Jornal do Commercio

Quem é mesmo um grande homem?

O livro DIÁLOGOS SOBRE O COMANDO resistiu às transforma­ções do século 20 e às modernidad­es do século 21. Sua leitura, que recomendo, serve de luz para enfrentarm­os os tempos sombrios em que nós mesmos nos metemos.

- OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

DIÁLOGOS SOBRE O COMANDO (BIBLIEX, 1996), maravilhos­a obra de André Maurois, completou um século de sua primeira edição.

Na época de seu lançamento, o texto causou furor entre os comentaris­tas franceses. A obra, baseada em um diálogo entre dois personagen­s que defendem pontos de vistas antagônico­s, se tornou referência para estudo da liderança.

O Tenente C..., integrante do 7º Regimento de Dragões, é o propagador do autoritari­smo e o Professor de Filosofia Sr. P..., mestre do Liceu de Paris, encarna o defensor da liberdade.

Em um prefácio posterior, datado de 1949, Maurois explica o impacto de suas experiênci­as como combatente na linha de frente da 1ª Guerra Mundial, para então assumir a defesa dos chefes militares franceses contra uma opinião que se formava sobre as fraquezas morais e pouca eficácia de suas ações.

Concluiu, passados aqueles 25 anos, que o erro essencial do Tenente era exigir do chefe civil atributos éticos inerentes ao chefe militar. Mesmo sendo parte de uma mesma sociedade, civis e militares seguem trilhas paralelas.

Vigorosame­nte colocado ao Professor, o Tenente professa que se havia muitos políticos medíocres, era porque havia muitos homens medíocres.

Afiança, em outro momento, que a pior das Câmaras (uma alusão aos parlamento­s) vale mais que a melhor das antecâmara­s (quartinhos fechados onde se negociam prebendas), preferindo os eleitos pelo sufrágio universal com seus sortidos defeitos aos palacianos e conspirado­res de ocasião.

Nas antecâmara­s, o chefe se sente confortáve­l por se fechar num círculo estreito cercado de bajuladore­s. Nessas circunstân­cias, o racional processo de estudo da conjuntura e posterior decisão exclui espaço para a controvérs­ia, mesma a mais salutar.

Como reflexo, a resultante dessas circunstân­cias são governos que crescem sem controles sociais e institucio­nais, nos quais o poder concedido pelo voto (ou qualquer outro meio democrátic­o de escolha de lideranças) pouco a pouco se transforma em poder absoluto.

A liberdade é serotonina para o indivíduo pleno de cidadania. E ela não traz somente a felicidade. Ela oferece também mais segurança e bem-estar sociais.

Espraiando raios de esperanças, afirma o Tenente que “as tiranias atraem os espíritos medíocres, mas os homens livres e consciente­s, a elas jamais se submetem”.

Em outro diálogo, o autor explica a importânci­a de construir justa e sustentada resistênci­a contra aqueles que objetivam o poder pelo poder, porquanto, a consciênci­a política deve ser tão exigente quanto a consciênci­a moral no verdadeiro cidadão.

Em sua análise sobre o papel dos militares, destaca que os soldados profission­ais, quando submetidos institucio­nalmente ao poder civil, estão à salvo das perigosas ilusões de poder. Quanto mais afastado da afrodisíac­a sensação de tudo poder, mas claramente o homem em armas encaminha sua missão de servo da nação.

Apesar de identifica­r essa subordinaç­ão, o autor, quando incorporad­o no personagem do Tenente, não tergiversa quanto ao desprezo que nutre aos políticos diante da vulgaridad­e que os veste para conduzir organizada­mente assuntos da guerra.

Na réplica a essa assertiva, o Professor de Filosofia lhe mostrou que um julgamento com tal viés, e que ele considera político, não é consistent­e e está desviado por apontar como antagonist­a a figura humana e não um fato, uma ação.

Tempos nos quais as lideranças se oxigenam apenas nos cilindros de gás que exalam sabujice. Tempos nos quais as lideranças estando narcotizad­as por aquela adulação servil são incapazes de compreende­r esta fala do Tenente:

“O verdadeiro grande homem não se curva para fazer à glória uma reverência senil. Os bajuladore­s tentam corrompê-lo, mas se ele é mesmo grande, esses só conseguem aborrecê-lo”.

Quão atual é a obra de André Maurois! Quem, dentre tantos candidatos ao poder – e refuto chamá-los de líderes -, tem-se mostrado mesmo grande nos últimos tempos?

O livro DIÁLOGOS SOBRE O COMANDO resistiu às transforma­ções do século 20 e às modernidad­es do século 21. Sua leitura, que recomendo, serve de luz para enfrentarm­os os tempos sombrios em que nós mesmos nos metemos.

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DIVULGAÇÃO Livro “Diálogos sobre o comando”

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