OPINIÃO 30 anos do documento da cidadania
A Lei brasileira 8.906, nos seus em breve trinta anos de relevantíssimos serviços prestados, nos distancia da barbárie e nos mantém próximos à civilização...
Atribui-se a Montesquieu, filósofo, escritor, jurista e teórico iluminista francês, a frase segundo a qual “não se constrói uma sociedade com base nas virtudes dos homens, mas na solidez das instituições”. O criador da moderna teoria da tripartição dos poderes estatais tem razão. Instituições fortes são os mais confiáveis conduítes para uma percepção geral igualmente forte de coletividade.
Veja-se a atual quadra da nossa democracia. Ninguém em sã consciência duvida que foram as Instituições cidadãs em esforço concentrado, não capturadas pelo fascismo golpista, e não a sorte ou a intercessão divina, o anteparo que evitou que o País há pouco mais de um ano descambasse novamente para as trevas da ditadura. Nesse contexto lutaram, também, os advogados. Como sempre.
Nascida em 1930 por ato de Getúlio Vargas, então chefe de um governo provisório alçado ao poder pela força, a OAB soube encontrar seu lugar ao Sol, libertando-se de cabrestos até a maturidade de se notabilizar como púlpito dos perseguidos e ouvidoria dos invisibilizados, personificando a própria premissa que inaugura a atual Constituição, segundo a qual o titular do poder é o povo.
Na esteira da Constituição em vigor, a Lei 8.906 veio à luz em 1994, substituindo a 4.215, de 1963, já obsoleta, mal talvez imaginando o legislador de então que, pouco tempo depois, a população mergulharia na longa noite que só encontraria o dia outra vez em 15 de janeiro de 1985, com Tancredo Neves.
O caminho das águas, que conduz o barco do olhar analítico desinteressado, transporta o observador, calmamente, em direção a um outro recorte cronológico, agora às portas do trigésimo aniversário do normativo que infunde alma à “profissão das esperanças”. É admirável, ao ancorar o barco no píer, ver o quanto a Lei 8.906 resistiu às intempéries. Suficiente lembrar a profusão de projetos de lei contra o Exame de Ordem e outros para submeter a OAB ao controle do Poder Público.
A começar de maio de 1992, com o protocolo do PL 2.938, de autoria do então Deputado Ulysses Guimarães, à sanção pelo Presidente Itamar Franco, a 8.906 irá alcançar brevemente seu trintenário, traduzindo-se, principalmente, como a ata notarial que corporifica o compromisso dos advogados com a democracia e o Estado de Direito, definindo a OAB como mais que um conselho profissional.
Estatuto é sinônimo de regulamento. Vem a ser o conjunto de regras organizadoras e de funcionamento de um sistema. É a bússola que faz funcional a torre-farol que orienta o navegante. No passado, o Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo, mandado construir por Ptolomeu, foi a invenção humana que garantiu que as embarcações empreendessem com segurança o fluxo de exportações para todo o Egito. Textos de lei da qualidade da nossa 8.906 são, indiscutivelmente, como Faróis de Alexandria.
Se ao advogado cabe atuar como voz de quem não possui voz, visando à consecução da paz social, a 8.906 é a planta baixa que, se, seguida à risca, empresta corpo ao desejo do constituinte plasmado no seu artigo 133.
Quando as vozes do obscurantismo se autoproclamam tribunais, via de regra de inquisição e exceção, e agem para decretar as causas que são dignas e as que são indignas de defesa; quando a advocacia é perseguida, incompreendida e hostilizada, além de, não raro, marcada para morrer; quando as prerrogativas desses profissionais são consideradas privilégios e como tais combatidas; é aí, sobretudo aí, que um instrumento como a Lei 8.906 se faz mais indispensável. Longe do figurino estritamente corporativo, o EAOAB é uma conquista autenticamente do povo. Não pertence apenas aos advogados, mas também a eles. Trata-se da coluna que dá suporte à ideia maior de que querer ser livre é também querer livre o outro. Para isso, o advogado.
Sêneca disse que viver é lutar. Como divergir dele? Impossível. A Lei brasileira 8.906, nos seus em breve trinta anos de relevantíssimos serviços prestados, nos distancia da barbárie e nos mantém próximos à civilização, na certeza de que, citando Ruth Bader Ginsburg, “a justiça é uma conquista diária”. Vida longa ao documento da cidadania. Sejamos todos seus guardiões.