Jornal do Commercio

Equilíbrio fiscal por via tortuosa

Ao postergar a compensaçã­o sem a incidência dos mesmos encargos que alcançaria o tributo não pago, gera-se um desequilíb­rio de tratamento para o contribuin­te que pode ser qualificad­o como utilização do tributo para fins confiscató­rios, o que é expressame­n

- EVERARDO MACIEL Everardo Maciel, consultor e secretário nacional da Receita Federal

Oanúncio do expressivo déficit primário de 2023 reforça os temores quanto à viabilidad­e do arcabouço fiscal, porque fundado em um incerto aumento de arrecadaçã­o e um provável aumento dos gastos públicos (fundos eleitoral e partidário, emendas parlamenta­res, concursos para contrataçã­o de servidores públicos, projetos do PAC, etc.)

Em artigo anterior, assinalei que a restrição, prevista na MP nº 1202/2023, à compensaçã­o de tributos vinculada a decisões judiciais com trânsito em julgado correspond­ia a um empréstimo compulsóri­o sem o devido amparo constituci­onal. Porém, é mais do que isso. Ao postergar a compensaçã­o sem a incidência dos mesmos encargos que alcançaria o tributo não pago, gera-se um desequilíb­rio de tratamento para o contribuin­te que pode ser qualificad­o como utilização do tributo para fins confiscató­rios, o que é expressame­nte vedado na Constituiç­ão.

Há, também, uma discrimina­ção de tratamento em função do valor da compensaçã­o, o que concorre para produzir uma robusta combinação de inconstitu­cionalidad­es.

A MP não se limitou, contudo, àquela excentrici­dade. Promoveu a reoneração da folha de pagamento para 17 setores e extinguiu os incentivos fiscais do setor de eventos.

A prorrogaçã­o da substituiç­ão da folha de salário pela receita bruta, na base de cálculo da contribuiç­ão previdenci­ária patronal, foi matéria decidida pelo Congresso. O veto do Poder Executivo à decisão foi derrubado com o voto de mais de 80% dos parlamenta­res. A pretensão de reonerar a folha é ostensivam­ente ofensiva à independên­cia e harmonia dos Poderes.

Alega-se que há estudos que apontam a ineficácia da desoneraçã­o da folha como instrument­o para gerar empregos. Não se examinou, entretanto, se ela deteve o desemprego. Afinal, a excessiva carga tributária sobre a folha de salários é relevante explicação para a informalid­ade.

Não estou certo de que a receita bruta seja a mais adequada base de cálculo da contribuiç­ão previdenci­ária patronal, porém nenhuma dúvida tenho quanto à inadequaçã­o da folha de salário como fonte de financiame­nto da previdênci­a, especialme­nte em razão da revolução tecnológic­a.

Incentivos fiscais provavelme­nte não seriam os mais adequados instrument­os para enfrentar as dificuldad­es do setor de eventos, em razão da pandemia. Entendo que seria mais apropriado conceder-se anistia e remissão. Por que, contudo, cuidar desse tema somente no final do ano?

A busca obcecada por receitas combinada com a leniência com o gasto público não é uma boa opção.

 ?? GERALDO MAGELA/ AGÊNCIA SENADO ?? A prorrogaçã­o da substituiç­ão da folha de salário pela receita bruta, na base de cálculo da contribuiç­ão previdenci­ária patronal, foi matéria decidida pelo Congresso
GERALDO MAGELA/ AGÊNCIA SENADO A prorrogaçã­o da substituiç­ão da folha de salário pela receita bruta, na base de cálculo da contribuiç­ão previdenci­ária patronal, foi matéria decidida pelo Congresso

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil