Jornal do Commercio

O Recife e a condescend­ência com os seus prefeitos

Mapa da Desigualda­de colocou a capital pernambuca­na em penúltimo lugar

- TEREZINHA NUNES, do Blogdellas Especial para o JC

Em artigo publicado no Blogdellas em 2023 com o título “Recife e o gosto por Prefeitos”, o ex-prefeito de Petrolina, Júlio Lóssio, que se mudou para esta capital aos 14 anos e daqui só saiu depois de formado em Medicina, constatou que o Recife, nos últimos quarenta anos, teve prefeitos muito bem avaliados, alguns recordista­s nacionais, mas concluiu : “com raras exceções, não vejo a cidade avançar. É clara a deterioriz­ação do transporte público, a educação e a saúde deixam a desejar. O caos provocado pelas chuvas parece não ter mudado nada nesses anos. As calçadas são de péssima qualidade, nos sinais de trânsito crianças se acumulam pedindo esmola, o risco de ser assaltado cresceu, os grandes engarrafam­entos evidenciam um trânsito caótico”. E pergunta no final “o que a população tem avaliado efetivamen­te sobre os seus prefeitos? O certo é que o recifense parece gostar de prefeito. Seja ele qual for”.

Estaria exagerando? É possível que sim mas ele parecia estar prevendo o que o Instituto Cidades Sustentáve­is (ICS) deixou patente esta semana quando divulgou o Mapa da Desigualda­de entre as capitais brasileira­s e o Recife ficou em penúltimo lugar, só perdendo para Porto Velho, capital de Rondônia.

No ranking, segundo o ICS, foram medidos, entre outros, o déficit de saneamento básico - apenas 32% dos recifenses são servidos por rede de esgoto – o percentual de habitantes sem instrução ou com ensino fundamenta­l incompleto, o rendimento per capita de R$ 9,4 por dia, o alto nível de desemprego, o número de homicídios sobretudo de grupos vulnerávei­s, o fato da cidade estar em 16.o lugar entre as capitais na cobertura de vacinas e entre as cinco piores em doenças relacionad­as ao saneamento ambiental.

Como constatou o jornalista Fernando Castilho em matéria sobre o assunto neste JC, dos 17 objetivos do Desenvolvi­mento Sustentáve­l, que compõem o Mapa da Desigualda­de, o Recife ficou entre as cinco piores posições em 11 deles. Diante desse quadro, os pontos positivos medidos pelo levantamen­to como, entre outros, a cobertura de energia elétrica em 99% das residência­s e o fato da cidade ser o 7.o melhor polo cultural brasileiro, não foram suficiente­s para evitar que a o Recife chegasse ao ponto em que chegou.

A Prefeitura pôs em dúvida o resultado do trabalho informando que a metodologi­a usada no estudo foi criada pelo próprio Instituto que elaborou o Mapa e explicando que o índice GINI aponta que de 2012 até agora a desigualda­de no Recife foi reduzida e que, segundo o IBGE, em 2022, o município teve uma queda de 4% na desigualda­de de renda. Independen­te de queda ou não da desigualda­de, o Mapa preocupa por Recife ser uma das menores capitais do país, o que obriga grande parte da população carente da Região Metropolit­ana a buscar abrigo em cidades como Jaboatão, Olinda e Paulista, por exemplo, de orçamento bem inferior ao da capital.

Comparando o orçamento de Jaboatão para este ano (R$ 2,3 bi) e de Olinda (R$ 1 bi) com o do Recife (R$ 8,2 bi) dá para imaginar como devem estar os moradores de Olinda e Jaboatão. Dividindo os orçamentos dos três municípios pelo número de habitantes, Olinda conta com R$ 2.800,00 por habitante anualmente, Jaboatão com R$ 3.600,00 e Recife com R$ 5.500,00.

É errado culpar o atual prefeito pela situação da capital. Como se não bastasse a pandemia, os problemas do Recife são seculares e, como lembrou Júlio Lóssio, há décadas que não são verdadeira­mente enfrentado­s, apesar dos prefeitos baterem recorde de popularida­de. Além da falta de recursos haveria mesmo uma condescend­ência exagerada e falta de cobranças. Nunca é demais lembrar que os prefeitos costumam contar com bancadas expressiva­s na Câmara de Vereadores onde a oposição é mínima.

No momento, como o PSB informou esta semana, o prefeito João Campos tem o apoio de 31 dos 39 vereadores. Não foi diferente com Jarbas Vasconcelo­s, Joaquim Francisco, Roberto Magalhães, João Paulo, João da Costa ( este perdeu popularida­de por conta das brigas do PT)E Geraldo Júlio.

As cobranças só acontecem em ano eleitoral e no exíguo tempo da propaganda gratuita e dos debates. No mais, os administra­dores vivem no céu de brigadeiro, sem nenhuma nuvem a ameaçá-los no horizonte.

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BRUNO CAMPOS / JC IMAGEM Palafitas do Recife avançam sobre os mangues

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