Linguagem afrescalhada
Meu sonho musical, impossível de se realizar, seria ouvir Mário Reis cantando Velho Realejo, de Custódio Mesquita, acompanhado dos violões de Garoto e de meu saudoso e genial companheiro de maravilhosas noitadas enluaradas de Recife e Olinda, Canhoto da P
Whatsapp do meu querido e velho amigo Aldo Alecrim Paz e Amor Barreto, perguntando de quem eu gosto mais, de Beethoven ou Mozart. Respondo que, embora não seja versado em compositores clássicos, acho Mozart mais suave e romântico, mas fico com Debussy e Ravel.
Sou do tempo da vitrola de corda com manivela e dos discos de 78 rotações, prensados em cera de Carnaúba, com direito a agulha. Se caíssem no chão, quebravam. Quebrei alguns de meu pai, sem querer. Discos de Orlando Silva, Vicente Celestino e Chico Alves, entre outros. Gosto de música que a gente assovia, como dizia Vinícius de Moraes. Composições de Caymmi, Humberto Teixeira, Zé Dantas. Letras de Odair José, como “Eu vou tirar você desse lugar”, doem na alma. Só quem frequentou a zona e conviveu com suas mulheres, seus sofrimentos, suas angústias, sua solidão e seus desenganos amorosos sabe o peso e a força dessa frase. É o que elas mais querem, seu ideal de vida - e Odair José expressou tudo num simples verso. Daí ter ele batido os recordes de vendagem da época. Convivi com as dançarinas dos cassinos Tabaris, Rumba Dancing e Belvedére de Salvador; Chanteclair, Moulin Rouge e Flutuante do Recife, e sei o que representa essa promessa pra elas. E a aparente simplicidade do verso.
Oscar Niemeyer detestava os que doutrinavam sobre arte, arquitetura e outras coisas “numa linguagem tão afrescalhada que só os iniciados podem entender.” E recomenda a “Esses imbecis e demais interessados,” o livro Problemas de linguagem, de (Henri) Lefebvre, “um dos homens mais inteligentes da França.”
Depois de sofrer muitas humilhações, o machão Waldick Soriano implorou à mulher amada, que tanto o atormentava, em forma de derradeiro desabafo, brotando do fundo do coração, que parasse com “aquele massacre”, pois tudo tem limite, e ele “não é cachorro não”. Leve-se em consideração que certas madames tratam seus cachorrinhos melhor do que seus apaixonados maridos. Eles merecem?
Meu sonho musical, impossível de se realizar, seria ouvir Mário Reis cantando Velho Realejo, de Custódio Mesquita, acompanhado dos violões de Garoto e de meu saudoso e genial companheiro de maravilhosas noitadas enluaradas de Recife e Olinda, Canhoto da Paraíba. Ele era um homem tão simples que recusou vários e insistentes convites de Paulinho da Viola para se apresentar no Olympia de Paris. Quando Tina, dona da Choparia Mirante, se queixou a mim de que a Choparia não pegava freguês às quartas-feiras, eu disse: “Vai pegar”. Falei com Canhoto, ele passou a tocar às quartas em Tina - e vinha gente até de João Pessoa para ouvi-lo. Gênio é isso ...