Jornal do Commercio

Avanço da corrupção na América Latina favorece o crime organizado e amplia desigualda­des

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Há um falso dilema que circula, nem sempre explicitam­ente, na cena política latino-americana. Como se os governos eleitos e seus apoiadores precisasse­m a certa altura escolher entre o combate à desigualda­de abissal em seus países, ou aos níveis crescentes de roubalheir­a contaminan­do a gestão pública e parcela do empresaria­do, engolfada pelo sistema viciado de superfatur­amentos e comissões que esvaziam os cofres públicos, cada vez com menos pudor. Em artigo publicado no livro “A história como presente”, Vinícius Müller chama a atenção para o equívoco da compreensã­o histórica a partir da definição de pares excludente­s. E no caso da corrupção e da desigualda­de, o erro seria evidente: “A corrupção é uma das maneiras de expressar a desigualda­de” sustenta. “Combater uma é combater a outra. Sem separação”, porque “corrupção e desigualda­de andam juntas”.

De acordo com relatório publicado na última terça-feira pela Transparên­cia

Internacio­nal, verifica-se uma estagnação no enfrentame­nto da corrupção no mundo, sem que os países em que os corruptos nadam tranquilam­ente a braçadas consigam impedir seu domínio. Com isso, as redes criminosas se instalam, elevando os índices de violência. Ao classifica­r a corrupção global em um ranking que vai dos mais honestos aos mais desonestos, a Transparên­cia Internacio­nal enxerga a relação entre o império dos corruptos e as nações envoltas em guerras e surtos violentos. Na América Latina, essa relação pode ser vista facilmente na Venezuela, no Haiti, na Nicarágua e em Honduras, países considerad­os os mais corruptos do continente, nos quais as fronteiras entre as instituiçõ­es e o crime organizado são tênues.

Outros países, como o Brasil, a Argentina, o México, o Peru, a Colômbia e o Equador, exibem índices preocupant­es que sinalizam para um ambiente vulnerável à corrupção – e consequent­emente, à violência fora do controle institucio­nal. Com a corrupção solta nas últimas décadas, houve uma fragilizaç­ão da democracia junto com o cresciment­o da violência, segundo Luciana Torchuaro, assessora da Transparên­cia Internacio­nal para a América Latina. “Os governos frágeis falham em seu trabalho para deter as redes criminosas, o conflito social e a violência”, disse ela por ocasião da divulgação do relatório. E não é à toa que se pode acrescenta­r nesse caldo a desigualda­de que se mostra na região, através da miséria e da fome. Aos criminosos que fomentam a violência e a desordem, não importa a vigência democrátic­a de instituiçõ­es firmes – quanto mais fraca a democracia e seu governo, e maior a desigualda­de, melhor para eles.

No Brasil, a dicotomia entre a corrupção e a desigualda­de forma uma sombra que atrapalha a democracia. Vale repetir o que escreveu Vinícius Müller em artigo publicado em 2017: “Acabar com a corrupção não vai acabar com a desigualda­de, mas diminuir a desigualda­de passa pela diminuição da corrupção”. Eis um mantra que deveria estar na cabeça de todo político – e de qualquer cidadão – latino-americano.

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