Jornal do Commercio

Mãe Beth de Oxum protesta após Prefeitura de Olinda servir comida a músicos no chão no Carnaval: ‘Racismo estrutural’

‘Luísa Sonza, Paralamas do Sucesso ou Marcelo Falcão iriam comer no chão? São várias camadas de violência que mostram um pouco do que está se tornando o Carnaval’, diz artista

- EMANNUEL BENTO

Aialorixá, mestre coquista e comunicado­ra popular Mãe Beth de Oxum, patrimônio vivo de Pernambuco, gravou um vídeo para expressar a sua indignação por um episódio de desrespeit­o com o seu grupo, o Coco de Umbigada, nos bastidores do Carnaval de Olinda de 2024.

Após uma apresentaç­ão no Polo Guadalupe, no sábado (10), os integrante­s do grupo se dirigiram ao camarim, onde seria servida uma refeição. Para surpresa da coquista, o alimento foi servido no chão - uma estrutura metálica coberta por um carpete cinza. No vídeo de denuncia, que viralizou nas redes, ela aparece ao lado do marido, o percussion­ista Mestre Quinho Caetés.

“Não era o chão sagrado que consagramo­s em nosso terreiro. Era um outro contexto, em uma atitude que fere a nossa dignidade. Uma pessoa da produção me disse que ainda iriam chegar as mesas e cadeiras. Se não havia estrutura, então que não servissem o lanche”, disse Beth de Oxum, ao JC.

“Eu vi nessa atitude muito racismo estrutural. Você acha que se fosse uma Luísa Sonza, um Paralamas do Sucesso ou um Marcelo Falcão, eles iriam comer no chão? São várias camadas de violência que mostram um pouco do que está se tornando o Carnaval de Olinda e do Recife.”

De acordo com a artista, a Prefeitura de Olinda não entrou em contato para explicaçõe­s ou pedidos de desculpas.

EPISÓDIO EM POLO DO RECIFE

Durante a entrevista, a coquista também comentou sobre um ocorrido no Polo Lagoa do Araçá, da programaçã­o descentral­izada do Recife, no domingo (11) de carnaval. Beth de Oxum relata que, apesar da presença de um palco, as atrações da cultura popular se apresentar­am no chão, sem estrutura.

“O palco, uma estrutura gigantesca, ficou desocupado quase o dia todo. Eu, o maracatu, o boi, todos nos apresentam­os no chão. Tinham uns 30 microfones lá em cima, mas nos deram apenas três”, relata.

“Também não podíamos adentrar a estrutura do palco para ir ao banheiro. Não queriam nos dar as pulseiras. Não tivemos acesso aos camarins. Não se pode tratar a cultura popular desse jeito”, diz Mãe Beth.

“DE QUEM É O CARNAVAL DE PERNAMBUCO?”

Para a mestra, os episódios são oportunida­des para os gestores públicos e o grande público fazerem uma reflexão sobre a festa: “De quem é o Carnaval de Pernambuco?”.

“A essencial do Carnaval somos nós [da cultura popular]. Não precisamos dessas grandes estrelas. Pernambuco não pode ratear o seu Carnaval e virar um grande festival. Nós fomos responsáve­is por essa festa, criamos essa festa e estamos sendo excluídos”, protesta.

“Os turistas vêm assistir o Carnaval de Pernambuco com suas tradições. Eles vêm atrás de blocos, orquestras, bonecos gigantes, caboclinho­s e todo esse universo da cultura popular. Assim, eles são os verdadeiro­s donos e estrelas da festa. Tratar mal essa base é desvirtuar o sentido do Carnaval”, finaliza.

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Mãe Beth de Oxum durante a Sambada do Coco de Umbigada, em 2024

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