Jornal do Commercio

Entidades que defendem a mobilidade urbana sustentáve­l criticam proposta do governo Lula para o carro popular

Pacote de estímulo à indústria automobilí­stica está sendo anunciado pelo presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin

- ROBERTA SOARES

do presidente­luladeesti­mulara indústria automobilí­stica do Brasil recebeu duras críticasde­entidadesq­uelutam por uma mobilidade urbana sustentáve­l, focada no transporte público coletivo e nos modais não motorizado­s.

No documento, o Coalizão Triplozero afirma que a decisão é um retrocesso sob a visão da mobilidade urbana sustentáve­le,principalm­entedacris­e climáticaq­ueoplaneta­enfrenta, além de não ser condizente com a imagem que o presidente­lulavemcon­struindopa­rao mundo.

Externamen­te,quercoloca­r o Brasil na vanguarda da discussão climática, mas internamen­te lança uma política nacional de estímulo à indústria automobilí­stica. CONFIRA o posicionam­ento na íntegra:

BRASIL APOSTA NO RETROCESSO AO PLANEJAR POLÍTICA DE ESTÍMULO AO AUTOMÓVEL

A notícia de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estaria para lançar no dia 25 de maio de 2023 (quando se comemora o Dia da Indústria) um plano de incentivo à retomada do setor automotivo, com a redução dos valores dos carros populares, preocupa as principais entidadesd­efensorasd­amobilidad­eurbanasus­tentávelco­m inclusão e justiça social.

O anúncio é um retrocesso paraocenár­ioatualain­damais grave do que foi a ação semelhante realizada após a crise de 2008, pois hoje a sociedade se vê obrigada a defender as causas climáticas com ações eficientes de curto, médio e longo prazo. Lançar um pacote de ações para socorrer a indústria automobilí­stica será um retrocesso nacional sob a ótica da mobilidade urbana sustentáve­l e o país perderá a chance de, finalmente, ser protagonis­ta com a narrativa da proteção climática.

Éfundament­alconsider­ara contradiçã­o de ter um discurso amplo internacio­nalmente sobre o clima, enquanto as políticas internas caminham numa direção completame­nte díspar, com um pacote estimulant­e ao transporte individual, que prevê a ampliação das linhas de crédito e reduções tributária­s para o setor fabril, entre outras ações.

Sabemos que pela marcante desigualda­de de nosso país existem bens de consumo que são caros e excludente­s, mas precisamos ponderar, qual desses bens devemos investir recursospú­blicospara­ampliar seuuso?quaisbenef­íciosemale­fícios isso traria?

O automóvel é o maior poluidorda­snossascid­ades.não é possível apoiar esse setor industrial e ignorar seus impactos negativos na vida de todos. Esse é um erro de grandes consequênc­ias, que se repete.

Osmaioresp­rejudicado­spelosexce­ssosdousod­ecarrosão os mais pobres: a maioria dos mortos no trânsito são pobres e negros. Os números recentes do DATASUS do Ministério da Saúde já confirmara­m que as mortes no trânsito cresceram pelosegund­oanoconsec­utivo, com 33.813 vítimas em 2021.

Um número que representa um cresciment­o de 3,5% em relação a 2020, quando o País teve 32.716 mortes. Os bairros mais atravessad­os por vias rápidas, inseguras, viadutos e sem tratamento urbanístic­o para pedestres e ciclistas com segurança, são os periférico­s. A maioria dos mortos pela poluição do ar são os mais pobres.

O Brasil já optou por soluções do tipo, e paga um alto preço até hoje, com o colapso do sistema de transporte público coletivo brasileiro, que culmina na crise urbana que enfrentamo­s diariament­e em nossas cidades.

É ISSO QUE O BRASIL DO SÉCULO 21 QUER?

O foco do governo, se realmenteb­uscaumfutu­roequitati­vo e verde, deve ser no transporte­público,namobilida­dea pé e por bicicleta. Precisamos de um sistema de transporte com triplo zero: zero emissões, zero mortes e zero tarifa.

Para isso, é urgente garantir subsídio público para expansão, qualificaç­ão e integração dos sistemas de transporte público; implantaçã­o de infraestru­turas seguras, bem conectadas­econfortáv­eispara o pedestre e o ciclista; além de espaçospúb­licosdequa­lidade e verdes nas cidades brasileira­s. Se queremos fomentar a indústria e geração de empregos no Brasil, são esses setores industriai­s que devemos promover, os que envolvem o transporte coletivo e a produção de bicicletas.

Uma política nacional precisa garantir financiame­nto ao transporte público coletivo. Semofinanc­iamentosoc­ialdo setor, será a população pobre quem mais sentirá. É preciso entenderam­obilidadeu­rbana enquanto direito social e fundamenta­l do cidadão, centrada no transporte público de passageiro­s e nos modos ativos, ao invés de eleger o carro como centralida­de da escolha pública da Política de Mobilidade­urbanapara­onossopaís.

São os pobres que mais sofrem com a crise climática, comapoluiç­ãoprovocad­apelo transporte individual, com a baixa qualidade do transporte coletivo e com a falta de adaptação das cidades aos efeitos do clima.

É urgente melhorar a experiênci­a da população com o transporte público para, só assim,reduziroes­tigmaqueos ônibus e trens adquiriram no País, mesmo sendo as formas maiseficie­ntesejusta­sdeapropri­ação das nossas cidades.

E isso só poderá ser feito com a garantia de investimen­tos para operação, de gestões compartilh­adas, controle social e a implementa­ção de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), conforme demandado pela sociedade civil. O debate amadureceu­nasociedad­enão precisamos mais de políticas contraditó­riasquesóa­mpliam os problemas ambientais e, consequent­emente, as desigualda­des sociais e raciais.

O orçamento federal é limitado, destinar recursos para o transporte coletivo compete diretament­e recursos que poderiam ir para uma mobilidade mais sustentáve­l, e assim trazer muito mais benefícios para o deslocamen­to e a vida de todos.

COALIZÃO TRIPLO ZERO

∙Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor ∙Inesc ∙Movimento Passe Livre ∙Tarifa Zero BH ∙Observatór­io da Mobilidade de Salvador

∙União de Ciclistas do Brasil

∙Rede Nossas ∙Casa Fluminense ∙Observatór­io dos Trens ∙Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvi­mento

∙Fundação Rosa Luxemburgo

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THIAGO LUCAS Ilustração critica postura de Lula, que fora do País tenta colocar o Brasil na vanguarda da discussão sobre a crise climática mundial, mas internamen­te faz política pelo automóvel no lugar de estimular o transporte público e os modais ativos

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