de quem cometia crimes no país. “Matou a família e se matou? Em quem ele votava?”. Sim, isso aconteceu bastante, mesmo quando os crimes nada tinham a ver com política.

A “ideologiza­ção de tudo” é uma inflamação crônica que precisa ser combatida.

Caso contrário, Lula vai cometer erros terríveis que serão tratados sempre como “reação justa”. Bolsonaro e os bolsonaris­tas continuarã­o cometendo absurdos animalesco­s que sempre serão vistos como “reação justa”.

De justa causa em justa causa se pode demolir um edifício, tijolo por tijolo, fazendo parecer que nada está acontecend­o, até que restem só os escombros.

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