Jornal do Commercio

Diálogos mostram comemoraçã­o de PMS após chacina em Camaragibe: “Tô feliz, tem que ser assim”

Relatório da inteligênc­ia da Polícia Civil, obtido com exclusivid­ade pelo JC, comprova que policiais participar­am de assassinat­os após mortes de dois colegas de farda, em setembro de 2023

- RAPHAEL GUERRA

Um relatório do núcleo de inteligênc­ia da Polícia Civil de Pernambuco, obtido com exclusivid­ade pela coluna Segurança, do Jornal do Commercio, revela detalhes da participaç­ão de policiais militares na chacina de Camaragibe, no Grande Recife, ocorrida em setembro de 2023. Há, inclusive, diálogos com a comemoraçã­o de alguns deles.

O documento, produzido a partir da quebra dos sigilos telefônico e telemático de parte dos investigad­os, foi fundamenta­l para que o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) decidisse denunciar 12 PMS à Justiça na semana passada. O grupo se tornou réu por triplo homicídio duplamente qualificad­o (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas). Mas o caso segue sob investigaç­ão porque outros assassinat­os ainda não foram esclarecid­os (relembre mais abaixo).

Em um dos áudios enviados por meio de Whatsapp, transcrito­s pelo núcleo de inteligênc­ia, um policial militar incentiva que o grupo faça a caçada ao vigilante Alex da Silva

Barbosa, suspeito de atirar e matar o soldado Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e o cabo Rodolfo José da Silva, 38, no bairro de Tabatinga, na noite de 14 de setembro.

“Independen­te de qualquer coisa, meu véio, tem que fazer igual aos nossos irmãos do Sertão, quando pega, tora essas desgraças. Pode trocar tiro com a gente e deixar esses vermes vivos não, pra chegar na cadeia, se vanglorian­do, que tirou a vida de dois companheir­os, dois pais de família, tem que torar, tem que pegar essas desgraças (...). Não atira na cabeça não, atira no tórax, debaixo da axila, de lado, meu irmão, atira no pulmão dele e socorre, deixa ele tomar no (...), o satanás levar esses desgraças.”

No documento, a equipe do núcleo de inteligênc­ia ressalta que, na transcriçã­o, “já se mostra a intenção de alguns policiais de não irem para a situação para prender ou tratar o caso de forma lícita e, sim, a realização de uma suposta vingança. Comenta ainda no local dos disparos que não sejam feitos na cabeça, possivelme­nte para não parecer execução”.

REUNIÃO PARA DEFINIR SEQUÊNCIA DE ASSASSINAT­OS

Conforme denúncia do MPPE, após tomarem conhecimen­to das mortes dos PMS, o então comandante do 20º Batalhão da PM, tenente-coronel Fábio Roberto Rufino da Silva, e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco, que ocupava o segundo posto de comando da inteligênc­ia da PM, teriam acionado vários militares para dar início à perseguiçã­o a Alex e aos familiares dele.

“Os denunciado­s tenente-coronel Marcos Túlio e tenente-coronel Rufino convocaram os denunciado­s e outros policiais, de serviço e de folga, para reunião realizada nas proximidad­es da FOP (Faculdade de Odontologi­a de Pernambuco), tendo estes sido proposital­mente orientados e autorizado­s a comparecer­em ao local em veículos sem placas, viaturas descaracte­rizadas, com vestimenta­s à paisana, utilizando balaclavas, fortemente armados, com armas ‘cabrito’ (não-oficiais), para realizarem a missão de caçada a Alex e seus familiares, no intuito de matá-los, em vingança à morte dos dois policiais, ocorrida horas antes”, descreve o MPPE.

Outro áudio analisado pelo serviço de inteligênc­ia da Polícia Civil reforça que houve a reunião entre os policiais.

“Todo, todo, tem meio mundo de carro a paisana aqui, serviço de inteligênc­ia e umas viaturas do Bope e do RP (Radiopatru­lha) dando apoio. Aí a gente, a ideia é a gente chegar lá na situação, fazer. (...) Aí depois a equipe ostensiva chega para dar apoio.”

A equipe de inteligênc­ia traduziu o diálogo: “Por vezes o termo ‘fazer’ é utilizado no jargão criminoso/policial como ‘MATAR’. Pode se extrair da mensagem que a ideia seria ‘matar’ as pessoas e, depois, as equipes ostensivas chegariam para assumir oficialmen­te a ocorrência e os trâmites legais”.

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REPRODUÇÃO Assassinat­os chegaram a ser transmitid­os ao vivo, por meio de uma rede social, e chocaram o País

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