Comunicar a Justiça e a proposta Barroso
A receita é ir com calma para não perder o ponto do caramelo. Roma não se fez em um dia.
Desde a sua posse nas Presidências do STF e do CNJ, o Ministro Luís Roberto Barroso vem martelando como um dos objetivos da sua gestão a simplificação comunicativa do Judiciário à sociedade. A ideia, de cara, convida, com boa vontade, à reflexão.
O Ministro defende uma linguagem menos rebuscada, menos empolada, tanto por juízes, quanto por defensores de um modo geral (i.e., Defensoria Pública e Advocacia), além do Ministério Público, partindo do ponto de que “é preciso parar com esse negócio de achar que quem fala complicado é inteligente”.
Nessa direção, já temos o “Pacto Nacional pela Linguagem Simples”, do Conselho Nacional de Justiça, baseado em cinco 5 eixos, o principal dos quais é o da simplificação da linguagem nos documentos, ramificando-se em duas frentes: (a) estimular a linguagem simples e direta nos documentos judiciais, sem o uso de expressões ou terminologias técnicas que se possa evitar; e (b) criar manuais e guias para orientação do cidadão relativamente a expressões técnicas que não possam ser dispensadas nos textos jurídicos.
Obviamente, a culturalização de uma linguagem que aproxime ao invés de distanciar e que explique ao invés de confundir, dialoga com o interesse público; entretanto, há riscos sérios embutidos, o que impõe livrar ditos compromissos da armadilha da “youtubização” e “instagramização” da comunicação de conhecimentos que, por definição, exigem estudo e dedicação. O emprego do conceito jurídico correto, quando emanado de um técnico, traz segurança à fala externalizada. Demonstra, em suma, que o autor do parecer ou opinião domina aquilo que diz. A linguagem técnica, portanto, não é a vilã da trama, mas uma garantia, o que não a afasta de aperfeiçoamentos, como toda atividade humana.
Ora, ninguém em sã consciência espera que entre médicos ou engenheiros ou economistas se adote um jeito de comunicar típico de quem não transita na respectiva área. O que se espera, na realidade, é que, quando o conhecimento técnico for transmitido ao leigo, este o entenda. É traduzir a linguagem técnica para que o receptor perceba o que está em jogo e no que aquilo interfere em sua vida. É explicar para que a percepção aconteça com naturalidade.
Já de quem, por sua vez, carrega sobre os ombros a missão de dar voz a quem não possui voz perante o Judiciário, que é o advogado, assim como o Defensor Público, além do Ministério Público, o compromisso não deve ser diferente. O mínimo a ser entregue é prestigiar o princípio da colaboração. É alimentar uma mentalidade da redação simplificada, sem tantas prolixidades, daí a tendência do uso crescente da técnica do “direito visual” ou “visual law”, conectada com o “legal design”. Não é, de maneira nenhuma, dinamitar a ciência.
É sob esse enfoque que acolho, particularmente, a meta do Ministro
Barroso de simplificar a linguagem jurídica. Não como a naturalização de uma formação de baixa qualidade ou como a confirmação de que o aprendizado jurídico possa se dar mediante pouca leitura, pensando no sucesso financeiro rápido. O que acredito é na junção de forças entre os personagens da dinâmica jurídica visando aproximar ainda mais o cidadão da Justiça e das suas decisões, esclarecendo os fundamentos que lhes dão sentido.
Simplificar, para mim, é encarar de frente o impopular fenômeno que Lênio Streck designa por “datavenismo”, mas não é a mesma coisa que tornar o pensamento jurídico uma platitude ou preocupar-se em fazê-lo “divertido”. É manter a substância, ressignificando a forma, e não empreender uma cruzada feroz antijuridiquês. Não se faz o Direito para os meios de comunicação.
O desafio, nessas condições, é vencível. De novo, Lênio Streck: “Não esqueçamos que quem explica para o paciente o problema é o médico. Não é o atendente do hospital. Nem o porteiro. E quem explica o caso para o usuário é o seu advogado. Isso quer dizer que explicar sentença por Tiktok parece, com o devido respeito e com toda a lhaneza, uma espécie de caricatura do Direito”. A missão tem tudo para dar certo. Assim como pode engasgar e o tiro sair pela culatra. A receita é ir com calma para não perder o ponto do caramelo. Roma não se fez em um dia.