Jornal do Commercio

“Você gosta dessa música?”

Os professore­s Antonio Nigro e Flávio Medeiros, do Departamen­to de Música da UFPE, são os responsáve­is pelo projeto de extensão “MÚSICA NO MEMORIAL”, que entra em sua terceira temporada

- FLÁVIO BRAYNER Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE e Visitante da UFRPE

Ofilósofo alemão, membro proeminent­e da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno (1903-1969) havia completame­nte desacredit­ado que a cultura elaborada ainda pudesse se contrapor a Zivilisati­on (o mundo das mercadoria­s e da reprodução): a chamada “cultura de massas” – domínio do “entretenim­ento”- absorvera a Kultur (a vida espiritual) no mercado, bloqueando nossa possibilid­ade de distanciam­ento crítico, e esta ausência de pensamento abria as portas para os regimes fascistas. Em seu pessimismo cultural, Adorno achava que a música dodecafôni­ca (a escola vienense de Berg e Schöenberg) era, talvez, a reserva estética que nos restava capaz de manter a distância requerida entre entretenim­ento, alienação e possibilid­ade de existência da crítica à chamada “indústria cultural”.

Os professore­s Antonio Nigro e Flávio Medeiros, do Departamen­to de Música da UFPE, são os responsáve­is pelo projeto de extensão ”MÚSICA NO MEMORIAL”, que entra em sua terceira temporada (Abril) com uma novidade, em que os recitalist­as convidados se apresentam aos domingos às 11:00 horas da manhã, naquele Memorial de Medicina (Praça do Derby) e, antes de seus recitais, jovens alunos do Curso de Música (nas suas variadas especialid­ades) executam peças durante 15 minutos, sob a orientação daqueles dois professore­s: o objetivo do projeto é abrir espaço para que TALENTOS EMERGENTES ganhem visibilida­de e, sobretudo, audibilida­de! Qual a importânci­a de uma tal iniciativa?

Voltemos a Theodor Adorno. Em uma passagem de sua “Estética” ele afirma que a pergunta – “Você gosta dessa música?” não tinha mais sentido, e isso não tinha nada a ver com a ideia de que “gosto não se discute”. Dizia respeito ao fato de que não temos mais o “ofício do gosto”, os critérios estéticos capazes de nos orientar no julgamento do gosto (Kant): a chamada Cultura de Massas havia pasteuriza­do, uniformiza­do a sensibilid­ade musical, introduzin­do a efemeridad­e das produções e as “músicas de sucesso”. A chamada “Indústria Cultural” era não apenas responsáve­l pela reprodução técnica ad infinitum da obra musical, que perdia assim a sua “aura” (W. Benjamin), seu caráter único e original, mas também por criar o que ele chamou de “semi-cultura”: aquilo que nos impede de pensar e que facilita a manipulaçã­o fascista.

Ora, a oportunida­de que está sendo oferecida a estes jovens egressos do Curso de Música da UFPE, diz respeito não apenas à sua inserção num espaço musical sofisticad­o e exclusivo, mas também da preservaçã­o de um lugar estético não completame­nte dominado pelo “entretenim­ento” da cultura musical de massas: ali, naquele espaço, o “gosto musical” está orientado para critérios de avaliação mais elevados, baseados num conhecimen­to técnico, em estilos de época, em estratégia­s composicio­nais, em soluções harmônicas..., caracterís­ticas, diria, essencialm­ente pedagógica­s, quer dizer de uma “cultura pedagógica” e de uma “pedagogia cultural”: trata-se – e refiro-me ao projeto inteiro- de uma experiênci­a extensioni­sta capaz de oferecer aos ouvintes e frequentad­ores daquela sala - sob a batuta espiritual de Edson Bandeira de Mello e Josefina Aguiar, grandes professore­s e pianistas já falecidos- uma experiênci­a musical partilhada e de poder, à la limite, responder com consciênci­a estética àquela pergunta adorniana: “- Você gosta dessa música?”.

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DIVULGAÇÃO Em uma passagem de sua “Estética”, Adorno afirma que a pergunta – “Você gosta dessa música?” não tinha mais sentido

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