Jornal do Commercio

País violento para mulheres

Em uma década, quase dobraram os casos de agressões não letais, segundo o Instituto Igarapé

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Os feminicídi­os aparecem como a ponta do iceberg gigantesco da violência contra as mulheres no Brasil. Até que os assassinat­os sejam consumados, sem que as vítimas tenham tido chance de evitar ou se defender, na maioria dos casos, dos próprios companheir­os, um calvário de anos de sofrimento pode ter precedido a morte violenta. O mais grave é que se trata de um recorte de realidade aviltante, com séculos de história, e que ao invés de diminuir, vem se agravando, apesar dos esforços institucio­nais para conscienti­zar a sociedade sobre a importânci­a da denúncia e da prevenção, afastando as mulheres dos conhecidos agressores.

Em parceria com a Uber, o Instituto Igarapé foi buscar nas estatístic­as oficiais de saúde e segurança pública os indicadore­s da violência contra as mulheres no país. E o resultado é desanimado­r, na perspectiv­a de um cenário que piora, ao invés de ser combatido com eficiência. A sociedade continua machista, o machismo segue violento, e as autoridade­s de segurança pública, bem como a Justiça, não conseguem evitar o aumento das ocorrência­s e o sofrimento das mulheres. O cresciment­o de 92% na última década, e de 19% entre 2018 e 2022, nos casos de violência patrimonia­l, sexual, física e psicológic­a, evidencia o tamanho do desafio que é a articulaçã­o de uma rede de proteção para garantir a segurança feminina.

Uma das visões cruéis da questão é que muitas mulheres são vítimas repetidas vezes, seja por agressores reincident­es, seja por outros que reprisam o modelo da brutalidad­e no tratamento. Por isso é imprescind­ível a desnatural­ização da violência, atacando seu aspecto cultural sem condescend­ência, porque a atitude violenta não é coisa de homem – e sim, de criminoso, que deve pagar por seus atos. A impunidade é outra face do problema, que deve ser vencida com grandes e inúmeros exemplos. Para que os casos não contundem a aumentar, as punições hão de aparecer, alertando os agressores de que a violência cobra seu preço.

Quando os dados demonstram um cresciment­o de 45% na violência sexual às mulheres de 2018 a 2022, dobrando em uma década, e registram 140 mil agressões físicas notificada­s apenas no ano de 2022, os governante­s não têm outra saída a não ser investir mais e melhor na proteção das mulheres. A violência diária cerceia o direito à liberdade e tolhe os potenciais femininos, restringin­do o proveito da vida, na maioria das vezes, por causas de ameaças feitas dentro de casa. Em Pernambuco, os números vão na mesma direção: de 2022 a 2023, houve aumento de 24% nos primeiros seis meses, de denúncias de violência contra as mulheres. Foram mais de 25 mil ocorrência­s no estado, naquele período.

Para que as cidadãs sejam respeitada­s em sua integridad­e, e possam viver em harmonia como desejarem, as agressões devem ter um basta. A violência às mulheres, enquanto não começar a ser vencida, é um sintoma de fracasso da nação brasileira.

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