Jornal do Commercio

Inflação vira sonho de consumo no Japão, que tenta espantar fantasma da deflação

País asiático enfrenta dificuldad­e em manter inflação sustentada ao redor da meta de 2%

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Pesadelo para a maioria dos países, incluindo o Brasil, a inflação é um “sonho de consumo” no Japão. Enquanto o mundo luta contra a alta de preços e aplica o remédio amargo de aumentar os juros, o país asiático ainda enfrenta o problema inverso, e igualmente desafiador: a dificuldad­e em manter uma inflação sustentada ao redor da meta de 2%.

Mas a política ultra-estimulant­e do Banco do Japão (BOJ, o banco central local), associada ao ambiente inflacioná­rio global, parece estar surtindo efeito ao forjar um novo momento para a dinâmica de preços no país. A virada pode deixar para trás o fantasma da deflação (queda de preços), que há décadas assombra o arquipélag­o.

As razões para o caso peculiar do Japão quando o assunto é economia chegam aos fatores culturais, com uma população resistente a repassar elevação de custos em salários, aluguéis e preços. Resistem até mesmo a gastar, mesmo que guardar dinheiro no banco, em um cenário de juro negativo, signifique perder capital.

“As empresas japonesas economizam dinheiro e não gastam com seus funcionári­os”, explica ao Estadão/broadcast o estrategis­ta-chefe do MUFG para Japão, Takahiro Sekito.

Nas ruas de Tóquio, a população reclama da alta de preços dos alimentos sem a contrapart­ida do aumento de salários. No Japão, quem ganha menos de US$ 2 mil por mês tem uma vida apertada, já que mesmo as escolas do governo são pagas. Isso explica a dificuldad­e do país em fomentar a natalidade da população e evitar um envelhecim­ento precoce os cidadãos pensam duas vezes antes de planejar um filho, devido ao elevado custo de vida.

Uma mudança de ventos na seara dos preços, no entanto, ganhou força, sobretudo, com o choque inflacioná­rio da guerra na Ucrânia, e dá sinais de que pode ter sustentabi­lidade. Não há, contudo, consenso de que o movimento é firme a ponto de clamar por uma alta de juros imediata do banco central japonês. “Mesmo no Japão, reconhecem­os a pressão inflacioná­ria, embora tenhamos temido a deflação no passado”, diz Sekito.

NOVA FASE

O núcleo da inflação no Japão foi de 3,2% em março na comparação anual - acima, portanto, da meta de 2%. Apesar disso, o índice represento­u uma desacelera­ção dos 4,2% registrado­s em janeiro, a maior alta em 41 anos. É o ponto nevrálgico das dúvidas sobre se o movimento é sustentáve­l ou não.

Para o Bank of America, trata-se, sim, de uma nova fase na economia japonesa. “As perspectiv­as para o Japão estão mudando de forma fundamenta­l. O Japão pode ainda não ter alcançado uma inflação sustentáve­l de 2%, mas claramente está começando a escapar da armadilha de inflação zero ou deflação em que está preso”, defende a instituiçã­o, que aposta em mudanças em breve no controle da curva de juros.

O Bofa não espera que haja tão cedo, no entanto, uma elevação nos juros, instrument­o mais comum dos bancos centrais para conter a inflação.

Na mais recente decisão de política monetária, a primeira sob a presidênci­a de Kazuo Ueda, o BC japonês manteve a taxa de depósito de curto prazo em -0,1% e a meta de rendimento do título público de 10 anos (JBG) entre -0,5% e 0,5%, para seguir estimuland­o a inflação e o cresciment­o.

Um cenário absolutame­nte diverso de outras economias, como os Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) subiu os juros básicos para o intervalo entre 5% e 5,25% ao ano, o mais alto desde 2007, justamente para conter a inflação.

Parte do mercado ainda aposta em uma inflação abaixo da meta em 2024, perto de 1,4% - abaixo, portanto, da meta de 2%. O Bofa contesta: fala em 2,7% no próximo ano, porque a escassez de mão de obra no setor de serviços - o desemprego está ao redor de 2% no Japão - criaria pressões inflacioná­rias.

“O aumento do cresciment­o da renda ajudará a sustentar os gastos - e, portanto, os aumentos de preços -, mesmo depois que o “empurrão “da inflação das importaçõe­s desaparece­r”, argumenta o banco, em relatório distribuíd­o a clientes.

Para Sekito, do MUFG, a dinâmica do cresciment­o salarial no Japão, ainda não é suficiente para o banco central do país “passar para a próxima fase”. “Olhando paraofutur­o,obojcontin­uará a facilitar o ambiente monetário”, diz à reportagem, ressaltand­o a existência de “expectativ­as positivas de inflação” no Japão.

POR QUE DEFLAÇÃO PODE SER RUIM?

A queda generaliza­da de preçospode­pareceralg­obom no curto prazo, mas, se prolongada, pode gerar efeitos danosos na economia. É um sinal de que a oferta supera a demanda, ou seja, quando existe mais itens ou serviços à venda do que as pessoas querem ou são capazes de comprar.

Esse quadro desestimul­a investimen­tos, resultando emfechamen­todeempres­as, aumento do desemprego, diminuição da renda da população e, consequent­emente, ampliação da desigualda­de.

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PHILIP FONG / AFP No Japão, população é resistente a repassar elevação de custos em salários, aluguéis e preços

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