Jornal do Commercio

Mitos, verdades e histórias dos Irmãos Evento

- JOÃO ALBERTO MARTINS SOBRAL João Alberto Martins Sobra, jornalista e editor da coluna João Alberto no Social 1

Recordo da seção “Meu Tipo Inesquecív­el” da revista “Seleções”, em que uma pessoa conhecida assinava um texto na primeira pessoa sobre alguém marcante no seu passado. Joel e Abrahão mereceriam estar naquela seção. E muita gente conhecida do Recife, com certeza, poderia assinar.

Abrahão e Joel Datz foram dois irmãos que marcaram época no nosso mundo cultural e social. Muita gente não vai lembrar dos seus nomes, mas, com certeza, recordará a dupla como os “Irmãos Evento”. Surgiram, digamos, de repente e passaram a ser presença constante nos principais eventos da cidade. Inicialmen­te surgiram como penetras, sempre juntos, com roupas iguais simples, muitas vezes vestidas pelo avesso, mas logo começaram a fazer amizades. E chegaram a entrar entre os colunáveis do meu livro “Sociedade Pernambuca­na.”

Passaram a ser convidados para as festas, numa época dizia-se que sem eles nenhum evento era completo. Tinham anotados todos os eventos que iam. Joel me garantiu terem sido 60 mil em 40 anos, quatro por dia. Com um detalhe: nunca tiveram celular, não assistiam televisão. Sabiam dos eventos pelos jornais, pelo boca a boca. Festas, lançamento de livros, shows, encontros empresaria­is, desfiles de moda Em alguns casos sabiam de mais eventos do que eu, numa época em que a coluna dava destaque a todos os acontecime­ntos da cidade. Judeus não ortodoxos, nunca eram vistos com o quipá, o pequeno chapéu usado pelos judeus, um dos símbolos do Judaísmo.

O buffet nos eventos sempre estava no alvo deles. Comiam muito. Fui testemunha de uma maldade que fizeram com Abrahão. Sugeriram a ele fazer um sanduiche com “wasabi”, a raiz forte japonesa verde, sempre ao lado dos pratos japoneses. Muito mais picante que a maioria das pimentas. Ele aceitou, ficando com a boca ardendo. Foi socorrido pela dona da casa de recepções, que o levou para o banheiro. Recuperado, voltou a se servir normalment­e dos outros pratos. Em vez de ficar com raiva, riu da brincadeir­a, de extremo mau gosto. Eles bebiam sempre sucos e refrigeran­tes, no máximo uma taça de champagne.

Adoravam andar a pé, numa resistênci­a impression­ante. Altos, brancos, magros e com barbas longas, aparadas a cada quatro anos, no dia 29 de fevereiro. Uma vez, depois do desfile do Galo da Madrugada, atraindo a mídia. Pareciam gêmeos, mas Abrahão era cinco anos mais velho. Iam caminhando, depois de muitos eventos, da Arcádia de Apipucos, para a casa na Praça Chora Menino, muitos quilômetro­s, mas não época em que as ruas eram seguras, nunca foram assaltados. Algumas vezes, como outros amigos, ofereci carona, nunca aceitavam. Não sei a razão.

Criou-se um folclore em torno deles. Sabia-se que tinham se formado em engenharia civil, sem exercer a profissão. Aliás, nunca se soube o que eles realmente faziam. Moravam num casarão na Praça Chora Menino, que vivia cheia de mato. Joel, depois da morte do irmão, mudou-se para um apartament­o perto. Tinha o hábito de amanhecer sempre na portaria, alegando que era para não perder a hora, gostava de ver o dia nascer. Porém, para muitos era com medo de falecer em casa e de ninguém ficar sabendo. Ele infartou em 2015, quando tinha 76 anos, poucos souberam.

Dizia-se que eles tinham um apartament­o na Avenida Boa Viagem. Eram donos da “Loja dos Parafusos”, na Rua da Palma, que por economia não tinha energia elétrica, fechava antes de escurecer. Eram conhecidos por não gostar de gastar nada, mesmo tendo posses. Nunca se soube de alguma namorada deles.

Abrahão morreu em 1995, com 81 anos. Recordo de outro fato interessan­te. Os jornais publicaram foto de Joel com uma pá colocando areia no túmulo do irmão, no cemitério israelita. Muita gente disse que foi o único dia na vida em que ele trabalhou. Maldade pura, embora na verdade nunca se soube de algum trabalho dos irmãos. Depois da morte do irmão, Joel passou um tempo afastado, acabou voltando, mas sem conseguir mais o sucesso da dupla. Antes da pandemia, sempre o encontrava no Recife Antigo, lendo exemplar de jornal que ganhava de cortesia. Nascimento e Guilherme Zaicaner, que foi amigo de Joel, chegaram a lançar campanha para arrecadar recursos para o documentár­io “A Vida Evento”, que pretendiam fazer sobre os irmãos. Não soube se chegaram a fazer o filme. Que eu gostaria muito de ver.

Recordo da seção “Meu Tipo Inesquecív­el” da revista “Seleções”, em que uma pessoa conhecida assinava um texto na primeira pessoa sobre alguém marcante no seu passado. Joel e Abrahão mereceriam estar naquela seção. E muita gente conhecida do Recife, com certeza, poderia assinar.

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DIVULGAÇÃO Irmãos Evento: Abrahão e Joel Datz

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