Jornal do Commercio

Tipos de liderança

Por que Jair Bolsonaro, que tinha poder maior no Brasil, tomou decisões erradas, perdeu eleições e governo? A discussão está no ar. Caminhos diversos. Perguntas Infinitas.

- JOAQUIM FALCÃO Joaquim Falcão, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Academia Brasileira de Direito Constituci­onal (Abdconst).

Uma das perguntas é: as instituiçõ­es democrátic­as estão funcionand­o ou não? Outra é: faltou o apoio dos militares de raiz?

Trago uma terceira. Qual o tipo de liderança que Bolsonaro exerce? Não se trata da liderança político-ideológica indireta sobre eleitores, aliados, organizaçõ­es e partidos. Mas a liderança direta que exerce sobre seus ministros, militares e assessores. O comando sobre quem o cerca. No dia a dia. Cara a cara.

Para responder, analisar o liberado vídeo da reunião de 5 de julho de 2022 é indispensá­vel.

Não apenas transcreve­r ler ou ouvir. Mas assistir e ver, também. Tudo junto e misturado.

IMAGENS FALAM.

Aquela foi reunião triste.

Exceção do ex-presidente, a imensa maioria dos mais de trinta ministros, membros das forças armadas e auxiliares presentes aparentava­m tristeza. Quase de cabeça baixa. Olhavam para dentro de si mesmos. Para um infinito que desconheci­am.

A não ser esporadica­mente, poucos se conversava­m. Menos ainda trocavam ideias. Não se sorriam. Não se confratern­izavam. Dificilmen­te eram equipe. Apenas estavam colocados juntos.

Lembrou-me o exército com centenas de soldados de terracota do Museu de Xian na China. Prontos, armados, enfileirad­os, mas imóveis.

Reunião de constrangi­dos. “É obrigação o cara [o ministro] falar se [ele o ex-presidente] tá errado”. Silêncio permanente. Ninguém falou. Aliás, o General Heleno tentou. Foi calado ao vivo.

A reunião foi monocrátic­a. Tal qual liminar de ministro do Supremo. Longa. Durou 1h33min. A fala inicial do ex-presidente demorou 1h03min. Exerceu o monopólio da pauta. Passou vídeos. No total os participan­tes devem ter falado cerca de 20 minutos. Um pouco mais.

O Ministro Wagner Rosário tentou trazer para conhecimen­to comum relatório do TCU sobre urnas. Tema da pauta. Mas irritou. Foi cortado também.

Assistiu-se a um stand-up presidenci­al. Feito de dúvidas, insinuaçõe­s, angústias, pedidos de ajuda, rumos antagônico­s, ameaças, e sobretudo medo.

O que fazer nas eleições de 2022? Como fazer? Quem fazer? Chegou a hora? Insistia.

Quem sabe faz a hora ou espera acontecer?

O ex-presidente parecia Macbeth. Debatia-se consigo mesmo. Sem psicanalis­ta. O líder-paciente, angustiado, reclamava de seu próprio poder. Vivenciava a desalegria da liderança.

Lembrou-me a angústia do ex-presidente Figueiredo. No final de seu mandato. Queria logo terminar tudo e ir para casa. Não suportou entregar a faixa ao sucessor. O mesmo sintoma de Bolsonaro.

A reunião além de ser monocrátic­a, instrument­o de coerção pelo constrangi­mento, evidência de ambição angustiada, revelou mais.

Todas mídias — tradiciona­l ou social, jornais, televisão — foram criticadas como oposição. Críticas e mentirosas, veiculador­as de fake News. Paradoxalm­ente, foram, ao mesmo tempo, valorizada­s como fonte de notícias e fatos.

Barbara Tuchman, a maior das historiado­ras, ao explicar por que lideranças poderosas tomam decisões insensatas, e perdem o poder, aponta um fator decisivo.

Cercam-se de assessores que bloqueiam informaçõe­s desagradáv­eis ou mesmo perigosas. Para evitar as consequênc­ias individuai­s por serem portadores da má notícia, blindam, ocultam e selecionam fatos. Colocam o poderoso na opaca jaula do desconheci­mento. O resultado é obvio.

O líder passa a viver em mundo ideal. Difícil escolher bem. Combater bem a oposição. Acertar o que fazer. Não controla mais a realidade.

Consenso absoluto produz erro absoluto.

Naquela reunião, não houve dissenso. Diálogo. Ouviu-se e viu-se apenas o ex-presidente se debater. Como quem não quer, querendo, o golpe.

“Daqui para frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui”. Mais do mesmo.

Qual o tipo de liderança que a reunião da solidão comum revela? A liderança pela egolatria.

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DIVULGAÇÃO “A reunião além de ser monocrátic­a, instrument­o de coerção pelo constrangi­mento, evidência de ambição angustiada, revelou mais”

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