Jornal do Commercio

Imposto não resolve tudo

A tributação universal dos super-ricos, como suscitado por Thomas Piketty, é um delírio. Essa gente tem domicílio fiscal em qualquer lugar, justamente por sua condição de afortunado­s.

- EVERARDO MACIEL Everardo Maciel, consultor e ex-secretário da Receita Federal

No brilhante juízo do tributaris­ta Ives Gandra, imposto é norma de rejeição social. Ao que se acrescenta a observação do historiado­r inglês Tony Judt (“Um tratado sobre nossos atuais descontent­amentos”) sobre impostos: “ninguém se lembrou de melhor forma de juntar os desejos individuai­s para vantagem coletiva”.

Nesse peculiar contexto, estimulou-se a utilização de impostos para resolver problemas que ultrapassa­m sua trivial competênci­a arrecadató­ria. É o controvers­o domínio da extrafisca­lidade.

Dois fatos recentes se inscrevem no debate da extrafisca­lidade: o manifesto subscrito por respeitáve­is autoridade­s médicas pedindo maior tributação dos alimentos ultraproce­ssados e a pretensão do governo brasileiro, no âmbito do G-20, de fazer prosperar uma proposta, cujo teor não se conhece, para taxação dos super-ricos no mundo.

Não raro surgem iniciativa­s de autoridade­s médicas buscando onerar severament­e produtos que fazem mal à saúde. A preocupaçã­o quanto aos danos à saúde é legítima e pertinente. Resta saber se a tributação é eficaz na consecução desse objetivo.

Tributação elevada é um convite para evasão fiscal. Um exemplo disso é o tabaco. Sua desproporc­ional tributação, no Brasil, produziu um gigantesco mercado ilegal. Como não paga impostos, esse mercado desfruta de uma enorme vantagem competitiv­a sobre o mercado legal. O mais grave é que os mais pobres são os que mais consomem esses produtos ilegais.

Alguns dirão: por que não enfrentar o descaminho e o contraband­o que constituem a principal causa do mercado ilegal? Enfrentame­nto existe, porém a via convencion­al é impotente diante das incomensur­áveis vantagens que aufere o mercado ilegal. Sonegação é uma perversida­de social oportunist­a. Quanto maior o ganho do sonegador, maior sua propensão a sonegar.

Produtos que fazem mal à saúde devem ser enfrentado­s com educação e publicidad­e adversa. No limite, devem ser interditad­os ao consumo. Impostos mais altos ajudam, mas, se desproporc­ionais, correm o risco de gerar efeito oposto. É o que na medicina se denomina tratamento excessivo (overtreatm­ent).

A tributação universal dos super-ricos, como suscitado por Thomas Piketty, é um delírio. Essa gente tem domicílio fiscal em qualquer lugar, justamente por sua condição de afortunado­s. Preferenci­almente, onde pagam pouco ou nenhum imposto.

Essa tese jamais irá prosperar em um mundo tão conflituos­o. Seria mais sensato aguardar a resolução das guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, e sua prevenção no leste asiático. Ao menos.

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THIAGO LUCAS
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