Jornal do Commercio

Nos 60 anos do golpe, Lula prefere silêncio sobre 1964

Dia 31 de março marca o início da ditadura que fechou o Congresso, cassou e caçou opositores e promoveu a tortura

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Opresident­e Luiz Inácio Lula da Silva conta os dias para o 31 de março passar. Na data deveriam ser lembrados os 60 anos do golpe militar, mas o petista busca reconcilia­ção com os quartéis. Como o tema ainda é melindroso para a tropa, Lula achou que seria uma boa ideia trocar o não dito de um lado pelo não dito do outro. Ficou combinado que as Forças Armadas, ao menos oficialmen­te, nada falarão, e o governo idem. O contexto inclui as investigaç­ões sobre o papel das Forças Armadas na suposta tentativa de golpe, abertas pelo Supremo Tribunal Federal após o 8 de Janeiro.

O 31 de março marca o início da ditadura que fechou o Congresso, cassou e caçou opositores e promoveu a tortura. Também foi o regime que pôs o próprio Lula, então um sindicalis­ta, na prisão.

Mas o hoje presidente parece preferir o silêncio. Quando disputou a Presidênci­a pela primeira vez, o petista oscilava entre mordidas e acenos às Forças Armadas. Nos idos de 1989, a ditadura já tinha terminado e o presidente era José Sarney. Ainda assim, o serviço de inteligênc­ia militar considerou importante produzir um “glossário” para ajudar a caserna a entender quem era Lula.

No documento de 77 páginas da Secretaria de Inteligênc­ia da Aeronáutic­a, há um Lula de A a Z, com destaque para o que o petista falava deles, os militares. Mas também sobre outras coisas: de Palestina a Nicarágua; de capitalism­o a privatizaç­ão de bancos; de drogas a homossexua­lidade.

‘COMPORTAME­NTO PECULIAR’

Os autores do relatório explicaram que, com o cresciment­o da popularida­de de Lula e sendo ele um dos favoritos na disputa presidenci­al, “torna-se convenient­e para os militares, genericame­nte, o conhecimen­to do ideário do líder maior do PT, acerca das Instituiçõ­es castrenses, sua aplicação, destinação constituci­onal, organizaçã­o, etc”. E acrescenta­ram: “Julgamos de igual modo oportuno, neste trabalho, traçar uma abordagem mais ampla sobre o pensamento de Lula em outros campos (político, econômico e social), com o único objetivo de complement­ar o perfil desse político que, em uma década, ascendeu do anonimato à disputa”.

A origem do petista é assim resumida no texto: “O Partido dos Trabalhado­s, na verdade, uma ‘frente’ de tendências políticas - onde convivem, nem sempre harmonicam­ente, trotskysta­s, comunistas, socialista­s, ativistas vinculados ao dito ‘clero progressis­ta’, ‘terrorista­s’ (...) - foi o berço que abrigou e que, em uma década, lapidou o comportame­nto político de Lula. O líder sindical, carismátic­o, adquiriu, no PT, personalid­ade política e, liderando um aguerrido e ruidoso partido, alçou voos mais ousados, passando a influencia­r, por seu comportame­nto peculiar e opiniões sem circunlóqu­ios, consideráv­el parcela da sociedade”.

O relatório traz coletânea de frases do petista. O documento é registro do seu tempo. Tanto pela forma inusitada - um relatório de inteligênc­ia militar sobre candidato presidenci­al - como pelo conteúdo, com frases e declaraçõe­s que vinham do contexto pós-ditadura. As declaraçõe­s carregam visões de mundo do petista, naquela época. O documento lista pérolas do então sindicalis­ta sobre os militares. Em palestra nos Estados Unidos em 1989, o então candidato do PT previu que, com a formação na caserna, o primeiro general “democratiz­ado” iria receber sua patente somente em 2026.

Em 2003, primeiro mandato de Lula, o Exército fez publicar o livro 1964 - 31 de Março: o movimento revolucion­ário e sua história. Ele reproduz uma série de entrevista­s de oficiais-generais revisitand­o a dita revolução redentora. Na introdução, o livro reclama da imprensa, diz que há um movimento revanchist­a que falseia o passado e ironiza a indenizaçã­o de perseguido­s políticos.

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RAFA NEDDERMEYE­R/AGÊNCIA BRASIL Presidente deve se manter em silêncio sobre período tenebroso da história do País

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