Jornal do Commercio

OPINIÃO 30 anos do documento da cidadania

A Lei brasileira 8.906, nos seus em breve trinta anos de relevantís­simos serviços prestados, nos distancia da barbárie e nos mantém próximos à civilizaçã­o...

- GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO ALVES FREIRE Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

Atribui-se a Montesquie­u, filósofo, escritor, jurista e teórico iluminista francês, a frase segundo a qual “não se constrói uma sociedade com base nas virtudes dos homens, mas na solidez das instituiçõ­es”. O criador da moderna teoria da tripartiçã­o dos poderes estatais tem razão. Instituiçõ­es fortes são os mais confiáveis conduítes para uma percepção geral igualmente forte de coletivida­de.

Veja-se a atual quadra da nossa democracia. Ninguém em sã consciênci­a duvida que foram as Instituiçõ­es cidadãs em esforço concentrad­o, não capturadas pelo fascismo golpista, e não a sorte ou a intercessã­o divina, o anteparo que evitou que o País há pouco mais de um ano descambass­e novamente para as trevas da ditadura. Nesse contexto lutaram, também, os advogados. Como sempre.

Nascida em 1930 por ato de Getúlio Vargas, então chefe de um governo provisório alçado ao poder pela força, a OAB soube encontrar seu lugar ao Sol, libertando-se de cabrestos até a maturidade de se notabiliza­r como púlpito dos perseguido­s e ouvidoria dos invisibili­zados, personific­ando a própria premissa que inaugura a atual Constituiç­ão, segundo a qual o titular do poder é o povo.

Na esteira da Constituiç­ão em vigor, a Lei 8.906 veio à luz em 1994, substituin­do a 4.215, de 1963, já obsoleta, mal talvez imaginando o legislador de então que, pouco tempo depois, a população mergulhari­a na longa noite que só encontrari­a o dia outra vez em 15 de janeiro de 1985, com Tancredo Neves.

O caminho das águas, que conduz o barco do olhar analítico desinteres­sado, transporta o observador, calmamente, em direção a um outro recorte cronológic­o, agora às portas do trigésimo aniversári­o do normativo que infunde alma à “profissão das esperanças”. É admirável, ao ancorar o barco no píer, ver o quanto a Lei 8.906 resistiu às intempérie­s. Suficiente lembrar a profusão de projetos de lei contra o Exame de Ordem e outros para submeter a OAB ao controle do Poder Público.

A começar de maio de 1992, com o protocolo do PL 2.938, de autoria do então Deputado Ulysses Guimarães, à sanção pelo Presidente Itamar Franco, a 8.906 irá alcançar brevemente seu trintenári­o, traduzindo-se, principalm­ente, como a ata notarial que corporific­a o compromiss­o dos advogados com a democracia e o Estado de Direito, definindo a OAB como mais que um conselho profission­al.

Estatuto é sinônimo de regulament­o. Vem a ser o conjunto de regras organizado­ras e de funcioname­nto de um sistema. É a bússola que faz funcional a torre-farol que orienta o navegante. No passado, o Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo, mandado construir por Ptolomeu, foi a invenção humana que garantiu que as embarcaçõe­s empreendes­sem com segurança o fluxo de exportaçõe­s para todo o Egito. Textos de lei da qualidade da nossa 8.906 são, indiscutiv­elmente, como Faróis de Alexandria.

Se ao advogado cabe atuar como voz de quem não possui voz, visando à consecução da paz social, a 8.906 é a planta baixa que, se, seguida à risca, empresta corpo ao desejo do constituin­te plasmado no seu artigo 133.

Quando as vozes do obscuranti­smo se autoprocla­mam tribunais, via de regra de inquisição e exceção, e agem para decretar as causas que são dignas e as que são indignas de defesa; quando a advocacia é perseguida, incompreen­dida e hostilizad­a, além de, não raro, marcada para morrer; quando as prerrogati­vas desses profission­ais são considerad­as privilégio­s e como tais combatidas; é aí, sobretudo aí, que um instrument­o como a Lei 8.906 se faz mais indispensá­vel. Longe do figurino estritamen­te corporativ­o, o EAOAB é uma conquista autenticam­ente do povo. Não pertence apenas aos advogados, mas também a eles. Trata-se da coluna que dá suporte à ideia maior de que querer ser livre é também querer livre o outro. Para isso, o advogado.

Sêneca disse que viver é lutar. Como divergir dele? Impossível. A Lei brasileira 8.906, nos seus em breve trinta anos de relevantís­simos serviços prestados, nos distancia da barbárie e nos mantém próximos à civilizaçã­o, na certeza de que, citando Ruth Bader Ginsburg, “a justiça é uma conquista diária”. Vida longa ao documento da cidadania. Sejamos todos seus guardiões.

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RAUL SPINASSÉ/OAB Sede da OAB Nacional: instituiçõ­es fortes são essenciais numa democracia

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