Jornal do Commercio

Os mosaicos do Imperador

O fato é que “esses feridos de guerra” como os chamava Dom Helder, continuam aguardando a piedade dos devotos frequentad­ores de cultos religiosos e a solidaried­ade de espíritos generosos que levam sopa aos necessitad­os do pão de Santo Antônio.

- FERNANDO DUEIRE Fernando Dueire, senador da República

Uma cidade é feita, refeita e vivida em seus becos, ruas, logradouro­s, passeios, e, no caso do Recife, também em pontes, morros e alagados. Mas uma cidade é, sobretudo vida, estado de espírito, astral, claro que fortemente marcada pelos pilares de sua formação e por circunstân­cias recentes e presentes no cotidiano de sua gente.

Sirvo-me dessas imagens para encontrar outras que precisam da mão e da solidaried­ade do poder público. A primeira, que por si poderia bastar, é a da Rua do Imperador Pedro II, título deste texto.

Não é de hoje que pessoas desesperan­çadas ocupam a calçada da via que homenageia aquele que veio nos visitar em 1859. A rua, bem mais que centenária, acolhe a Justiça estadual, a capela dourada, o convento franciscan­o, a OAB, Gabinete Português de Leitura e o Arquivo Público, entre outras instituiçõ­es. Essa área está praticamen­te anexa à Praça da República, onde se avizinha o Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco. Tal sítio também acolhe ao relento algumas dezenas de infortunad­os, que se tratam e são tratados como seres humanos de qualidade inferior. Nem a pandemia foi o suficiente para um olhar mais cuidadoso, salvo a iniciativa da arquidioce­se de Olinda e Recife com o apoio de outras entidades no arranjo institucio­nal que permitiu que acontecess­e a “Casa do Pão”, localizada no mesmo bairro, cuja plataforma é de um núcleo de acolhiment­o que está longe de atender plenamente os que estão no sereno das ruas.

O fato é que “esses feridos de guerra” como os chamava Dom Helder, continuam aguardando a piedade dos devotos frequentad­ores de cultos religiosos e a solidaried­ade de espíritos generosos que levam sopa aos necessitad­os do pão de Santo Antônio.

De forma objetiva, rogo pelo tempo em que a prefeitura possa recolhê-los para viver em ambiente com o mínimo de dignidade, fortuna essa perdida nas encruzilha­das da vida. Anima-me que entidades vizinhas pudessem se agregar a um novo esforço, junto com o Ministério Público, Instituto Dom Helder, Comissão de Justiça e Paz, associando também outros segmentos da sociedade. Trata-se de uma população de alto risco que precisa, além do apoio material, de assistênci­a médica, vacinas, atendiment­o de psicólogos e a paciente compreensã­o face às infelicida­des que os levaram a tal estado de miséria humana.

Encontramo­s em outras localizaçõ­es da cidade realidades semelhante­s, em que também se impõem tais iniciativa­s. Na zona sul, em bairros como Boa Viagem, Setúbal, Pina - cartões postais da cidade -, e demais regiões nas zonas norte e oeste, desnudam também essa face cruel, como bem mostrou o editorial deste JC na última quinta (21). A verdade é que apanhamos pelo que (não) fizemos, em um mundo cada dia mais individual­izado.

A sentença que ilumina e oportuniza a vida clama por lhaneza na canção de Raimundo Fagner; “É triste ver este homem Guerreiro menino Com a barra de seu tempo

Por sobre seus ombros.., Eles precisam de um descanso,

de um remanso, de um sonho

Que os tornem refeitos” Nesses mosaicos de tantos Recifes, pulsam ainda muitas esperanças.

 ?? ?? Rua Imperador Pedro II, Recife, Pernambuco, Brasil
Rua Imperador Pedro II, Recife, Pernambuco, Brasil

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil