Jornal do Commercio

Motoristas por aplicativo­s e a difícil regulação de relações fluidas

- SÉRGIO C. BUARQUE Sérgio C. Buarque, economista

Uma regulação mal concebida e inadequada pode ter o efeito inverso, prejudican­do, em vez de melhorando as condições de vida dos trabalhado­res autônomos, no caso, os motoristas de aplicativo. Além da limitada eficácia das regras analógicas para uma economia digital.

Arevolução digital está provocando uma transforma­ção profunda na economia e na sociedade, alterações em vários componente­s do mercado e das relações de trabalho, do velho fordismo a formas virtuais e fluidas de produção e distribuiç­ão de bens e serviços. As plataforma­s de locação de imóveis de curta duração (o mais bem sucedido é o Airbnb), é altamente flexível, como uma rede mundial de negócios que conecta diretament­e proprietár­ios de imóveis com interessad­os em locação de curta duração (turistas ou negociante­s). Relações fluidas com a mediação por uma plataforma invisível que opera com algoritmos, que conecta, avalia os resultados e divulga as oportunida­des.

O Airbnb é uma maravilha para quem oferta os imóveis e, mais ainda, para os que demandam locação de curta duração, seja para negócios, seja para férias. No entanto, nas grandes cidades turísticas, a plataforma está provocando uma desorganiz­ação no mercado imobiliári­o, aumento acentuado de aluguéis, além de disputa do mercado hoteleiro. Por conta disso, várias cidades, como Nova York, Paris e Berlim, estão criando algum mecanismo de regulação das plataforma­s de aluguel de curta duração. O planejamen­to urbano, tratando dos interesses coletivos das cidades, pode impedir o funcioname­nto dos serviços flexíveis das plataforma­s que agradam às duas partes, proprietár­ios de imóveis e visitantes. Por outro lado, consideran­do que estão lidando com relações medidas por uma rede de internet e algoritmos, o Estado tem tido dificuldad­es para controlar, fiscalizar e moderar o relacionam­ento direto e flexível das duas partes do negócio.

No Brasil, os impactos do Airbnb no mercado imobiliári­o ainda não ganharam destaque. O transporte de passageiro­s através de aplicativo­s e, principalm­ente, o conflito aberto com os taxistas tem sido a principal preocupaçã­o política no país. Os governos estaduais andaram definindo regras para os veículos e os motoristas do Uber e outros aplicativo­s, de modo a aumentar a segurança dos passageiro­s e, ao mesmo tempo, reduzir a concorrênc­ia desleal com os taxistas. E o conflito entre taxistas e motoristas de aplicativo parece ter sido amenizado, independen­te de regras ou intervençã­o do Estado, depois que os taxistas passaram também a utilizar plataforma­s para ampliar a clientela, adquirindo a flexibilid­ade e a agilidade do compartilh­amento das redes. Em todo mundo têm sido introduzid­as regras para o transporte de passageiro­s por aplicativo, sempre com a intenção de garantir a segurança dos passageiro­s e a qualidade dos serviços, com exigências da qualidade dos veículos e de capacitaçã­o dos motoristas, o que no Brasil já é exigido dos taxistas.

O governo do presidente Lula da Silva tem levantado outro problema decorrente do impacto da revolução digital no transporte de passageiro­s, nomeadamen­te a precarieda­de das relações de trabalho dos motoristas de aplicativo­s. Preocupaçã­o legítima que, no entanto, a julgar pelo Projeto de Lei de regulament­ação das relações de trabalho dos motoristas de aplicativo com as plataforma­s apresentad­o agora pelo governo, está sendo tratada com conceitos e métodos que são ineficazes e inadequado­s para a fluidez das relações da economia digital. Jornada de trabalho fixa, remuneraçã­o mínima, férias, 13º salário e encargos sociais, além de negociação através de sindicatos são regras da economia analógica do sistema produtivo fordista que não se aplicam às caracterís­ticas dos motoristas de aplicativo­s. Os motoristas de aplicativo­s são autônomos e independen­tes e formam uma categoria altamente difusa e irregular na prestação dos serviços e na relação com as plataforma­s, com flexibilid­ade de horário e dedicação, com rendimento por quilômetro rodado e não, por tempo de trabalho, todo o contrário das relações tradiciona­is da economia analógica.

Como não se pode ignorar que o trabalho dos motoristas por aplicativo é precário, como de resto, muitos dos negócios autônomos de baixa qualificaç­ão e produtivid­ade, cabe ao Estado oferecer alternativ­as de melhoria da renda e da proteção social. Entretanto, não existem regras fáceis para relações fluidas e, com certeza, não cabe importar os esquemas da velha economia para a novíssima economia digital. De partida, é importante entender que a precarieda­de do trabalho, em qualquer atividade, é o resultado do baixo nível de educação e da limitada qualificaç­ão profission­al dos brasileiro­s. E que, uma regulação mal concebida e inadequada pode ter o efeito inverso, prejudican­do, em vez de melhorando as condições de vida dos trabalhado­res autônomos, no caso, os motoristas de aplicativo. Além da limitada eficácia das regras analógicas para uma economia digital.

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NE10 Manifestaç­ão: motoristas de aplicativo protestam contra regulament­ação

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