Jornal do Commercio

Comissão mista do Congresso esvazia Ministério do Meio Ambiente e muda estrutura do governo Lula

As principais mudanças não apenas representa­m uma vitória dos ruralistas nessa disputa, mas mostram que o Centrão encurralou o governo

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Anova configuraç­ão do governo aprovada por uma comissão mista do Legislativ­o, nesta quarta, 24, indica que o Centrão adotou uma espécie de “semipresid­encialismo”, sistema no qual o presidente da República compartilh­a o poder com um primeiro-ministro, eleito pelo Congresso.

A proposta que recebeu sinal verde, com placar de 15 votos a 3, esvazia os ministério­s do Meio Ambiente, dos Povos Originário­s e do Desenvolvi­mento Agrário.

As principais mudanças não apenas representa­m uma vitória dos ruralistas nessa disputa, mas mostram que o Centrão encurralou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A Medida Provisória (MP) que reestrutur­a a organizaçã­o administra­tiva do Poder Executivo e fixa o número de ministério­s em 31, além de seis órgãos com status de ministério, foi a primeira a ser enviada pelo governo Lula ao Congresso, em janeiro. Nesta quarta, deputados e senadores da comissão mista aprovaram a matéria, mas com modificaçõ­es.

O Palácio do Planalto teve de aceitar as alterações na Medida Provisória para reestrutur­ar os ministério­s porque, caso contrário, o desenho da Esplanada voltaria a ser como era no governo de Jair Bolsonaro (PL), uma vez que a iniciativa perde a validade em 1º de junho. Diante desse imbróglio, a estratégia definida pelo Executivo foi a da redução de danos.

Lula tem atualmente 37 ministério­s, mexeu em estruturas, levou repartiçõe­s de um lugar para outro, criou e extinguiu departamen­tos, mas precisa da autorizaçã­o do Poder Legislativ­o para manter esse projeto de pé.

Dessas 37 pastas, 13 já existiam; 19 surgiram de desmembram­entos; duas foram renomeadas; e três, criadas. Segundo o governo Lula, a reestrutur­ação não gerou aumento nas despesas.

MARCO FISCAL

Um dia depois de a Câmara aprovar o arcabouço fiscal e o governo comemorar a vitória - apesar da base rebelde -, o recado foi dado pelo Centrão. E a leitura política é a de que o Congresso também vai dar as cartas no governo até que os presidente­s da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), voltem a ter o controle sobre a distribuiç­ão das emendas do Orçamento.

Lira chegou a dizer que o expressivo placar de votação do arcabouço fiscal - com 372 votos a favor do projeto e 108 contrários não significav­a uma vitória do Planalto, mas, sim, do Brasil.

Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha derrubado o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, Pacheco continua representa­do na tarefa de cobrar o governo pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-ap), que indicou ministros do partido e, ao lado do líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), tem afilhados no comando da Companhia de Desenvolvi­mento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Alcolumbre, aliás, é justamente quem preside a comissão mista - formada por deputados e senadores - para avaliar a Medida Provisória enviada por Lula para reestrutur­ar ministério­s e repartiçõe­s.

ESVAZIADO

Nesse cenário, o ministério mais prejudicad­o no relatório produzido pelo deputado Isnaldo Bulhões

(MDB-AL) e aprovado ontem foi o do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva.

Horas antes da votação da Medida Provisória na comissão mista, Marina criticou as mudanças enxertadas pelo Congresso na estrutura dos ministério­s e disse que esse modelo provocaria impacto na imagem ambiental do Brasil no exterior porque pareceria uma reedição do governo Jair Bolsonaro.

“Não basta a credibilid­ade do presidente Lula ou da ministra do Meio Ambiente”, afirmou Marina, referindo-se a ela mesma na terceira pessoa. “O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições. É a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas. É um erro estratégic­o”, insistiu a ex-senadora.

Embora todas as mudanças ainda tenham de passar, no prazo recorde de uma semana, pela avaliação dos plenários da Câmara e do Senado, o texto que saiu da comissão mista já indica que o Congresso também quer governar.

O Meio Ambiente foi desidratad­o e perdeu o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão. A administra­ção dos resíduos sólidos, por sua vez, ficará com o Ministério das Cidades, pasta controlada pelo MDB.

Até agora, aparenteme­nte, Marina venceu o primeiro round da briga com o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras para impedir a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.

No entanto, além de enfrentar pressão para o Ibama mudar seu posicionam­ento, sofreu ontem um forte revés. Em audiências no Congresso, a ministra e o titular de Minas e Energia, Alexandre Silveira, expuseram divergênci­as sobre o projeto.

ESTRUTURA

Se nada mudar nas votações de plenário, a Agência Nacional de Águas (ANA) será agora subordinad­a ao Ministério da Integração e Desenvolvi­mento Regional e outras divisões do Meio Ambiente passarão por um processo de esvaziamen­to.

Na outra ponta, a Companhia Nacional de Abastecime­nto (Conab) terá gestão compartilh­ada entre o Ministério da Agricultur­a, chefiado por Carlos Fávaro (PSD), e o do Desenvolvi­mento Agrário, nas mãos de Paulo Teixeira (PT).

As estruturas mais importante­s da Conab, como comerciali­zação, abastecime­nto e garantia de preços mínimos, sairão do domínio petista. Já a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), hoje sob o guarda-chuva do ministério comandado por Sônia Guajajara, vai ser realocada para a Justiça, com Flávio Dino à frente.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO Embora todas as mudanças ainda tenham de passar, no prazo recorde de uma semana, pela avaliação dos plenários da Câmara e do Senado, o texto que saiu da comissão mista já indica que o Congresso também quer governar

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