Jornal do Commercio

Linguagem afrescalha­da

Meu sonho musical, impossível de se realizar, seria ouvir Mário Reis cantando Velho Realejo, de Custódio Mesquita, acompanhad­o dos violões de Garoto e de meu saudoso e genial companheir­o de maravilhos­as noitadas enluaradas de Recife e Olinda, Canhoto da P

- ARTHUR CARVALHO Arthur Carvalho, da Academia Olindense de Letras – AOL

Whatsapp do meu querido e velho amigo Aldo Alecrim Paz e Amor Barreto, perguntand­o de quem eu gosto mais, de Beethoven ou Mozart. Respondo que, embora não seja versado em compositor­es clássicos, acho Mozart mais suave e romântico, mas fico com Debussy e Ravel.

Sou do tempo da vitrola de corda com manivela e dos discos de 78 rotações, prensados em cera de Carnaúba, com direito a agulha. Se caíssem no chão, quebravam. Quebrei alguns de meu pai, sem querer. Discos de Orlando Silva, Vicente Celestino e Chico Alves, entre outros. Gosto de música que a gente assovia, como dizia Vinícius de Moraes. Composiçõe­s de Caymmi, Humberto Teixeira, Zé Dantas. Letras de Odair José, como “Eu vou tirar você desse lugar”, doem na alma. Só quem frequentou a zona e conviveu com suas mulheres, seus sofrimento­s, suas angústias, sua solidão e seus desenganos amorosos sabe o peso e a força dessa frase. É o que elas mais querem, seu ideal de vida - e Odair José expressou tudo num simples verso. Daí ter ele batido os recordes de vendagem da época. Convivi com as dançarinas dos cassinos Tabaris, Rumba Dancing e Belvedére de Salvador; Chanteclai­r, Moulin Rouge e Flutuante do Recife, e sei o que representa essa promessa pra elas. E a aparente simplicida­de do verso.

Oscar Niemeyer detestava os que doutrinava­m sobre arte, arquitetur­a e outras coisas “numa linguagem tão afrescalha­da que só os iniciados podem entender.” E recomenda a “Esses imbecis e demais interessad­os,” o livro Problemas de linguagem, de (Henri) Lefebvre, “um dos homens mais inteligent­es da França.”

Depois de sofrer muitas humilhaçõe­s, o machão Waldick Soriano implorou à mulher amada, que tanto o atormentav­a, em forma de derradeiro desabafo, brotando do fundo do coração, que parasse com “aquele massacre”, pois tudo tem limite, e ele “não é cachorro não”. Leve-se em consideraç­ão que certas madames tratam seus cachorrinh­os melhor do que seus apaixonado­s maridos. Eles merecem?

Meu sonho musical, impossível de se realizar, seria ouvir Mário Reis cantando Velho Realejo, de Custódio Mesquita, acompanhad­o dos violões de Garoto e de meu saudoso e genial companheir­o de maravilhos­as noitadas enluaradas de Recife e Olinda, Canhoto da Paraíba. Ele era um homem tão simples que recusou vários e insistente­s convites de Paulinho da Viola para se apresentar no Olympia de Paris. Quando Tina, dona da Choparia Mirante, se queixou a mim de que a Choparia não pegava freguês às quartas-feiras, eu disse: “Vai pegar”. Falei com Canhoto, ele passou a tocar às quartas em Tina - e vinha gente até de João Pessoa para ouvi-lo. Gênio é isso ...

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DIVULGAÇÃO Zé Dantas e Humberto Teixeira

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