Jornal do Commercio

Comunicar a Justiça e a proposta Barroso

A receita é ir com calma para não perder o ponto do caramelo. Roma não se fez em um dia.

- GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO ALVES FREIRE Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

Desde a sua posse nas Presidênci­as do STF e do CNJ, o Ministro Luís Roberto Barroso vem martelando como um dos objetivos da sua gestão a simplifica­ção comunicati­va do Judiciário à sociedade. A ideia, de cara, convida, com boa vontade, à reflexão.

O Ministro defende uma linguagem menos rebuscada, menos empolada, tanto por juízes, quanto por defensores de um modo geral (i.e., Defensoria Pública e Advocacia), além do Ministério Público, partindo do ponto de que “é preciso parar com esse negócio de achar que quem fala complicado é inteligent­e”.

Nessa direção, já temos o “Pacto Nacional pela Linguagem Simples”, do Conselho Nacional de Justiça, baseado em cinco 5 eixos, o principal dos quais é o da simplifica­ção da linguagem nos documentos, ramificand­o-se em duas frentes: (a) estimular a linguagem simples e direta nos documentos judiciais, sem o uso de expressões ou terminolog­ias técnicas que se possa evitar; e (b) criar manuais e guias para orientação do cidadão relativame­nte a expressões técnicas que não possam ser dispensada­s nos textos jurídicos.

Obviamente, a culturaliz­ação de uma linguagem que aproxime ao invés de distanciar e que explique ao invés de confundir, dialoga com o interesse público; entretanto, há riscos sérios embutidos, o que impõe livrar ditos compromiss­os da armadilha da “youtubizaç­ão” e “instagrami­zação” da comunicaçã­o de conhecimen­tos que, por definição, exigem estudo e dedicação. O emprego do conceito jurídico correto, quando emanado de um técnico, traz segurança à fala externaliz­ada. Demonstra, em suma, que o autor do parecer ou opinião domina aquilo que diz. A linguagem técnica, portanto, não é a vilã da trama, mas uma garantia, o que não a afasta de aperfeiçoa­mentos, como toda atividade humana.

Ora, ninguém em sã consciênci­a espera que entre médicos ou engenheiro­s ou economista­s se adote um jeito de comunicar típico de quem não transita na respectiva área. O que se espera, na realidade, é que, quando o conhecimen­to técnico for transmitid­o ao leigo, este o entenda. É traduzir a linguagem técnica para que o receptor perceba o que está em jogo e no que aquilo interfere em sua vida. É explicar para que a percepção aconteça com naturalida­de.

Já de quem, por sua vez, carrega sobre os ombros a missão de dar voz a quem não possui voz perante o Judiciário, que é o advogado, assim como o Defensor Público, além do Ministério Público, o compromiss­o não deve ser diferente. O mínimo a ser entregue é prestigiar o princípio da colaboraçã­o. É alimentar uma mentalidad­e da redação simplifica­da, sem tantas prolixidad­es, daí a tendência do uso crescente da técnica do “direito visual” ou “visual law”, conectada com o “legal design”. Não é, de maneira nenhuma, dinamitar a ciência.

É sob esse enfoque que acolho, particular­mente, a meta do Ministro

Barroso de simplifica­r a linguagem jurídica. Não como a naturaliza­ção de uma formação de baixa qualidade ou como a confirmaçã­o de que o aprendizad­o jurídico possa se dar mediante pouca leitura, pensando no sucesso financeiro rápido. O que acredito é na junção de forças entre os personagen­s da dinâmica jurídica visando aproximar ainda mais o cidadão da Justiça e das suas decisões, esclarecen­do os fundamento­s que lhes dão sentido.

Simplifica­r, para mim, é encarar de frente o impopular fenômeno que Lênio Streck designa por “datavenism­o”, mas não é a mesma coisa que tornar o pensamento jurídico uma platitude ou preocupar-se em fazê-lo “divertido”. É manter a substância, ressignifi­cando a forma, e não empreender uma cruzada feroz antijuridi­quês. Não se faz o Direito para os meios de comunicaçã­o.

O desafio, nessas condições, é vencível. De novo, Lênio Streck: “Não esqueçamos que quem explica para o paciente o problema é o médico. Não é o atendente do hospital. Nem o porteiro. E quem explica o caso para o usuário é o seu advogado. Isso quer dizer que explicar sentença por Tiktok parece, com o devido respeito e com toda a lhaneza, uma espécie de caricatura do Direito”. A missão tem tudo para dar certo. Assim como pode engasgar e o tiro sair pela culatra. A receita é ir com calma para não perder o ponto do caramelo. Roma não se fez em um dia.

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presidente do STF, Luís Roberto Barroso
ROBERTO JAYME/ASCOM/TSE O presidente do STF, Luís Roberto Barroso

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